Efeito da “floresta vazia” denuncia extinções

Belém, 29 de março de 2004 – Pesquisas experimentais ao redor de todo o mundo mostram que a fragmentação de florestas leva à perda de centenas de espécies de plantas e animais. No artigo “Fragmentação, Sinergismos e Empobrecimento das Florestas Neotropicais”, os autores analisam simultaneamente as múltiplas causas e as interações que são desencadeadas pelo processo de fragmentação das florestas das Américas do Sul e Central.

O estudo destaca que se os efeitos da fragmentação não forem atenuados rapidamente, as florestas tropicais vão perder uma parte significativa da diversidade de suas árvores mais preciosas, desencadeando um processo de extinção em massa poucas vezes visto na história da Terra. O artigo acaba de ser publicado na revista holandesa Biodiversity and Conservation e é assinado por Marcelo Tabarelli, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), José Maria Cardoso da Silva e Claude Gascon, ambos da ONG Conservação Internacional (CI).

“A fragmentação das florestas não ocorre naturalmente. Ela está sempre associada a ameaças induzidas pelo homem, como exploração de madeira, queimadas e a caça de vertebrados, que são dispersores de sementes. Isso ocorre porque os recursos da floresta são, pelo menos durante um certo período, a principal fonte de renda das populações locais”, explica José Maria Cardoso da Silva, vice-presidente de Ciência da CI-Brasil.

Tanto no caso da Amazônia como da Mata Atlântica, os principais impactos advêm do que os ambientalistas convencionam chamar de efeito de borda. Isso significa dizer que, depois do desmatamento, os remanescentes ficam isolados, e sua vizinhança passa a ser não mais a própria floresta, contínua, mas áreas abertas, como plantações, pastos, estradas. Os dois tipos de ambientes se influenciam mutuamente e as espécies da floresta respondem de várias maneiras a esse fenômeno. Algumas não suportam a baixa umidade, enquanto outras acabam por se beneficiar, como algumas espécies de cipós e parasitas. Com isso, muitas espécies de árvores de grande valor comercial, como a castanha-do-brasil e o mogno, podem ser extintas.

Os pesquisadores explicam o ciclo da extinção de um fragmento de floresta sendo o seguinte esquema lógico. Tanto nas novas quanto nas antigas fronteiras da colonização humana nas regiões neotropicais – como a Amazônia e a Mata Atlântica – os fragmentos de florestas estão sempre associados às crescentes necessidades comerciais e de subsistência das populações (madeira, carvão, minerais, fibras, sementes etc.). Nessas regiões, a fragmentação do hábitat amplia o acesso aos recursos da floresta e facilita a caça, a extração industrial de madeira e a expansão da agricultura. As operações de extração de madeira em grande escala aumentam ainda mais a fragmentação da floresta, abrindo estradas e trilhas. Além disso, a derrubada reduz a cobertura de folhagens e produz grandes quantidades de detrito orgânico. Esse material combustível, combinado ao lixo e à biomassa morta produzidos pela própria fragmentação, deixa essas regiões ainda mais susceptíveis à indução de queimadas.

Associados a cada uma dessas ameaças, estão os processos ecológicos que têm o potencial de reduzir o tamanho das populações de inúmeras espécies de árvores. O efeito de borda e a fragmentação aumentam a mortalidade de árvores jovens pela competição com cipós, espécies parasitas e espécies adaptadas a solos pobres, ao mesmo tempo que a própria derrubada causa um prejuízo físico. As árvores adultas também ficam mais vulneráveis à borda e freqüentemente caem com a elevação de suas raízes para a superfície. Além disso, a eliminação de vertebrados dispersores de sementes compromete a germinação. Muitas espécies de árvores neotropicais estão atualmente ameaçadas por uma combinação dessas causas. “O Centro de Endemismo Pernambuco – a região de Mata Atlântica entre o Rio Grande do Norte e Alagoas – é um exemplo. Nós estimamos que pelo menos 34% das espécies de árvores da região estão ameaçadas por causa da combinação desses fatores, explica Tabarelli”.

O estudo sugere algumas predições inquietantes. A grande maioria dos fragmentos florestais da Amazônia ou Mata Atlântica já passaram ou estão passando por um rápido processo de perda de espécies. Na Amazônia, se o processo de colonização e exploração dos recursos naturais da região continuar como está, com taxas de desflorestamento entre 15.000 e 20.000 km2 por ano, pode-se prever, no curto prazo, uma degradação bastante severa de grande parte do bioma, limitando as oportunidades de um desenvolvimento social justo e eqüitativo baseado no uso sustentável das florestas.

O estudo também revela que a porcentagem de espécies perdidas é uma conseqüência da intensidade e severidade das ameaças que foram impostas aos fragmentos. As árvores mais ameaçadas de extinção têm grande valor comercial, são muito sensíveis aos efeitos de borda e sua reprodução depende da dispersão de sementes promovida pelos grandes vertebrados, que em geral são os primeiros a desaparecer de um sistema perturbado pela ação humana.

“Em áreas de Mata Atlântica, como no Sul da Bahia onde os fragmentos de floresta são muito pequenos e ameaçados, podemos sentir a assustadora sensação da floresta vazia. Você pode observar o verde da mata, mas já não ouve mais a vocalização dos primatas, ou o movimento dos animais, nem o cantar dos pássaros da região. Daí você pode concluir que esse é um fragmento fadado à extinção,” comenta Gascon, que trabalhou por mais de 10 anos como pesquisador no Brasil.

Os autores do artigo concluem afirmando que uma parcela significativa da biodiversidade brasileira poderá ser perdida rapidamente, com grandes prejuízos para a sociedade como um todo, caso nenhuma ação concreta para a implementação de estratégias de manejo florestal for estabelecida. Por isso, eles defendem a criação de extensos corredores de biodiversidade integrando conservação e desenvolvimento econômico.

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