Quantidades de N liberadas no solo após incorporação de lodo de esgoto

Rita Carla Boeira

Engenheira Agrônoma – Pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente

Para o estabelecimento de práticas agrícolas seguras de uso de lodo de esgoto como fertilizante nitrogenado são necessários estudos das taxas de mineralização de N nas nossas condições de solos e de climas tropicais.

O potencial de geração de nitrato de lodos de esgoto é um parâmetro técnico obtido através da pesquisa necessário aos ajustes no uso do produto em determinadas condições de clima, solo e cultura. Este parâmetro é utilizado para cálculo de dosagens agronômicas ambientalmente seguras de lodos de esgoto, quando o resíduo não possui em sua composição outros fatores mais limitantes à sua aplicação em solos, tais como potencial de acidificação, presença de poluentes inorgânicos (exemplo: metais pesados potencialmente tóxicos, teores elevados de fósforo), compostos orgânicos persistentes, ou patógenos humanos.

Neste trabalho, a partir de um conjunto de técnicas, foi estimada a taxa de mineralização de um lodo de esgoto – que recebeu tratamento anaeróbio – a qual permite a técnicos e produtores definir quantitativamente o potencial de uso de lodos de esgoto como fonte de N a cultivos agrícolas nas condições tropicais brasileiras, calculando as doses máximas a aplicar desse resíduo.

A avaliação foi feita em laboratório, medindo-se periodicamente as quantidades de N mineral produzidas por uma mistura conhecida de lodo de esgoto de Franca/SP em um Latossolo, durante 105 dias. Essas medidas foram ajustadas a um modelo matemático, obtendo-se a quantidade de N orgânico potencialmente mineralizável em cada dose de lodo aplicada ao solo: 41, 84, 167 e 215 kg/ha, nas doses doses equivalentes à aplicação de 3, 6, 12 e 24 t/ha de lodo seco, respectivamente. Utilizando-se regressão linear, obteve-se a fração de mineralização do lodo de Franca, estimada em 34%. Este valor significa que 34% do N orgânico contido no lodo mineraliza durante o ciclo de uma cultura.

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A taxa agronômica de aplicação deste lodo poderá então ser calculada em função da recomendação de adubação nitrogenada para o cultivo de interesse (disponível em tabelas de adubação), considerando-se os teores de N mineral no lodo com sua umidade natural obtidos por análise química e a fração de mineralização de N orgânico (obtida conforme relatado neste trabalho).

Por exemplo, no tratamento equivalente à aplicação de 3 t/ha (base seca) deste lodo de esgoto (contendo 120 kg/ha de N orgânico), estima-se um potencial de liberação de 41 kg de N/ha em formas minerais, geradas pela mineralização do lodo no solo (120 kg/ha x 34% = 41 kg/ha). A este valor, deve ser somado o teor de N mineral já presente no lodo úmido (3.000 kg/ha X 0,5% = 15  kg/ha). Ou seja, aplicando-se 3.000 kg/ha deste lodo de esgoto, estaremos adubando este solo com um total de 56 kg/ha de N. Considerando-se um cultivo que requeira 90 kg/ha de N, seria necessária uma adubação mineral complementar com 34 kg/ha de N.

Ainda com a dose aplicada equivalente a 3.000 kg/ha de lodo (base seca), os resultados obtidos mostram que disponibilizaram-se imediatamente no solo quantidades equivalentes a 15 kg/ha de N mineral (devidas ao teor de N mineral já presente no lodo úmido). Iniciada a mineralização, em apenas 10 dias poderão ser liberados à solução do solo 8 kg/ha de nitrogênio mineral, o que representa quase 20% do potencial total de mineralização de N no primeiro ano, que foi de 41 kg/ha. Em 30 dias, poderão ser disponibilizados 20 kg/ha de N. Assim, as épocas de intensa liberação de N pelo lodo de esgoto poderão não coincidir com as épocas de maior absorção pelas plantas, se não houver planejamento adequado da forma e época de aplicação do resíduo ao solo; se não houver raízes para absorvê-lo, além de ser potencialmente lixiviável, pode também volatilizar-se.

Com a dose equivalente a 6.000 kg/ha de lodo (base seca), poderá haver pronta disponibilização de 30 kg/ha de N, o qual já se encontra no lodo na forma mineral, o que representa aproximadamente um terço das exigências de N em um cultivo de milho, por exemplo. Em função disso, esta dose possivelmente seria desaconselhável à aplicação no campo, no caso de um sistema de incorporação de lodo ao solo antes da semeadura, pois ainda disponibilizaria, nos 15 dias iniciais de decomposição, mais 20 kg/ha de N. Em situações como essa, com disponibilização de grandes quantidade de N, acima da capacidade de absorção radicular, chuvas intensas podem agravar ainda mais o risco potencial de lixiviação, e conseqüentemente de contaminação ambiental com nitrato.

Com as doses mais elevadas (12.000 e 24.000 kg/ha de lodo de esgoto, base seca), acentuam-se os riscos já citados acima, em função do elevado aporte inicial de N mineral contido no lodo de esgoto e da grande quantidade de N orgânico que é mineralizada.

A prática vigente atualmente para definição de dosagens de lodo de esgoto a aplicar em solos é determinada pela Norma P 4.230 da Cetesb, publicada em 1999, que regulamenta o uso de lodo de esgoto na agricultura, e recomenda a utilização do valor de 20% de disponibilização de N para lodos anaeróbios, valor esse obtido na literatura estrangeira, utilizado por não haver dados nacionais publicados até então.

O uso do índice de disponibilidade anual de N orgânico de lodo de esgoto aqui determinado em Latossolo brasileiro, com valor de 34%, estima liberação de N ao solo em quantidades muito superiores àquelas previstas com o índice preconizado até agora na prática vigente (20%), proporcionando vantagens como:

1) estimativas até 35% mais precisas de dosagens a aplicar de lodo em nossos campos agrícolas,

2) diminuição do risco de degradação ambiental de solos agrícolas pela recomendação de uso desse resíduo em quantidades até 28% menores,

3) melhor aproveitamento do N contido nos lodos de esgoto,

4) diminuição de risco de perdas de nitrogênio do lodo de esgoto por volatilização ou lixiviação no perfil do solo e

5) diminuição de riscos de contaminação de corpos d`água por nitrato.

Fonte: Rita Carla Boeira (rcboeira@cnpma.embrapa.br). Engenheira Agrônoma – Pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente.