A Eutrofização na Lagoa de Araruama e o Impacto Ambiental das Estações de Tratamento Secundário

1 – Introdução

A partir de 1999, várias toneladas de algas macrófitas começaram a se desenvolver rapidamente na Lagoa de Araruama, se acumulando nas praias. Para avaliar o problema em bases técnicas foi planejado um monitoramento de parâmetros físico químicos e biológicos da Lagoa de Araruama, por iniciativa de membros da comunidade de Araruama e com apoio logístico da FEEMA e da WWF. O objetivo foi investigar os seguintes tópicos:

(a) a situação atual da poluição por nutrientes neste ecossistema,

(b) as fontes de poluição,

(c) as mudanças que a lagoa tem sofrido;

(d) possíveis medidas para mitigação ambiental.

A comparação com dados pretéritos permitiu avaliar as rápidas mudanças que tem ocorrido na Lagoa de Araruama em termos os aumento da disponibilidade de nutrientes. Foi feita uma amostragem simultânea de 100 pontos igualmente distribuídos na lagoa para apreender a distribuição de parâmetros hidroquímicos como salinidades, nutrientes e clorofila.

A lagoa de Araruama é um ecossistema lagunar de 206.8 Km2 situado no norte do Estado do Rio de Janeiro. Possui ligação com o mar pelo canal de Itajurú sendo limitada por uma restinga litorânea pelo lado oceânico. (Vide figura abaixo.) É circundada por cinco municípios, a saber Araruama, Arraial do Cabo, Cabo Frio, São Pedro da Aldeia e Iguaba. Uma característica marcante desta laguna é a sua alta salinidade que chega a ser o dobro da água do mar possibilitando a extração de sal natural, atividade tradicional da região. A cada 2 litros de água que entram na lagoa, 1 litro se evapora. Isto faz concentrar tanto os sais naturais, como também os nutrientes de nitrogênio e o fósforo provenientes das águas residuais. Esta poluição por nutrientes, é chamada tecnicamente eutrofização. O super crescimento de algas atestou visualmente um rápido aumento da eutrofização. Na lagoa de Araruama.

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2 – Situação hidrológica durante a amostragem

O dia de amostragem em 27/12/2002 foi marcado por ventos leste de até 16 nós. As maiores salinidades de 70 a 78 partes por mil foram observadas entre a enseada de Pontes dos Leite, e do Ingá diminuindo até a faixa entre 35 e 45 em direção do Canal Itajurú em Cabo Frio, demonstrando uma situação de entrada de águas marinhas a partir do Canal de Itajurú. Entretanto a renovação das águas no interior da lagoa demonstrou ser muito restrita durante este período como indicou um monitoramento contínuo de seis dias do nível da água (<10cm) e das salinidades feitos em um ponto de uma praia de Araruama.

3 – Evolução dos Nutrientes e Estados tróficos

De acordo com a classificação de Rast & Roland (1982), que leva em consideração o Fósforo Total ou a Clorofila em mg/m3, as águas da Lagoa de Araruama estam situadas na faixa eutrófica como mostram os valores mínimos a máximos destes parâmetros na Enseada das Coroinhas na estação de verão. Tabela abaixo.

Concentração de nutrientes e clorofila na Enseada das Coroinhas nos anos de 1980, 1993 e 2002

 Ano  Amônia POP POD PID Clorofila
 1980   0.02-0.3 uM  0.01 uM <0.02 uM 1-2 ug/litro
 1994  1- 2 uM 0.1-0.3 uM  2-15 ug/litro
 2002 1- 5 uM  1-3.8 uM   0.1-0.3 uM   0.15-0.7 uM   30-120 ug/litro 

POP: fósforo orgânico particulado;

POD: fósforo orgânico dissolvido;

PID: fósforo inorgânico dissolvido.

O fósforo total é igual a soma POP + POD +PID. A enseada das Coroinhas foi arbitrada como situação média, por situar-se no meio da extensão longitudinal da lagoa. ( – ) não analisado.

Estes resultados mais atuais indicam portanto um grau já elevado de poluição por nutrientes. Quando comparamos os resultados atuais com os dados de nutrientes e Clorofila pretéritos obtidos por D.L André em 1981 e Souza de 1994, ou seja, a 22 e a 9 anos atrás respectivamente, verifica-se que o enriquecimento nutritivo das águas da Lagoa de Araruama aumentou acentuadamente nos últimos anos. Verifica-se que a Lagoa de Araruama em 1980 era oligotrófica, passando a uma condição entre oligotrófica e meso-trófica em 1994, de acordo com o valor de clorofila e chegando a situação eutrófica mais recentemente e de forma rápida.

4 – Consequências e Impactos para o Ecossistema Lagunar

A partir de 1999 começou a crescer demasiadamente uma alga do gênero Enteromorpha sp, cujas biomassas se soltaram e acumularam em vários pontos da lagoa. As algas cresceram numa profundidade até 4 m sobre conchas e pedaços de rocha.

Muitos detritos provenientes da decomposição das algas foram se acumulando no fundo lagoa. A ação frequente dos ventos ressuspende os sedimentos de fundo aumentando mais a turbidez. Estes sedimentos de fundo de lagoas eutrofizadas detém concentrações elevadas de Nitrogênio e Fósforo e a sua mistura com as águas resulta numa contínua reciclagem interna destes nutrientes, independente dos “novos” nutrientes que estão chegando dos esgotos. Quando as lagoas chegam a esta condição, este autor chama de “eutrofização crônica”. A turbidez fez diminuir as macro algas e favoreceu o crescimento das micro algas que crescem mais rápido. Observações mais recentes na Lagoa de Araruama mostram que no último verão 2002/2003 começaram a proliferar micro algas cianofícias filamentosas no plâncton.

As concentrações máximas de Clorofila A estiveram acima 120 ug/litro o que representa uma grande elevação do carbono fitoplanctônico na água, estimado em mais de 7,0mg C/litro.

5 – Mudanças recentes do estado trófico do ecossistema

De modo geral, um grau elevado de eutrofização provoca alterações nos ecossistemas costeiros tais como: mudança da estrutura trófica; diminuição da variedade de espécies, inclusive os peixes e organismos bentônicos; invasão de espécies mais resistentes e extremófilas. Estas mudanças representam uma tendência de simplificação da rede trófica levando ao predomínio das biomassas das algas e do fluxo energético pelas bactérias. (Moreira, 1989).

Tais alterações como o super-crescimento da biomassa de algas são observáveis na lagoa de Araruama que em última análise diminuem o oxigênio dissolvido e aumentam os sulfetos e nitritos que são venenosos para os peixes e outros organismos bentônicos. Também do ponto de vista estético e paisagístico as praias estam sendo degradadas pelo acréscimo de lama orgânica, emanação de odores e aumento de plantas invasoras sobre a areia. As praias mais afetadas pela sedimentação de matéria orgânica correspondem as enseadas dos municípios de Araruama e de S. Pedro da Aldeia, e vários pontos do lado continental, devido a dinâmica dos ventos e correntes que acumulam as partículas orgânicas nestas áreas.

6 – Impacto causado pelas estações de tratamento

As estações de tratamento secundário, que estão atualmente em construção nos municípios da região, não resolverão o problema de poluição por nutrientes. Isto porque o tratamento secundário tradicional, baseado na remoção da DBO (demanda biológica de oxigênio), não elimina eficientemente o nitrogênio e o fósforo que são a causa do crescimento das algas. Estudos científicos em vários países, inclusive pesquisas que fiz na Baía de Tokyo no Japão (Moreira, 1998), tem demonstrado que o tratamento secundário acelera muito mais o crescimento de macro algas e fitoplancton quando os seus rejeitos finais são lançados em ambientes costeiros de circulação restrita como as lagunas, lagoas e interiores de baías. Isto acontece porque ao retirar a DBO dos esgotos, as formas orgânicas são mineralizadas às formas inorgânicas de nitrogênio e fósforo que são mais rapidamente assimiladas pelas algas. As estações de tratamento secundário e lagoas de estabilização só contribuem para o aumento da eutrofização. Foi o que aconteceu com a estação de tratamento de esgotos da concessionária estrangeira Pro-Lagos em São Pedro. A estação secundária de Cabo Frio que está sendo construida agora, lançará milhões de litros por dia de nutrientes mineralizados na Lagoa de Araruama quando estiver pronta e certamente causará um impacto ecológico considerável. Poderia se chamar isto de “tecnologia com antolhos”, porque em se removendo a DBO primária dos esgotos iremos criar uma DBO secundária no corpo receptor, que é justamente o que se pretenderia evitar com a construção de uma E.T.

7 – Conclusões

A comparação dos resultados deste monitoramento mais recente com dados pretéritos mostra que o ecossistema da lagoa de Araruama vem passando por um aumento acelerado da poluição por nutrientes o que acarreta impactos gerais sobre sua estrutura ecológica, paisagística e as características balneares. Desde a explosão do crescimento de algas em 1999, ocorreu uma diminuição acentuada da transparência das águas devido a acumulação de seus detritos. O assoreamento com material nutritivo aliada as características físico-químicas naturais desta lagoa provocará um sério problema ambiental em todos os municípios desta região se não forem tomadas as medidas necessárias. O alto grau de eutrofização compromete seriamente a pesca, a extração de sal, do carbonato conchífero, e as atividades turísticas, todas importantes para a região. Os efluentes de estações de tratamento secundário, inclusive as lagoas de estabilização da concessionária de águas Pro-Lagos, aprovados pela FEEMA e orgãos oficiais, ao invés de conter a poluição, fazem disparar a eutrofização e o crescimento de macro e microalgas, acelerando ainda mais a impactação ambiental.

Atualmente, os assuntos de saneamento da região dos lagos e despoluição da Lagoa de Araruama estão subordinados ao Consórcio Intermunicipal Lagos-Rio São João, organização não-governamental que tem boas relações com a concessionária responsável pelo tratamento das águas. A administração atual deste Consórcio Intermunicipal e as respectivas prefeituras da região dos lagos tem tido dificuldades para formular projetos e encontrar soluções viáveis para despoluir a Lagoa. A despoluição da lagoa de Araruama é um projeto de porte considerável e exige soluções elaboradas e efetivas, apoiadas em várias informações técnicas. O controle da poluição da Lagoa de Araruama só poderá ser alcançado pela eliminação dos lançamentos de nutrientes (e.g. por um emissário marítimo) e pela recuperação das áreas mais afetadas por sedimentação orgânica anômala. Recomenda-se também que quando um município ou outra organização contratem serviços e projetos de uma firma possam contar com terceiros profissionais especializados que avaliem o trabalho a seu favor, e as decisões técnicas não fiquem restritas ao âmbito político, de ecologistas ou de profissionais de outras áreas.

Bibliografia

André, D.L. et alli, 1981- “Estudo preliminar sobre as condições hidroquímicas na Lagoa de Araruama,RJ ” Inst.Pesq. Mar. 35 p.

Christenson,M. 1988- “Increasing substrate for polyphosphate accumulating bacteria in municipal waste water through hydrolisys and fermentation of sludge primary clarifiers” . Water Environmental Research 70(2) : 138-45.

Knoppers, B.A.; Bidone,E.D. ; Abraão,J.J.,1999- Environmental Geochemistry of Coastal Lagoon Systems of Rio de Janeiro. UFF – FINEP 210 p.

Moreira, A.L.C.,1989- “Estados tróficos da Lagoa de Saquarema (Brazil) em um ciclo anual” Tese de Mestrado Universidade Federal Fluminense. 91 p.

Moreira, A.L.C.,1990 – “A influência dos fatôres físicos sobre as condições de oxigenação da Lagoa da Tijuca” III Congresso Brasileiro de Limnologia, Porto Alegre, Brazil.

Moreira, A.L.C.,1998- “The role of heterotrofic bacteria on phosphorus mineralization in Tokyo Bay waters” Symposium of Japanese Oceanografic Society, Tokyo,Japan.

Moreira, A.L.C.,2001- “Super crescimento de algas na Lagoa de Araruama: consequências , fatôres tróficos e biogeoquímicos”. III Encontro Nacional da Cidadania pelas Águas- CREA-RJ.

Rast,W. & Holland, M.,1988- “Eutrophication of lakes and reservoirs: a framework for making management decisions”Ambio 17 (1): 2-12.

Souza, W.F.C., 1997 – “ Dinâmica de nutrientes da Lagoa de Araruama, RJ “

Tese MSc UFF – André Luiz Costa Moreira, Oceanógrafo pesquisador, Registro no IBAMA- 3/33/2001/0174-7

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