Tsunami, a onda assassina

O terremoto de 26/12/2004 causou o deslizamento horizontal de 10 a 15 metros na interface entre as placas da Índia e da Ásia e uma ruptura da crosta terrestre de 500 a 600 km de comprimento e 150 km de largura. Ao Sul e a Oeste da ponta Norte de Sumatra, o sismo liberou subitamente forças e deformações acumuladas há séculos. Em menos de 4 minutos, as ondas de choque sacudiram toda a província de Aceh, devastando-a quase totalmente, ao mesmo tempo em que provocou o maior tsunami transoceânico em 40 anos, o qual investiu a Oeste para a Índia, Sri Lanka, e as Maldivas e a Leste para Sumatra, Tailândia e a Malásia. Por onde passou deixou um rastro de destruição e morte jamais visto. Matou mais do que nenhum outro na história.

O sismo, de magnitude 9 na Escala Richter, é o resultado de uma história tectônica que começou há 85 milhões de anos. Nessa época – após a formação do Oceano Índico – a placa tectônica Indo-australiana, na qual se apóia a Índia e a Austrália, separou-se da África. Desde então ela vem atravessando o oceano em direção ao Norte com a velocidade de 10 cm/ano. De fato, há 50 milhões de anos a Índia entrou em colisão com a placa Euro-asiática e continua a se deslocar cerca de 7 cm/ano. Esse evento criou a cadeia de montanhas do Himalaia e também fez deslizar o bloco da Indochina, que conduz o arquipélago indonesiano (17 mil ilhas distribuídas ao longo de 5 mil km) para o Sudeste. Como resultado do gigantesco confronto destas duas placas, a Indonésia, extraordinariamente vulcânica, apresenta uma freqüência muito elevada de abalos sísmicos. Em Agosto de 1883, a região sofreu uma das mais importantes explosões vulcânicas da história, quando o vulcão Krakatoa provocou uma forte onda sísmica e causou um tsunami, matando 36 mil pessoas.

Atualmente um movimento de subducção ocorre ao longo da ilha de Sumatra fazendo com que a placa oceânica Indo-australiana penetre por debaixo da placa continental de Sunda com a velocidade de 4 a 5 cm/ano, ou seja, 5 metros em 100 anos. Isso significa que no ponto de contato dessas placas tectônicas, uma energia fenomenal está se acumulando lentamente; quando esses 5 metros se acomodaram em alguns minutos, ocorreu um tremor gigantesco que causou o tsunami assassino. Várias dezenas de tsunamis têm ocorrido nessa região e outros ocorrerão durante os próximos decênios. O movimento de subducção também causou uma mudança horizontal em algumas regiões de Sumatra de 15 a 20 metros em direção ao Sudoeste. A ilha de Simeuleï, situada muito próxima do local onde ocorreu o último sismo, sofreu uma elevação de alguns metros em relação ao nível do mar, logo depois do abalo sísmico. Um fenômeno muito semelhante ocorreu, no Alasca, durante o abalo sísmico de 1964. Nesta ocasião, as ilhas foram elevadas em cerca de 12 metros acima do nível do mar.

Além de criar uma catástrofe natural e humana, o abalo sísmico liberou uma energia equivalente a 23 mil bombas atômicas análogas a de Hiroshima (ou a 475.000 kilotons [475 megatons de TNT]) -, fez vibrar a Terra em seu eixo, pois os terremotos dessa intensidade colocam todo o Planeta em ressonância.

O impulso mecânico gerado foi de tal grandeza que a sua ação no globo terrestre provocou uma série de pequenas oscilações no eixo de rotação da Terra, o que é possível ser observado e determinado por meio astronômico.

Em razão do seu vulcanismo e da sua sismicidade ser muito exagerada, o arquipélago indonesiano e a região vizinha vêm sendo estudados por pesquisadores de diferentes nacionalidades, durante os últimos anos. Entre 1991 e 2001, a União Européia financiou o programa “Geodyssea – Geodinâmica do Sul e do Sudeste Asiá tico”, que tornou possível um estudo do deslocamento dos sítios dessa zona, com o objetivo de avaliar o movimento das suas placas tectônicas, por intermédio do GPS. As pesquisas permitiram estabelecer que esses fenômenos se concentram na Falha de Sumatra, na de Sulawesi e na Grande Falha das Filipinas.

Os estudos de paleossismicidade – ciência destinada a determinar a freqüência e a intensidade sísmica de uma região no passado – foram conduzidos a partir da análise dos sedimentos acumulados em sítios dessa zona. Seus resultados sugerem que essas falhas já se chocaram diversas vezes em intervalos de 50 a 100 anos. Paralelamente a essas pesquisas, uma rede sísmica telemétrica está sendo instalada nas Filipinas. Essas estações permanentes estão ligadas entre si por satélites às cidades de Jacarta e Manilha. No entanto, esses observatórios se ocupam essencialmente dos abalos sísmicos localizados em terra firme e não na crosta submarina.

É conveniente assinalar que os pesquisadores do IPGB (Instituto de Física do Globo de Paris) e do CALTECH (California Institute of Technology), em colaboração com os cientistas indonesianos, programaram a instalação de 25 estações de GPS permanentes sobre as ilhas; 11 já tinham sido colocadas em 2003 e 2004. Os cientistas também procuraram estudar os corais no comprimento de onda dos Raios X, datando-os através do tempo de vida do estrôncio e do urânio. O que lhes permitiu estabelecer a ocorrência de grandes abalos sísmicos na região a cada 200 anos em média. Baseado nesse fato e considerando que um sismo de magnitude 8,9 na Escala Richter ocorreu, no centro de Sumatra, em 1833, e um outro de 8,5, sob a Ilha de Nias, em 1861, e tendo em vista que esses dois eventos provocaram um importante tsunami, esperava-se que algo viesse acontecer, como infelizmente ocorreu.

Na realidade, os grandes arquitetos das nossas paisagens terrestres são as forças acumuladas e desencadeadas pelos sismos que constroem e destroem todos os relevos do nosso Planeta.

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Por Ronaldo Rogério de Freitas Mourão – Astrônomo e escritor
Fonte: Revista Eco 21, ano XV, Nº 98, janeiro/2005.