Estudos da ONG ambientalista Conservação Internacional Brasil (CI-Brasil) indicam que o Cerrado deverá desaparecer até 2030. Dos 204 milhões de ha originais, 57% já foram completamente destruídos e a metade das áreas remanescentes estão bastante alteradas, podendo não mais servir à conservação da biodiversidade. A taxa anual de desmatamento no bioma é alarmante, chegando a 1,5%, ou 3 milhões de ha/ano. As principais pressões sobre o Cerrado são a expansão da fronteira agrícola, as queimadas e o crescimento não planejado das áreas urbanas. A degradação é maior em Mato Grosso do Sul, Goiás e Mato Grosso, no Triângulo Mineiro e no Oeste da Bahia.
O estudo, feito a partir de imagens satélites, é resultado da parceria da CI-Brasil com a ONG Oréades, que tem sede em Mineiros (GO). “O Cerrado perde 2,6 campos de futebol por minuto de sua cobertura vegetal. Essa taxa de desmatamento é dez vezes maior que a da Mata Atlântica, que é de um campo a cada 4 minutos,” explica Ricardo Machado, diretor da CI-Brasil para o Cerrado e um dos autores do estudo. “Muitos líderes e tomadores de decisão defendem, equivocadamente, o desmatamento do Cerrado só porque não é coberto por densas florestas tropicais, como a Mata Atlântica ou a Amazônia. Essa posição ignora o fato de o bioma abrigar a mais rica savana do mundo, com grande biodiversidade, e recursos hídricos valiosos para o Brasil. Nas suas chapadas estão as nascentes dos principais rios das bacias Amazônica, do Prata e do São Francisco.”
Entre os problemas provocados pelo desmatamento no Cerrado estão a degradação de rios importantes como o São Francisco e o Tocantins, e a destruição de hábitat que compromete a sobrevivência de milhares de espécies, muitas delas endêmicas, ou seja, que só ocorrem ali e em nenhum outro lugar do Planeta, como o papagaio-galego (Amazona xanthops) e a raposa-do-campo (Dusicyon vetulus). Junto com a biodiversidade estão desaparecendo ainda as possibilidades de uso sustentável de muitos recursos, como plantas medicinais e espécies frutíferas que são abundantes no Cerrado.
Segundo a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, já foram catalogadas mais de 330 espécies de uso na medicina popular no Cerrado. A Arnica (Lychnophora ericoides), o Barbatimão (Stryphnodendron adstringens), a Sucupira (Bowdichia sp.), o Mentrasto (Ageratum conyzoide) e o Velame (Macrosiphonia velame) são alguns exemplos.
“Além de calcular a velocidade do desmatamento, o estudo da CI-Brasil também mapeou os principais remanescentes desse bioma, analisando a situação de sua cobertura vegetal”, explica Mário Barroso, gerente do programa do Cerrado da Conservação Internacional Brasil e co-autor do estudo. “Esses dados serão incorporados à nossa estratégia de conservação para o bioma, que está baseada na implementação de corredores de biodiversidade.”
Os corredores de biodiversidade evitam o isolamento das áreas protegidas, garantindo o trânsito de espécies por um mosaico de unidades ambientalmente sustentáveis – parques, reservas públicas ou privadas, terras indígenas, além de propriedades rurais que desenvolvem atividades produtivas resguardando áreas naturais. Hoje, a CI-Brasil está implementando seis corredores de biodiversidade em regiões do Cerrado: Emas-Taquari, Araguaia, Paranã, Jalapão, Uruçuí-Mirador e Espinhaço. O IBAMA, a SEMARH – Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado de Goiás, a Universidade de Brasília e ONGs locais estão entre os parceiros da CI-Brasil nesses corredores.
Dados subsidiam ações de conservação
Os dados do desmatamento no Cerrado começam a ser apresentados pela CI-Brasil e seus parceiros a tomadores de decisão dos mais diversos níveis. Em reunião do Conselho Nacional de Biodiversidade – CONABIO, no início de Julho, o estudo foi apresentado ao Secretário de Biodiversidade e Florestas, João Paulo Capobianco. Depois da apresentação, o Secretário declarou que o Ministério do Meio Ambiente criará um grupo específico para discussão de medidas emergenciais para o Cerrado, como foi feito para a Amazônia e a Mata Atlântica.
No Estado de Goiás, que possui muitos remanescentes nativos valiosos de Cerrado, a apresentação do estado de conservação do Vale no Paranã ao Conselho Estadual do Meio Ambiente resultou na criação de Câmara Técnica temporária que discutirá e proporá ações de controle sobre o desmatamento na área. O Vale do Paranã, localizado na divisa dos Estados de Goiás e Tocantins, é considerado um centro de endemismo de aves, tem a maior concentração no Cerrado de um tipo de formação vegetal conhecido como floresta seca, e é remanescente de um corredor natural que ligava a Caatinga ao Chaco paraguaio há cerca de 20 mil anos. O trabalho da CI-Brasil na área é feito em parceria com a Embrapa Recursos Genéticos, a Universidade de Brasília e as organizações não-governamentais Pequi e Funatura.
No Corredor de Biodiversidade Emas-Taquari, que compreende áreas no Sudoeste de Goiás, Sudeste de Mato Grosso e Centro-Norte de Mato Grosso do Sul, os dados de desmatamento estão sendo compartilhados com as prefeituras municipais de 17 municípios. Com o Projeto Municípios do Corredor de Biodiversidade, a CI-Brasil em parceria com as ONGs Oréades e Oikos está fortalecendo órgãos de meio ambiente municipais e estudais em cada cidade.
Técnicos e gestores foram capacitados para o levantamento local de dados, confecção de mapas e aplicação da legislação ambiental. O projeto inclui ainda a criação de núcleos de educação ambiental e o envolvimento de outros atores locais, como lideranças comunitárias e promotores públicos.
“Para frear a destruição do Cerrado, os investimentos do Governo Federal na próxima safra agrícola devem incluir ações de conservação, especialmente na proteção de mananciais hídricos, na recuperação de áreas degradadas e na manutenção de unidades de conservação”, defende Machado. “Se o Governo, as empresas e a sociedade civil se mobilizarem para a criação de um fundo para a conservação do Cerrado associado aos investimentos destinados à produção de grãos, aí sim estaremos implementando, de forma justa e efetiva, a transversalidade da política ambiental no Brasil”.
Revista Eco 21, Ano XIV, Edição 92, Julho 2004. (www.eco21.com.br) –
Andrea Margit Jornalista