Manejo Sustentável das Pastagens Nativas do Pantanal: produzir mais sem afetar o meio ambiente

A medida que a população humana cresce e se expande, o espaço torna-se limitante, aumentando os conflitos entre o homem e o uso da terra. Há um consenso geral sobre a necessidade de se aumentar a produção de alimentos de alta qualidade, para atender a existência de um mercado globalizado. No final do século passado, notou-se também que as exigências do mercado mundial, estão voltadas para o consumo de alimentos produzidos de forma orgânica. Considerando que grande parte das modernas tecnologias dependem cada vez mais do uso de substâncias químicas, um dos principais desafios que o homem enfrenta atualmente é desenvolver tecnologias para a produção orgânica. A pecuária orgânica preocupa-se principalmente com o bem estar do animal e do homem, com base na compreensão dos processos naturais, levando-se em consideração a relação solo-planta-animal e outros componentes do meio ambiente. Estas tecnologias, por sua vez, vem ao encontro das técnicas de manejo sustentável.

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O manejo sustentável de áreas naturais e ricas em biodiversidade, como o Pantanal Mato-Grossense é uma necessidade premente. O Pantanal instituido recentemente como ‘Reserva da Biosfera’, é uma planície periodicamente inundável, caracterizada pela presença de extensas áreas de campos naturais, favorecendo a atividade pastoril, razão pela qual, a região tem sua economia voltada principalmente para a exploração extensiva da pecuária de corte. O Pantanal é formado por grandes propriedades privadas, cujo manejo tradicional da pecuária extensiva por cerca de 200 anos tem contribuído para a conservação dessa região única no mundo. Os índices zootécnicos tradicionais ainda são relativamente baixos, mas podem ser melhorados através da implantação e adaptação de determinadas tecnologias, algumas das quais já desenvolvidas para a região. Diversas tecnologias já vem sendo introduzidas na região, porém, algumas sem critérios adequados e sem conhecimentos sobre o impacto produtivo e no ambiente. Esta preocupação, aliada a degradação ambiental e às características vocacionais do Pantanal, demandam tecnologias menos agressivas ao ambiente e compatíveis com a pecuária de corte orgânica, tais como manejo sustentável das pastagens nativas.

O Pantanal é constituído por várias fitofisionomias (unidades de paisagem) que compõem um conjunto de hábitats. Dentro deste conjunto de hábitats, existem vários tipos que embora de tamanho reduzido, constituem ambientes chaves para a manutenção biológica do sistema, tais como capões, cordilheiras, campo cerrado, campo limpo, baixadas, entre outras (Fig.1).

A importância de cada ambiente depende do enfoque considerado. Os capões e cordilheiras (áreas pouco ou não alagáveis) são hábitats chaves, com flora e fauna específicas, que tem a função de refúgio e sítios de nidificação de numerosas espécies. Além do mais, estas áreas constituem recursos cênicos, importante para o ecoturismo e possuem um banco de germoplasma forrageiro ainda pouco estudado.

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Fig.1 – Vista aérea da sub-região da Nhecolândia, em época de seca, onde pode ser observado as diferentes fitofisionomias.

Na região ocorre uma sucessão espacial de lagoas, campos e formações arbóreas, combinadas em mosaico. A flora do Pantanal possui cerca de 1800 espécies forrageiras, mas poucas tem participação expressiva na dieta dos bovinos. Estudos mostraram que numa invernada, aproximadamente 3% das espécies participam de cerca de 70% do peso seco da dieta dos bovinos. Porém, a composição botânica e a qualidade da dieta dos bovinos sofre influência de época e ano, dependente principalmente da precipitação, que causa maior ou menor presença de água nas unidades de paisagem mais baixas (vazantes, beira de rios, borda de lagoas, etc.), onde ocorrem as espécies hidrófilas, geralmente de melhor qualidade e preferidas por bovinos.

A variabilidade espacial e temporal das fitofisionomias do Pantanal dificulta a adoção de um plano de manejo único para a região. Esta variabilidade é uma das principais restrições/desafios para manejo sustentável, especialmente das pastagens. Em um sistema biológico complexo como este, as estratégias de manejo devem ser flexíveis e definidas levando em consideração a heterogeneidade ambiente (tipo de fitofisionomias existentes em cada invernada, vocação estacional de cada fitofisionomia) e a dinamicidade do sistema, que envolvem transições causadas por eventos naturais e de manejo). Espécies, comunidades e fitofisionomias são espacialmente e temporalmente dinâmicas e podem diminuir ou aumentar em abundância dependendo das flutuações ambientais, especialmente nível de inundação associadas com as ações de manejo.

Para manejar ecossistemas de pastagens naturais, a sustentabilidade e produtividade dependerá de nossa habilidade em detectar alterações e implementar respostas de manejo a escalas espaciais relevantes. O planejamento ideal deve colocar muita ênfase sobre previsão e predição de eventos e o que define o sucesso ou falha deste planejamento é a habilidade de desenvolver estratégias de respostas para estes eventos. Dependendo da localização da propriedade e das condições climáticas do ano hidrológico/ano pecuário, diferentes estratégias de manejo devem ser tomadas. Por exemplo, em uma propriedade localizada na sub-região da Nhecolândia onde a ocorrência de inundação de origem pluvial depende da intensidade e duração da precipitação e quando ocorre é geralmente parcial, três principais situações podem ocorrer.

1. Num ano ‘normal’, que apresenta distribuição regular de chuvas (próxima da normal climatológica) e não ocorre inundação parcial da área (Fig.2), os animais tem a oportunidade de selecionar as áreas de baixadas, especialmente no período crítico (maio a agosto), com o abaixamento das águas. Nas baixadas, as forrageiras consumidas apresentam neste período, teores médios de proteína bruta (cerca de 10%) próximos às exigências das vacas em reprodução, elevando a taxa de natalidade (produtividade). Nesta situação, somente o uso de uma taxa de lotação adequada aliada com técnicas de manejo apropriadas para a região é suficiente para os animais selecionarem uma dieta adequada, sem necessidade de suplementação alimentar energética/protéica.

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Fig.2. Vista aérea da sub-região da Nhecolândia, durante ano normal, no qual ocorreu distribuição normal das chuvas

2. Num ano ‘atípico’, onde ocorre inundação extrema da área (Fig.3), que no caso da fazenda estudada, esta ocorre parcialmente, as áreas de baixadas ficarão mais tempo submersas no período crítico, impossibilitando que os animais usem estas áreas para pastejo. Neste caso, mesmo com o uso de uma taxa de lotação leve, os animais não conseguirão obter os requerimentos para a reprodução, pois as áreas de acesso como campo limpo e caronal apresentam forrageiras que fornecem no máximo 7% de proteína bruta, abaixo das reais necessidades. Nestes casos, os animais precisam receber algum tipo de suplementação alimentar durante o período crítico (maio a agosto), de modo que eles consigam manter uma condição corporal ao redor do escore cinco no final da prenhez e durante a estação de monta/lactação.

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Fig.3 – Vista aérea parcial da sub-região da Nhecolândia, durante ano “atípico”, no qual ocorreu inundação extrema da área.

3. Num ano atípico, onde ocorre seca extrema da área, as áreas de baixadas ficarão mais tempo disponíveis, sendo intensamente usadas para pastejo, o que pode causar impactos negativos. Nesses anos, o maior problema é a falta de água, pois as baías em geral secam (Fig.4).

De forma geral, seria necessário caracterizar as propriedades em função dos diferentes tipos fitofisionômicos e a ocorrência/intensidade de inundação/seca, pois estes são os fatores mais importantes a serem considerados quando da tomada de decisões para a conservação, uso e ocupação da área, especialmente em relação a produção orgânica de bovinos. Além do mais, a complexidade do sistema requer que haja indicadores/grupo de indicadores específicos para avaliar a sustentabilidade dos diferentes ecossistemas da região. Nesse caso, estudos de média a longa duração estão sendo realizados com o objetivo de desenvolver metodologias de avaliação e monitoramento da sustentabilidade e definir medidas de manejo adaptativo para sistemas convencionais e orgânicos, com base em indicadores ambientais, econômicos, sociais e de bem estar animal.

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Fig.4 – Baía seca na sub-região da Nhecolândia, durante ano “atípico”, no qual ocorreu seca extrema.

Sandra Aparecida Santos é pesquisadora da Embrapa Pantanal (sasantos@cpap.embrapa.br) e Ciniro Costa é da FMVZ-UNESP, Botucatu.