Sistemas Agroflorestais: aspectos ambientais e sócio-econômicos

Introdução

Com o recente reconhecimento e a conscientização da importância dos valores ambientais, econômicos e sociais das florestas, pode-se perceber, no cenário mundial, fortes tendências para mudanças significativas na forma de uso da terra, com a utilização de sistemas produtivos sustentáveis que considerem, além da produtividade biológica, os aspectos sócio-econômicos e ambientais. Diante desse fato, e dado ao caráter de múltiplo propósito das árvores, os Sistemas Agroflorestais (SAFs) constituem-se em alternativas sustentáveis para aumentar os níveis de produção agrícola, animal e florestal.

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Os SAFs referem-se a uma ampla variedade de formas de uso da terra, onde árvores e arbustos são cultivados de forma interativa com cultivos agrícolas, pastagens e/ou animais, visando a múltiplos propósitos, constituindo-se numa opção viável de manejo sustentado da terra. Esses sistemas são classificados de acordo com a natureza e arranjo de seus componentes, podendo ser assim denominados: Silviagrícolas, aqueles constituídos de árvores e/ou de arbustos com culturas agrícolas; Silvipastoris, cultivos de árvores e/ou de arbustos com pastagens e/ou animais; e Agrossilvipastoris, cultivo de árvores e/ou arbustos com culturas agrícolas, pastagens e/ou animais (Medrado, 2000).

O objetivo desses sistemas é a criação de diferentes estratos vegetais, procurando imitar um bosque natural, onde as árvores e/ou os arbustos, pela influência que exercem no processo de ciclagem de nutrientes e no aproveitamento da energia solar, são considerados os elementos estruturais básicos e a chave para a estabilidade do sistema. No Brasil, diagnósticos regionais e resultados de pesquisas demonstram que os SAFs são de grande aplicabilidade em áreas com atividades agrícola e pecuária. Vários autores têm postulado que os SAFs respondem em parte a problemas de desmatamento e degradação de diferentes ecossistemas (Montoya, 2000; Ribaski & Montoya, 2000 & Sánchez, 2000). Por meio deles é realizado um melhor aproveitamento dos diferentes estratos da vegetação obtendo-se com isso, melhor diversificação da produção, do uso da terra, da mão-de-obra, da renda e da produção de serviços ambientais. Os SAFs também apresentam-se como eficientes reservatórios de gás carbônico (CO2) e constituem-se em fonte renovável de energia, além de prestarem-se à recuperação de solos marginais e/ou degradados.

Benefícios dos SAFs Para as Condições Ambientais

Entre os benefícios ambientais dos SAFs, destacam-se o melhor controle de temperatura, da umidade relativa do ar e da umidade do solo. Esses elementos climáticos alteram-se bastante em condições de áreas abertas, sem árvores. Nos SAFs, a presença do componente arbóreo contribui para regular a temperatura do ar, reduzindo sua variação ao longo do dia e, conseqüentemente, tornando o ambiente mais estável, o que traz benefícios às plantas e aos animais componentes desses sistemas.

Porfírio da Silva et al. (1998), constataram que a presença da espécie arbórea Grevillea robusta, em pastagens da região noroeste do Paraná, teve influência sobre algumas variáveis microclimáticas como a temperatura e a umidade do ar e, por conseguinte, no déficit de pressão de vapor d’água. Segundo os autores, as quedas de temperatura impostas pela sombra das árvores refletem em rápidas diminuições de pressão de vapor d’água, o que traz conseqüências positivas ao desenvolvimento da pastagem, favorecendo seu crescimento pelo aumento da sua transpiração. O microclima existente debaixo da copa das árvores beneficia os animais domésticos, mantendo-os confortáveis à sombra, ao contrário da exposição à insolação direta ou às baixas temperaturas do inverno (Montoya & Baggio, 1992). Esse é um aspecto importante, pois os bovinos tendem a pastejar preferencialmente nas horas mais frescas do dia e, certamente, em não havendo o componente arbóreo como agente regulador de temperatura, o consumo da pastagem torna-se limitado, tanto por razões de desequilíbrio do balanço térmico quanto por restrições do horário de pastejo.

Outra alteração causada pela presença das árvores nos SAFs, diz respeito à temperatura do solo que, normalmente, é menor no interior da floresta. Isto evidencia a importância do estrato herbáceo e da serapilheira como agentes reguladores das condições térmicas no solo da floresta. O principal efeito do sombreamento, proporcionado pelas árvores, é sobre as temperaturas extremas da superfície do solo, as quais diminuem significativamente. A modificação do microclima, na presença do componente arbóreo, repercute sobre o balanço hídrico do solo, contribuindo para a elevação da umidade disponível para as plantas sob a copa das árvores (Ovalle & Avendaño, 1994). Maiores teores de umidade nos solos debaixo de coberturas florestais, também foram observados por Bhojvaid & Timmer (1998), o que foi atribuído à redução da radiação que chega ao solo, que influi significativamente na taxa de evaporação de água, concorrendo para a manutenção da sua umidade.

O maior teor de umidade no solo favorece a atividade microbiana, resultando em aceleração da decomposição da matéria orgânica e possibilitando o aumento da sua mineralização. Hang et al. (1995) avaliando um sistema silvipastoril, no semi-árido argentino, constataram que durante um ano seco, uma única chuva induziu aumento marcante na mineralização de nutrientes, destacando que nesse processo o nitrogênio correlacionou-se significativamente com a umidade no solo.

Com relação aos ventos, sabe-se que, tanto as culturas agrícolas, quanto as pastagens podem ter seu crescimento comprometido devido a danos físicos causados pela agitação mecânica. Submetidas a ventos fortes, as folhas batem-se umas nas outras, dobram-se e, com freqüência, são rotacionadas sobre o eixo longitudinal de suas hastes. Esses movimentos, em geral, produzem quebras permanentes, murchamento, dessecação, cloroses e necroses nas pontas das folhas. A atenuação da velocidade do vento, obtida pela presença organizada de árvores como quebra-ventos, pode resultar em incremento do rendimento das culturas agrícolas e das pastagens devido a: economia de água – resultante da menor evaporação do solo e das plantas; menor oscilação das temperaturas diurnas e noturnas, o que evita choques térmicos; redução dos riscos de danos físicos nas folhas; e otimização do suprimento de CO2.

Benefícios dos SAFs na Fertilidade do Solo

As espécies arbóreas melhoram os solos por numerosos processos, principalmente quando são usadas em SAFs, onde as espécies são cultivadas na mesma área. As árvores influenciam na quantidade e na disponibilidade de nutrientes dentro da zona de atuação do sistema radicular das culturas associadas, através do acréscimo de nitrogênio pela fixação biológica de N2, da recuperação de nutrientes abaixo do sistema radicular das culturas agrícolas e/ou pastagens, da redução das perdas de nutrientes por processos como lixiviação e erosão e do aumento da disponibilidade de nutrientes pela sua maior liberação na matéria orgânica do solo. As raízes profundas das árvores podem interceptar os nutrientes que foram lixiviados das camadas superficiais e se acumularam no subsolo, geralmente fora do alcance do sistema radicular das culturas agrícolas e/ou pastagens, e retorná-los à superfície na forma de serapilheira. Pesquisas na parte ocidental do Quênia, na África, mostraram que árvores de crescimento rápido como Calliandra calothyrsus, Sesbania sesban e Eucalyptus grandis, com alta exigência em nitrogênio, retiraram nitrato do subsolo, que estava acumulado sob o sistema radicular de culturas agrícolas anuais (Buresh & Tian, 1997). Também na África, árvores dispersas, particularmente em regiões semi-áridas, são reconhecidas e difundidas como ilhas de solos melhorados (Rhoades, 1997). A espécie Faidherbia albida é conhecida pelo seu “efeito albida”, que se refere ao maior crescimento/rendimento das culturas ou plantas herbáceas debaixo da copa das árvores quando comparado ao crescimento/rendimento dessas plantas em campo aberto (Buresh & Tian, 1997). Numerosos estudos mostram que a quantidade de matéria orgânica (M.O.) é mais alta na camada superficial dos solos debaixo de árvores do que em áreas abertas (Buresh & Tian, 1997; Kang, 1997; Rao et al., 1997; Bhojvaid & Timmer, 1998 e Ribaski, 2000). Por exemplo, num sistema agroflorestal com Leucaena leucocephala, Kang (1997) faz referência à obtenção de 12,3 g/kg de carbono (C) debaixo das copas das árvores e 9,4 g/kg entre as fileiras, em comparação com 5,9 g/kg de C nas parcelas sem árvores.

As árvores também podem contribuir para o processo de restabelecimento da fauna do solo, fator importante para a decomposição de resíduos de plantas. A decomposição de M.O. é amplamente controlada pela biota do solo, particularmente a macrofauna (Tian et al., 1992). Esses microorganismos são importantes para disponibilizar os nutrientes nos sistemas de baixo “input”, onde as culturas, em grande parte, dependem de nutrientes liberados de materiais orgânicos ao invés de fertilizantes inorgânicos. Na Índia, estudos realizados para determinar os efeitos das árvores (Prosopis juliflora) de 5, 7 e 30 anos de idade, sobre as propriedades físicas, químicas e biológicas do solo, mostraram que o crescimento das árvores alterou o microclima e a umidade do solo, e aumentou a concentração de M.O. e os teores dos nutrientes potássio (K), cálcio (Ca) e magnésio (Mg) trocáveis, melhorando a fertilidade do solo (Bhojvaid & Timmer, 1998).

Nas áreas cultivadas do planeta, depois da água, o nitrogênio (N) é o nutriente mais limitante do crescimento e da produção das plantas. Normalmente são adicionados aos solos fertilizantes nitrogenados visando a melhoria da produtividade dos cultivos. Entretanto, nos países do terceiro mundo, essa prática de manejo, eficaz e proveitosa, está limitada a poucos cultivos, pois raramente o pequeno produtor utiliza esse insumo agrícola de alto custo nas culturas de subsistência.

Algumas árvores usadas em SAFs, principalmente as leguminosas, têm potencial para fornecer nitrogênio em quantidades suficientes para aumentar a produção das culturas associadas. A Sesbania sesban é capaz de substituir a aplicação de fertilizantes nitrogenados para se obter rendimentos de milho de aproximadamente 4 t/ha (Sanchez & Palm 1996). Na associação do cultivo de feijão e milho com bracatinga (Mimosa scabrella), Carpanezzi & Carpanezzi (1992) constataram que a espécie florestal fornece ao solo quantidades consideráveis de N, K, Ca, Mg e fósforo (P). Admitindo-se que 75% do nitrogênio total, oriundo da biomassa decídua, seja assimilável em relação ao nitrogênio fornecido pela adubação mineral, a bracatinga seria capaz de complementar a aplicação do fertilizante químico na ordem de 49 kg/ha.

Os “inputs” orgânicos também têm importante vantagem sobre os fertilizantes inorgânicos, com relação ao efeito residual e à sustentabilidade. Grande parte do nitrogênio que existe na cobertura morta e que não é aproveitado pelas culturas, fica incorporado de forma ativa ou pouco ativa dentro da matéria orgânica do solo, enquanto que parte considerável do nitrogênio proveniente dos fertilizantes químicos, não aproveitado pelas culturas, fica sujeito a perdas por lixiviação e por desnitrificação.

Nos SAFs, a sombra produzida pelas árvores é um dos fatores responsáveis pelo aumento da disponibilidade de nitrogênio no solo, pois evidências mostram que a taxa de mineralização é estimulada pelo sombreamento. De acordo com Wilson (1990), a melhoria do ambiente do solo sob a copa das árvores, possibilita atividade microbiana mais efetiva na decomposição da matéria orgânica, o que resulta numa maior liberação do nitrogênio mineralizado. Esta influência é particularmente importante na agricultura onde o nível de nitrogênio do solo constitui em limitação ao desenvolvimento das culturas agrícolas ou pastagens.

Benefícios dos SAFs sobre os Cultivos Associados

A presença do componente arbóreo nos SAFs pode influir de maneira diferente no desenvolvimento do estrato vegetal herbáceo, pois suas raízes competem com as raízes das plantas herbáceas e a sua copa intercepta a luz necessária para a fotossíntese. Assim, o crescimento das culturas em associação com espécies arbóreas pode ser prejudicado ou favorecido, dependendo de fatores como o grau de sombreamento proporcionado pelas árvores, a competição entre as plantas, com relação à água e nutrientes no solo, e a tolerância das espécies à sombra. A tolerância ao sombreamento, condição essencial em associações entre culturas agrícolas e pastagens com árvores, pode variar sensivelmente entre espécies. Por exemplo, muitas gramíneas crescem melhor debaixo da sombra da copa das árvores e produzem maior quantidade de forragem, além de possuírem melhor qualidade nutritiva (menor conteúdo de fibra e maior conteúdo de proteína bruta) quando comparadas às que crescem a pleno sol.

No cerrado brasileiro, Carvalho et al. (1997) observaram que a produção de matéria seca de seis gramíneas forrageiras estabelecidas em sub-bosque de angico-vermelho (Anadenanthera macrocarpa) foi afetada de modo diferente pelas condições ambientais prevalecentes, advindas da competição com a espécie arbórea. Na Costa Rica, Bustamante et al. (1998), ao avaliar oito espécies de gramíneas em monocultura e associadas à Erythrina poeppigiana, também constataram que a tolerância das gramíneas forrageiras à sombra foi bastante variável. Entretanto, a maioria delas foi beneficiada pela presença da leguminosa arbórea, produzindo mais biomassa por hectare que quando cultivada pura.

Acredita-se que os SAFs promovam ciclagem de nutrientes mais eficiente do que aquela que ocorre nas lavouras e pastagens tradicionais sem árvores. Essa hipótese é baseada parcialmente em estudos realizados em ecossistemas de florestas naturais e na suposição de que as árvores nos SAFs transferirão de forma semelhante os nutrientes para as culturas associadas. De acordo com Botero & Russo (1998), a ciclagem de nutrientes minerais, em termos de sustentabilidade, é maior nos sistemas silvipastoris que nas pastagens tradicionais sem árvores. No Vale do Cauca, na Colômbia, as análises dos teores de nutrientes nas fezes de vacas lactantes, que pastejavam num sistema silvipastoril com Pithecellobium dulce associado às forrageiras Brachiaria decumbens e Centrosema ocutifolium, foram comparadas com os teores dos mesmos elementos encontrados nas fezes dos animais que pastejavam Brachiaria decumbens pura. Os resultados mostraram superioridade no sistema silvipastoril, em termos de concentração dos elementos na matéria seca, para todos os nutrientes analisados nas fezes.

O aumento da concentração de nitrogênio em plantas cultivadas sob intensidade luminosa reduzida, de forma artificial ou na presença de um componente arbóreo, ocorre com bastante freqüência (Wilson, 1990; Carvalho et al., 1997; Ramírez, 1997 e Ribaski, 2000) e pode ser considerado como um dos fatores responsáveis pela melhoria da qualidade da pastagem, o que favorece a produção animal. Alpízar (1985), na Costa Rica, ao realizar avaliações de reservas orgânicas e minerais de uma pastagem de Cynodon plectostachyus em condições de monocultivo e associadas à E. poeppigiana e Cordia alliodora, concluiu que os pastos sombreados pelas árvores apresentaram melhor qualidade nutritiva, uma vez que os percentuais de nitrogênio encontrados na forragem debaixo de E. poeppigiana e C. alliodora foram considerados adequados para suprir as necessidades nutritivas de bovinos; o mesmo não ocorreu com os teores de nitrogênio presentes na pastagem sem árvores.

Na exploração de plantas forrageiras, um dos aspectos mais importantes a ser considerado é o valor nutritivo, o qual é definido em função da composição química e da digestibilidade da forragem produzida. A associação de pastagens com árvores pode trazer benefícios em termos de disponibilidade e de valor nutritivo da forragem, tendo em vista a característica apresentada por diversas espécies arbóreas em adicionar nutrientes ao ecossistema, principalmente em se tratando de leguminosas arbóreas fixadoras de nitrogênio (Alpízar, 1985). Ramírez (1997) concluiu que a inclusão das leguminosas arbóreas Prosopis juliflora e L. leucocephala em pastagens de C. plectostachyus teve um efeito positivo sobre a composição química do solo, com respeito ao N, C, P, Ca, Mg e K, devido a maior aporte de matéria orgânica no solo e, consequentemente, maior ciclagem de nutrientes. Esses fatores aumentaram a produção e a qualidade nutritiva de forragem da gramínea, além de possibilitar maior disponibilidade de material forrageiro total consumível no sistema.

Diversas espécies de gramíneas, ao se desenvolverem debaixo da copa das árvores, apresentam maior concentração de proteína bruta (PB), quando comparadas àquelas que crescem em plena exposição solar (Botero & Russo, 1998; Hernández et al., 1998 e Ribaski, 2000). O processo de amadurecimento fisiológico da pastagem implica em redução de sua qualidade, principalmente pela diminuição dos teores de PB e aumento da concentração de fibras. A baixa concentração de proteína na dieta resulta em baixa digestibilidade de suas fibras. Dessa forma, as árvores, ao promoverem o sombreamento das pastagens, reduzem os extremos microclimáticos, proporcionando elevação do conteúdo protéico e favorecendo a digestibilidade da forragem obtida. Entretanto, na literatura existem resultados bastante conflitantes com relação à influência da intensidade luminosa sobre a digestibilidade. De acordo com Samarakoon et al. (1990), o efeito do sombreamento na digestibilidade “in vitro” pode ser positivo, negativo ou nulo, dependendo do balanço das alterações nos demais componentes dos tecidos vegetais. Assim sendo, não é possível generalizar nem prever a extensão em que a digestibilidade de uma determinada espécie será alterada quando cultivada à sombra.

Os SAFs na Recuperação de Áreas Degradadas

O tema recuperação de áreas degradadas tem sido objeto de numerosos estudos, constituindo-se numa linha de pesquisa prioritária, em razão do grau avançado de perturbação que atinge, tanto grandes áreas de proteção ambiental como do setor agrícola e industrial, com o uso de tecnologia moderna. Pesquisas sobre a recuperação de áreas degradadas, inicialmente davam ênfase a trabalhos de revegetação, baseados na intervenção no ambiente (substrato, vegetação, fauna, etc.), corrigindo ou acrescentando o cenário anterior à degradação. Visavam ao estabelecimento de um “tape verde” (efeito paisagismo) com espécies agressivas e de rápido crescimento. Atualmente, outra estratégia na recuperação é baseada no principio da sucessão ecológica que consiste na implantação de espécies pioneiras, iniciais e tardias até chegar ao clímax; é a mudança temporal da composição em espécies e da estrutura de comunidades em uma área. É o processo que ocorre mediante a substituição de espécies em relação as suas adaptações ao substrato, à irradiação luminosa e à competitividade, culminando em sistemas mais estruturados, diversos e complexos que os iniciais (Poggiani, 1990; Maschio et al., 1992; Curcio et al., 1998).

O uso dos SAFs na recuperação de áreas degradadas vem sendo objeto de numerosos estudos (Budowski,1981; Nair, 1987). Hoje os SAFs não apenas encerram a idéia de recuperação de áreas degradadas (restauração ecológica), mas carregam uma abordagem holística, envolvendo aspectos sociais, econômicos e ambientais. O potencial dos SAFs para a recuperação, conservação e aumento da fertilidade do solo está baseado na acumulação de dados técnico-científicos que mostram que as árvores e outros tipos de vegetação, quando associadas com outros componentes, cultivos agrícolas ou pastagens, exercem influência positiva sobre a base do recurso da qual o sistema depende (Budowski, 1981, Wiersum, 1986; Szott et al., 1991, Ribaski, 2000). Desse modo, as práticas agroflorestais podem ser aplicadas de diversas formas na recuperação de solos degradados. Baggio (1992) e Carpanezzi (1998) mencionam que a chave para o sucesso de um SAF está na escolha da espécie arbórea, dos componentes do sistema e do regime de manejo. A seguir são apresentadas algumas formas de degradação dos solos e os principais benefícios das práticas agroflorestais na recuperação de áreas degradadas:

  • áreas desmatadas e degradadas pela derrubada e queima de árvores, que favorecem a emissão de gases como o CO2, a exposição do solo diretamente à chuva, o que provocando erosão e assoreamento dos rios, desequilíbrios na flora e fauna, com conseqüente empobrecimento biológico. Essas áreas podem ser melhoradas e/ou recuperadas pela aplicação de práticas agroflorestais como o sistema taungya, cultivos seqüenciais, pousio melhorado, árvores multiestrato, espécies de uso múltiplo, entre outros.
  • áreas erodidas pela água de chuvas, acarretando perdas de solo, reduzindo sua capacidade para armazenar nutrientes e água, provocando alto índice de escorrimento de solo e compactação do solo. Essas áreas degradadas podem ser recuperadas pela utilização de práticas agroflorestais como barreiras vivas, formação lenta de terraços para uso agrícola, estabilização de voçorocas, cultivos em renques, árvores em contorno e árvores sobre curvas de nível, entre outras.
  • áreas de baixa fertilidade e mal drenadas que, geralmente, provocam perdas de matéria orgânica e de nutrientes, principalmente de nitratos, e impedimentos físicos ao desenvolvimento de raízes, com crescimento reduzido de árvores e de deficiência de nutrientes nos cultivos anuais. Podem ser recuperadas com práticas agroflorestais como cultivos em renques, cultivos em faixas, folhagem florestal como fonte de adubo, árvores em torno de cultivos agrícolas e de pastagens, entre outros.
  • áreas secas (áridas) com solos com camadas duras, apresentando dificuldade de armazenar água e nutrientes; altas temperaturas afetando a evapotranspiração e o lençol freático. Podem ser recuperadas com a utilização de práticas agroflorestais como barreiras vivas, quebra-ventos, cercas vivas, árvores em torno de cultivos e pastagens, entre outros.
  • áreas de encostas (declividade acentuada); geralmente são áreas desprovidas de florestas, com alto índice de erosão e com dificuldade na formação de uma cobertura permanente do solo. Podem ser recuperadas pela utilização de práticas agroflorestais como fileira de árvores sobre terraços, cultivo em faixas e barreiras vivas.
  • áreas de pousio e/ou áreas marginais, de pouco valor ecológico e econômico. Podem ser recuperadas por práticas agroflorestais como pousio melhorado e árvores em multiestratos.
  • áreas de pastagens degradadas com cobertura vegetal deficiente, expondo o solo aos efeitos prejudiciais da erosão hídrica e eólica. Podem ser recuperadas por práticas agroflorestais como arborização de pastagens e bancos forrageiros, entre outros.

Sistemas Agroflorestais e os Impactos Sócio-econômicos

A atividade florestal brasileira representa 2,2% do produto interno bruto (PIB), verificando-se exportações da ordem de 3,3 e 3,5 bilhões de dólares nos anos de 1997 e 1999, respectivamente, com uma participação equivalente a 7,0% das exportações brasileiras, superadas apenas pela soja. Essa atividade é de significativa importância social, pois assegura a manutenção de 700 mil empregos diretos e 2 milhões de empregos indiretos (SBS, 1998), onde não existe sazonalidade na utilização de mão-de-obra, pois as demandas caracterizadas pelas diferentes atividades inerentes ao setor florestal são contínuas ao longo do tempo. De acordo com dados da SBS (1998), a demanda anual de madeira no Brasil é estimada em 350 milhões de metros cúbicos, sendo que a produção de florestas plantadas, principalmente, com espécies dos gêneros Eucalyptus e Pinus, não atinge a metade dessa necessidade. Há, portanto, um déficit significativo de madeira que vem sendo suprido através do corte de florestas naturais. Além da utilização da madeira para fins diversos, destaca-se também a crescente demanda por produtos não madeiráveis, como resinas, látex, produtos alimentícios, taninos, matéria prima para a industria farmacêutica e plantas medicinais.

Essa mesma tendência se observa também em nível mundial, onde cresce sensivelmente a demanda por produtos de base florestal. Assim, a introdução de árvores nas propriedades rurais, através das diferentes modalidades agroflorestais, representa importante papel na sustentabilidade dos diferentes ecossistemas brasileiros. Práticas florestais convencionais ainda não são atrativas para médios e pequenos produtores por problemas de fluxo de caixa e longos períodos de investimento. Contudo, esse comportamento vem mudando pela utilização de SAFs, que permite a diversificação de produtos florestais e agrícolas na mesma unidade de área, e geração de renda e de empregos. Os benefícios de produção, sócio-econômicos e ambientais manifestam-se a médio e longo prazo. Rodigheri (1997) e Montoya (1999) demonstraram que, quando cultivos agrícolas são introduzidos simultaneamente e/ou seqüencialmente nas entrelinhas de espécies florestais, além do aproveitamento da aplicação de fertilizantes nas espécies, tais cultivos contribuem para a amortização do custo de implantação florestal, logo nos primeiros anos.

Montoya & Baggio (1992) constataram que, quando introduz-se o componente arbóreo em áreas de pecuária, o custo de implantação das árvores inicialmente pode reduzir a renda da propriedade. Entretanto, essa redução pode ser, em parte, compensada pela receita obtida pelo ganho de peso do gado, ou pelo aumento da produção de leite beneficiado pelo sombreamento. Percebe-se, também, que as propriedades rurais não estão aproveitando seu potencial de transformação da matéria-prima florestal e agroflorestal em bens mais elaborados, deixando de agregar valor dentro da cadeia produtiva florestal e agroflorestal. Como exemplo de matéria-prima florestal, o produtor vende uma árvore em pé (toras de pinus) ao preço reduzido de 2,4 dólares o metro cúbico. Se o produtor ao invés de vender as toras em pé beneficiar a madeira, serrando-a e secando-a, aumentará seu valor agregado, pois a madeira serrada de pinus vale 87 dólares o metro cúbico, ou seja um valor 36 vezes mais alto.

Da mesma forma, os produtos agroflorestais têm valor agregado, a partir do processamento da produção. Contudo, essa agregação de valor só vai acontecer na medida em que o produtor se especializar numa boa condução, com desbastes e podas planejadas, no processo do beneficiamento da madeira e de outros produtos agroflorestais. Isso pode ser feito através da organização de pequenas e médias serrarias, marcenarias, ou pela participação em um empreendimento de maior porte, através de associações de produtores. Assim, além de ser uma alternativa para o aproveitamento de áreas marginalizadas ou de menor valor da propriedade, a atividade agroflorestal torna-se uma forma de diversificação da renda e uma nova alternativa para o uso da mão-de-obra, pela flexibilidade do calendário das operações culturais. No contexto regional, a importância econômica e social é inquestionável na medida em que a cadeia agroflorestal pode vir a ser uma forma de dinamizar a região em um novo eixo de desenvolvimento com maior participação de produtores rurais, de empresários do setor urbano e da população economicamente ativa, que não encontra ocupação dentro da própria região.

Considerações Finais

A utilização de áreas com vegetação florestal para agricultura ou pecuária tem resultado quase sempre em um acentuado processo de erosão hídrica ou eólica e, conseqüentemente, na degradação do solo, contaminação e assoreamento dos aqüíferos, na redução da flora e fauna, em alterações de microclimas e de ciclos biogeoquímicos (ciclo do carbono, da água, do nitrogênio), além de implicar na supressão de áreas produtoras de alimento. A utilização de SAFs é uma opção viável que concorre para melhor utilização do solo, para reverter os processos de degradação dos recursos produtivos, para aumentar a disponibilidade de madeira, de alimentos e de “serviços ambientais” (conservação dos solos, controle dos ventos, redução na contaminação da água e do ar, recuperação de áreas degradadas, entre outros). Adicionalmente a esses aspectos, a introdução do componente florestal no sistema, constitui-se em alternativa de aumento de emprego e da renda rural. Apesar do reconhecimento dos benefícios dos SAFs, o seu conhecimento e uso ainda são limitados. Isto representa uma oportunidade para o desenvolvimento de maiores ações de pesquisa, para a valorização dos benefícios ambientais e de maiores incentivos econômicos que venham a estimular sua implantação. Estes mecanismos são necessários para assegurar a sustentabilidade dos sistemas agroflorestais, a equidade social e a proteção ambiental.

Referências Bibliográficas:

ALPÍZAR, L. Resultados del “experimento central” del CATIE: Asociaciones de pastos y arboles de sombra. In: BEER, J.W.; FASSBENDER, H.W.; HEUVELDOP, J. (Eds) Avances en la investigacion agroforestal, Turrialba: CATIE, 1985, p.237-243.

BAGGIO, A.J. Alternativas agroflorestais para recuperação de solos degradados na região Sul do País. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS, 1992, Curitiba. Anais. Colombo: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, 1992. v.1. p. 126-131.

BHOJVAID, P.P.; TIMMER, V.R. Soil dynamics in age sequence of Prosopis juliflora planted for sodic soil restoration in Índia. Forest Ecology and Management, v.106, n.2-3, p.181-193, 1998.

BOTERO, R.; RUSSO, R.O. Utilización de árboles y arbustos fijadores de nitrógeno en sistemas sostenibles de producción animal en suelos ácidos tropicales. Conferencia electrónica.

Jorge Ribaski, Luciano Javier Montoya, Honorino Roque Rodigheri