A Floresta Amazônica e o Futuro do Brasil

A Floresta Amazônica está sendo derrubada de forma acelerada porque tem pouco valor na percepção da sociedade brasileira atual, apesar de uma parte dos formadores de opinião afirmarem o contrário. Esta contradição entre o discurso e a realidade sócio-político-econômica é comum no mundo e ajuda a entender muito a respeito dos problemas de degradação ambiental que estão minando a sustentabilidade do empreendimento humano.

Na realidade, o único “valor” aceito pela sociedade atual é o valor econômico-financeiro presente, ou seja, aquele contabilizado pelo Produto Interno Bruto (PIB) do ano em curso ou do próximo, pois é esse valor que pode reduzir a pobreza de uma parcela da população, dar ao país o “status” de desenvolvido e, logicamente, enriquecer os responsáveis pelo desmatamento.

O cientista do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Antônio Donato Nobre, foi responsável por elaborar o relatório “O Futuro Climático da Amazônia“, a pedido da organização Articulación Regional Amazónica (ARA). Os resultados do estudo foram apresentados na quinta, 30/10/2014, em São Paulo.

Para preparar o documento, Nobre analisou 200 artigos e estudos científicos sobre o papel da Floresta Amazônica no sistema climático, na regulação das chuvas e nos serviços ambientais prestados pelo bioma para aquela e outras regiões do Brasil. “Fiquei assombrado com as mudanças climáticas que já estão ocorrendo”, revelou o pesquisador.

Antonio Nobre começa o estudo mostrando alguns segredos que garantem que a floresta gere o que ele chama de “clima amigo“. Entre outros serviços, as árvores mantêm úmido o ar em movimento, o que leva chuvas para as regiões interiores do continente, mesmo distantes milhares de quilômetros do oceano. As árvores são o que ele considera os gêisers de madeira da Amazônia. E esta umidade é levada para outras regiões do Brasil e da América do Sul através dos rios voadores. “Os rios aéreos levam a água doce por artérias suspensas”, explica.

“O Futuro Climático da Amazônia” apresenta alguns dados impressionantes. Uma árvore grande pode evaporar mais de 1 mil litros de água por dia. Estima-se que a floresta toda – 5,5 milhões de km2 – libere no ar nada menos que 20 trilhões de litros de água diariamente. Para se ter ideia da grandiosidade deste número, o Rio Amazonas despeja no Oceano Atlântico algo em torno de 17 trilhões de água.

Mas com as árvores no chão, esta água toda sumirá. O relatório comprova que a extensão do desmatamento na Amazônia brasileira na última década equivale ao território inteiro da Costa Rica, algo em torno de 50 mil km2. Segundo Nobre, os números que apontam para a queda do desmatamento são um grande efeito de ilusionismo. O que deve ser levado em conta é o acumulado e não a taxa anual. “Em 40 anos, até 2013, foram desmatados a corte raso 762 mil km2 de floresta – isto é o mesmo que três estados de São Paulo e duas Alemanhas”.

A situação é muito grave. Não só para a regulação do clima, mas também para a biodiversidade da floresta que está sendo exterminada pelo fogo. “Estamos cremando todas nossas riquezas vivas”, lamenta o cientista. “E estamos secando as nuvens”.

A recomendação do relatório é clara: será necessário um esforço de guerra para reverter este cenário alarmante. A publicação elenca cinco passos para recuperar a Floresta Amazônica e não permitir que a vegetação brasileira se transforme em uma savana:

1. Popularizar a ciência da floresta: saber é poder;

2. Desmatamento zero para anteontem;

3. Abolir fogo, fumaça e fuligem;

4. Recuperar o passivo do desmatamento e;

5. Governantes e sociedade precisam despertar: choque de realidade.

A principal conclusão a que chega a publicação é que desmatamento zero não é mais suficiente. Para Nobre, a Amazônia já mostra sinais de pane. “A única saída é replantar a floresta“, diz.

Os Cinco segredos desvendados:

O primeiro segredo é que a floresta mantém úmido o ar em movimento, o que leva chuvas para áreas continente adentro, distantes dos oceanos. Isso se dá pela capacidade inata das árvores de transferir grandes volumes de água do solo para a atmosfera através da transpiração.

O segundo segredo é a formação de chuvas abundantes em ar limpo. As árvores emitem substâncias voláteis precursoras de sementes de condensação do vapor d’água, cuja eficiência na nucleação de nuvens resulta em chuvas fartas e benignas.

O terceiro segredo é a sobrevivência da floresta Amazônica a cataclismos climáticos e sua formidável competência em sustentar um ciclo hidrológico benéfico, mesmo em condições externas desfavoráveis. Segundo a nova teoria da bomba biótica, a transpiração abundante das árvores, casada com uma condensação fortíssima na formação das nuvens e chuvas – condensação essa maior que aquela nos oceanos contíguos –, leva a um rebaixamento da pressão atmosférica sobre a floresta, que suga o ar úmido sobre o oceano para dentro do continente, mantendo as chuvas em quaisquer circunstâncias.

O quarto segredo indica a razão de a porção meridional da América do Sul, a leste dos Andes, não ser desértica, como áreas na mesma latitude, a oeste dos Andes e em outros continentes. A floresta amazônica não somente mantém o ar úmido para si mesma, mas exporta rios aéreos de vapor que, transportam a água para as chuvas fartas que irrigam regiões distantes no verão hemisférico.

O quinto segredo desvendado é o motivo pelo qual a região amazônica e oceanos próximos não fomentam a ocorrência de fenômenos atmosféricos como furacões e outros eventos climáticos extremos. A atenuação da violência atmosférica tem explicação no efeito dosador, distribuidor e dissipador da energia nos ventos, exercido pelo rugoso dossel florestal, e da aceleração lateral de larga escala dos ventos na baixa atmosfera, promovida pela bomba biótica, o que impede a organização de furacões e similares.

A condensação espacialmente uniforme sobre o dossel florestal impede concentração de energia dos ventos em vórtices destrutivos, enquanto o esgotamento de umidade atmosférica pela remoção lateral de cima do oceano, priva as tempestades do seu alimento energético (vapor de água) nas regiões oceânicas adjacentes a grandes florestas. Todos esses efeitos em conjunto fazem da majestosa floresta Amazônica a melhor e mais valiosa parceira de todas as atividades humanas que requerem chuva na medida certa, um clima ameno e proteção de eventos extremos.

O relatório continua com a descrição dos efeitos do desmatamento e do fogo sobre o clima: a devastação da floresta oceano-verde gera um clima dramaticamente inóspito. Modelos climáticos anteciparam, há mais de 20 anos, variados efeitos danosos do desmatamento sobre o clima, já confirmados por observações.

Entre eles estão a redução drástica da transpiração, a modificação na dinâmica de nuvens e chuvas e o prolongamento da estação seca. Outros efeitos não previstos, como o dano por fumaça e fuligem à dinâmica de chuvas, mesmo sobre áreas de floresta não perturbada, também estão sendo observados. O dano do desmatamento, assim como os danos do fogo, da fumaça e da fuligem, ao clima, são candentemente evidentes nas observações cientificas de campo.

As análises baseadas em modelos atualizados e em nova teoria física projetam um futuro ainda pior. Emerge como fator principal a afetar o clima a grave extensão acumulada do desmatamento amazônico, até 2013 no Brasil em quase 763.000 km2 (área equivalente a 184 milhões de campos de futebol ou três estados de São Paulo). Tal superfície precisa ainda ser somada à fração de impacto da extensão acumulada da menos falada e menos estudada degradação florestal (estimada em mais de 1,2 milhão de km2).

O relatório prossegue relacionando os dois itens anteriores, floresta oceano-verde e desmatamento, no contexto temporal mais estendido: o equilíbrio vegetação-clima, que balança na beira do abismo. Modelos climáticos ligados interativamente a modelos de vegetação exploram quais são as extensões de tipos de vegetação e as condições climáticas capazes de gerar estáveis equilíbrios vegetação-clima. Para a Amazônia, esses modelos projetam a possibilidade de dois pontos possíveis e alternativos de equilíbrio: um que favorece a floresta (úmido, atual para a bacia amazônica e histórico) e outro que favorece a savana (mais seco, atual para o Cerrado, futuro para a bacia amazônica).

O ponto preocupante desses exercícios de modelagem é a indicação de que aproximadamente 40% de remoção da floresta oceano-verde poderá deflagrar a transição de larga escala para o equilíbrio da savana, liquidando, com o tempo, até as florestas que não tenham sido desmatadas. O desmatamento por corte raso atual beira os 20% da cobertura original na Amazônia brasileira, e a degradação florestal, estima-se, já teria perturbado a floresta remanescente em variados graus, afetando adicionalmente mais de 20% da cobertura original.

A seção final do relatório recomenda um plano de mitigação baseado na reversão radical tanto dos danos passados quanto a das expectativas de danos futuros: um esforço de guerra. As florestas da Amazônia são essenciais para a manutenção do clima, e com ele a segurança das gerações futuras. Felizmente, os avanços nas ciências fazem desta guerra um desafio que pode ser bem sucedido.

Apesar da dificuldade em separar precisamente os efeitos de fundo das mudanças climáticas globais daquelas locais e regionais, não resta a menor dúvida de que os impactos do desmatamento, da degradação florestal e dos efeitos associados já afetam o clima próximo e distante da Amazônia. Já afetam em alto grau hoje em dia e prometem afetar ainda mais seriamente no futuro, a ponto de que a única opção responsável que se coloca é agir vigorosamente no combate às causas.

Como primeira ação, impõe-se a universalização e facilitação de acesso às descobertas científicas, que podem reduzir a pressão da principal causa do desmatamento: a ignorância. Em segundo lugar, é preciso estancar a sangria da floresta, ou seja, zerar o desmatamento, a degradação florestal e o fogo já, com todos e quaisquer recursos e meios éticos possíveis, no interesse da vida. Ao mesmo tempo, em vista do diagnóstico de que desmatamento e degradação acumulados constituem-se no mais grave fator de dano ao clima, torna-se necessário e inevitável desenvolver um amplo esforço para replantar e restaurar a floresta destruída. Tal esforço precisa ter perspectiva de médio e longo prazos para culminar com a regeneração da floresta oceano-verde original.

Diante disso, as elites governantes podem, devem e precisam tomar a dianteira na orquestração da grande mobilização de pessoas, recursos e estratégias que possibilitem recuperar o tempo perdido. Na conclusão, ao apontar para a urgência de ações de proteção e restauro da grande floresta, acena com oportunidades reais na viabilidade de trilharmos um novo caminho, onde a floresta protegida e recomposta seja a principal aliada das atividades humanas, dentro e fora da Amazônia.

Anexo: 2385.pdf

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