Floresta Amazônica – Desenvolvimento Sustentável

Compromissos por uma Amazônia Sustentável

I.             Promover o desenvolvimento sustentável com valorização da diversidade sociocultural e ecológica e redução das desigualdades regionais;

II.            Ampliar a presença democrática do Estado, com integração das ações dos três níveis de governo, da sociedade civil e dos setores empresariais;

III.          Fortalecer os fóruns de diálogo intergovernamentais e esferas de governos estaduais para contribuir para uma maior integração regional, criando o Fórum dos Governadores da Amazônia Legal;

IV.           Garantir a soberania nacional, a integridade territorial e os interesses nacionais;

V.            Fortalecer a integração do Brasil com os países sul-americanos Amazônicos, fortalecendo a OTCA e o Foro Consultivo de Municípios, Estados, Províncias e Departamentos do Mercosul;

VI.           Combater o desmatamento ilegal, garantir a conservação da biodiversidade, dos recursos hídricos e mitigar as mudanças climáticas;

VII.         Promover a recuperação das áreas já desmatadas, com aumento da produtividade e recuperação florestal;

VIII.       Implementar o Zoneamento Ecológico-Econômico e acelerar a regularização fundiária;

IX.           Assegurar os direitos territoriais dos povos indígenas e das comunidades tradicionais e promover a eqüidade social;

X.            Aprimorar e ampliar o crédito e o apoio para atividades e cadeias produtivas sustentáveis e serviços ambientais;

XI.           Incentivar e apoiar a pesquisa científica e a inovação tecnológica;

XII.         Reestruturar, ampliar e modernizar o sistema multimodal de transportes, o sistema de comunicação e a estrutura de abastecimento;

XIII.       Promover a utilização sustentável das potencialidades energéticas e a expansão da infra-estrutura de transmissão e distribuição com ênfase em energias alternativas limpas e garantindo o acesso das populações locais;

XIV.        Assegurar que as obras de infra-estrutura provoquem impactos socioambientais mínimos e promovam a melhoria das condições de governabilidade e da qualidade de vida das populações humanas nas respectivas áreas de influência;

XV.          Melhorar a qualidade e ampliar o acesso aos serviços públicos nas áreas urbanas e rurais;

XVI.        Garantir políticas públicas de suporte ao desenvolvimento rural com enfoque nas dimensões da sustentabilidade econômica, social, política, cultural, ambiental e territorial.

O Plano Amazônia Sustentável (PAS) detalha as diretrizes estratégicas para o cumprimento desses compromissos, discutidas e validadas pela sociedade da região. Foi construído a partir do Termo de Cooperação firmado em 2003 entre o presidente e os governadores dos estados da região, de um diagnóstico abrangente, e de consultas públicas com mais de cinco mil representantes. Essas diretrizes já estão influenciando os nossos programas em andamento, e estão sendo a base da construção de novos programas e projetos específicos para alcançarmos uma Amazônia sustentável.

A superação do atual modelo de exploração predatória dos recursos naturais por um novo modelo de desenvolvimento assentado nas atividades econômicas dinâmicas e sustentáveis pode garantir a preservação da imensa riqueza representada pela floresta amazônica, resultando, em tempos de forte ameaça de aquecimento do planeta, em enorme benefício para toda a humanidade. Deve ser ressaltado, ainda, que este excepcional ativo, a floresta em pé, deveria ser remunerado por aqueles que dele mais se beneficiam, ou seja, os países ricos do hemisfério norte, sem prejuízo da soberania nacional.

A formulação das diretrizes estratégicas para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, partiu do diagnóstico da dinâmica regional contemporânea, que retrata como a região se transformou internamente e formou um mosaico de estruturas sociais e espaciais distribuídas por várias frações de seu território.

A Região Amazônica é composta por um mosaico extremamente variado de territórios urbanos e rurais, nos quais as comunidades, etnias e demais grupos sociais vivem, estabelecem conexões, se relacionam com a natureza e incorporam intenso significado cultural e simbólico.

Na definição e implementação de políticas de desenvolvimento adequadas às diferentes realidades regionais, o conhecimento da diversidade regional é um fator determinante para o sucesso das políticas.

Entende-se que cabe essencialmente ao Estado induzir o crescimento econômico das regiões menos dinâmicas, em geral por meio de fomento às atividades econômicas motrizes. Tais políticas, contudo, não previam mecanismos para evitar efeitos negativos como a concentração de renda, o agravamento da exclusão social e um padrão de crescimento econômico predatório de suas próprias bases naturais.

As diretrizes preconizadas no PAS, ressaltam o papel do Estado, enfatizando, inclusive, a ampliação de sua presença na Região Amazônica, nos diversos níveis institucionais. Notadamente, esta presença se faz através de ações do governo federal destinadas a garantir uma maior governabilidade sobre os movimentos de ocupação e transformação socioprodutiva em determinadas áreas, a orientar o uso do território e de seus recursos, além de assegurar adequada provisão de serviços públicos essenciais, como educação, segurança, saúde, habitação, assistência técnica, regularização fundiária e justiça.

Uma das prioridades para o desenvolvimento regional sustentável da Amazônia é a consolidação e integração de políticas públicas referentes à destinação de espaços territoriais, especialmente nas terras públicas, frequentemente objeto de conflitos sociais e atos ilícitos de exploração dos recursos naturais. Nesse sentido, é preciso fortalecer os instrumentos de ordenamento e planejamento territorial.

A sustentabilidade do desenvolvimento rural depende da regularização fundiária das terras públicas da Amazônia e da consolidação dos assentamentos rurais de reforma agrária, adequados à diversidade sociocultural, econômica e ambiental da região.

Outro elemento estratégico para o desenvolvimento regional da Amazônia em bases sustentáveis é o aprimoramento dos instrumentos de monitoramento, licenciamento e fiscalização ambiental, envolvendo parcerias entre as três esferas de governo e a participação ativa da sociedade civil.

Um elemento central da estratégia para a produção sustentável diz respeito à valorização da floresta por meio de incentivos ao manejo de produtos madeireiros e não-madeireiros e à manutenção de serviços ambientais associados à preservação e ao uso sustentável, tais como a regulação de sistemas climáticos, manutenção dos regimes hidrológicos e a conservação da biodiversidade.

Uma as prioridades para este segmento é a necessidade de otimizar o uso de áreas já desmatadas e propícias para a agricultura e a pecuária sustentáveis, diminuindo as pressões sobre florestas remanescentes, visto que o crescimento econômico e a competitividade da agropecuária na Amazônia podem ser alcançados sem a derrubadas em novas áreas florestadas.

As estratégias para o setores que utilizam economicamente os recursos da fauna devem integrar as dimensões de sustentabilidade ambiental, inclusão social e eficiência econômica, com atenção especial para as necessidades da pesca artesanal e de comunidades ribeirinhas.

A expansão sustentável do turismo e do ecoturismo na região requer ações pautadas em um planejamento ambiental e turístico adequado, no respeito à diversidade cultural e no engajamento das comunidades autóctones no processo de desenvolvimento do setor, devendo ser implementadas de forma sinérgica e integrada pelas três esferas de governo (federal, estadual e municipal).

Partindo da pressuposição de que o desenvolvimento sustentável da Amazônia exigirá que a floresta seja mantida de pé e funcionando, encontramos um grave problema: não sabemos como fazer isto e gerar o crescimento econômico. Não existe um acervo de conhecimento de C&T disponível que atenda esta demanda, dada a escala da Amazônia.

É certo que existem muitas ideias e até muitas experiências bem sucedidas, mas todas são em escala pequena. Afinal, quantas toneladas são necessárias para abastecer os mercados de castanha do Brasil, de óleo de castanha do Brasil, de óleo de andiroba, de raíz de muirapuama, etc.? Embora os números são incertos, todos são muito menores do que precisamos para mudar os índices de desenvolvimento humano na Amazônia, especialmente no interior onde estes índices são uma vergonha nacional.

Pior que isto, nenhum país do mundo tem feito algo parecido! Afinal, Homo sapiens depende de agricultura e a definição de agricultura é o cultivo dos campos. Todas as sociedades humanas bem sucedidas foram e são agrícolas, e todas as nações bem sucedidas, hoje e no passado, foram agrícolas e defendem vigorosamente sua agricultura.

Quais são as opções econômicas oriundas da biodiversidade que merecem investimento e quais são as consequências deste investimento? Acreditamos que existem seis grupos de opções (ordenado pelo tamanho do acervo de conhecimento, ainda que escasso): agricultura e pecuária; madeira; ecoturismo; produtos florestais não madeireiros; carbono; genes que codificam funções úteis na indústria farmacêutica e afins.

Agricultura & Pecuária – Os povos indígenas domesticaram pelo menos 100 espécies de plantas na região, pelo menos uma de enorme importância: a mandioca. A maioria das outras são fruteiras. No entanto, mesmo com fruteiras, a opção por este grupo resultará em mais desmatamento, embora com fruteiras uma cobertura semi-florestal pode ser reconstruída. Se for agronegócio, é bom para os donos, mas salário mínimo para todos os outros atores. Se for agricultura familiar, o problema será expandir a presença das instituições de P&D e de extensão para atender uma população dispersa na escala geográfica. O Pronaf está começando a planejar e a executar ações nessa direção e pode ajudar a mudar os índices de desenvolvimento humano em algumas localidades. É importante frisar que não existe outro commodity entre as plantas já domesticadas da região, o que significa que precisaremos trabalhar muitas espécies para gerar resultados.

Madeira – A FAO estimou que existe pelo menos US$ 1 trilhão de estoque em pé na Amazônia, mas a maioria das espécies não tem mercado. Madeira é o exemplo clássico para a observação de May et al. (2002), já que as espécies com valor para o mercado estão dispersas na floresta, com baixa densidade, comprometendo o retorno econômico. O manejo sustentável é viável? Schneider et al. (2000) afirma que é, mas a maioria absoluta da madeira da Amazônia é vendida no mercado interno, que quer madeira barata e não se importa se vem do manejo sustentável ou resulta da destruição da floresta. Kahn (2002) sugeriu mecanismos e políticas governamentais poderiam mudar esta equação, mas sua adoção dependerá de trabalho integrado de diversos ministérios. Se a densidade econômica da floresta for aumentada – o que é sacrilégio para muitos ambientalistas – a equação poderá melhorar. Como no caso do agronegócio, o manejo florestal geralmente é bom para os donos, mas salário mínimo para todos os outros. O Promanejo está começando a planejar e executar manejo comunitário, que tem potencial para mudar os índices de desenvolvimento humano em algumas localidades, mas não atende nem a demanda do mercado interno.

Ecoturismo – A contemplação da biodiversidade seguramente é sustentável, mas requer infraestrutura de boa qualidade e capacitação de todos os atores na sua cadeia de produção. Mesmo quando todos estiverem capacitados, o ecoturismo é bom para os donos, mas levará um salário mínimo para todos os outros.

Produtos Florestais Não Madeireiros – Estes são a base da proposta da Zona Franca Verde, do governo do Amazonas, e o sonho das ONGs, mas é justamente a opção onde o acervo de conhecimento é mais escassa e a questão de escala geográfica é mais importante. Estes produtos incluem as plantas medicinais, aromáticos, óleos etc. que tem nichos de mercado de grande apelo popular, mas cujas escalas são sempre pequenas. Para que estes produtos desempenhem um papel importante, precisaremos que sejam conhecidos rapidamente e que sejam desenvolvidos, isto é, o processo implica em muita C&T e muito mais P&D. Podemos fazer? Claro, mas não com os minguados investimentos atualmente disponíveis para Amazônia neste setor.

Estes produtos tem, ainda, um porém: seu sucesso implica em agricultura (Homma 1992). A razão é a mesma do caso de madeira – a baixa densidade econômica destes produtos na floresta. Quando a demanda por um desses produtos cresce, a tendência é iniciar o manejo na floresta, seguida por sua introdução em parcelas agroflorestais ou mesmo pomares e, finalmente, a transferência da cultura para fora da Amazônia. A história da Amazônia é repleta de exemplos nesse sentido, alguns dos quais bons para outras partes do Brasil ou mesmo para o exterior, como é o caso clássico da seringa, mas todos deixaram um vazio na Amazônia. É possível reverter essa tendência? Provavelmente não, mas criando cadeias de produção sustentáveis, com tecnologias avançadas e adequadas, e agregando valor aos produtos regionais ainda na região, como recomendou recentemente a Ministra Marina Silva, certamente ajudará a manter a maior parte do lucro na Amazônia, por mais tempo. Mesmo com essas limitações, esses produtos teriam um papel importante na mudança dos índices de desenvolvimento humano em muitas localidades.

Carbono – Esta opção tem sido amplamente discutida por nosso colega do INPA, Phillip M. Fearnside, mas requer que o governo do Brasil assuma a decisão de negociar a inclusão da floresta de pé no Protocolo de Kyoto, o que hoje não está nos planos. Ainda, mecanismos de direcionar benefícios ao interior da Amazônia precisam ser desenvolvidos. Nesta direção, o Fundo de Desenvolvimento da Amazônia proposto pelo Senador Jefferson Pires seria uma opção lógica.

Genes – Na era da biotecnologia que está se iniciando, esta opção toca na imaginação de muita gente, desde a comunidade de C&T até as empresas de base biotecnológica nacional e internacional. Embora essencial para o Brasil, não sabemos se o processo oferece os altos índices de rendimentos dos fatores de produção, i.e., os recursos naturais, o capital e o trabalho que são os fundamentos da definição de desenvolvimento, quando aplicado à Amazônia. A razão é simples: uma vez identificado e isolado o gene de interesse, este gene será vendido ao comprador que pagar mais – uma das leis do capitalismo, que não será facilmente revogada! Isto explica por que as ONGs da Amazônia não são entusiastas do modelo de bioprospecção atual. Ao mesmo tempo, isto não quer dizer que o Brasil não deva seguir este caminho – deve, mas com os olhos bem abertos.

No entanto, a era da bioprospecção nas florestas tropicais poderia estar se encerrando ainda em sua fase nascedoura, e por duas razões: compostos bioativos são encontrados em todo o mundo e a era genômica poderia criar compostos bioativos altamente enfocados. Recentemente foi proposto que o genoma humano aponta para o fato de que um número limitado de genes codifica para um grande número de proteínas e, portanto, a probabilidade de se encontrar genes úteis em nosso quintal é maior do que a originalmente imaginada (Tulp & Bohlin 2002).

No caso, nosso quintal é qualquer terreno baldio no primeiro mundo. Ou seja, as florestas tropicais talvez não sejam imprescindíveis para a indústria farmacêutica. A mesma lógica vale para a outra razão, com a genoma apontando para a proteômica e esta para o remédio – sem necessidade de biodiversidade tropical. A implicação também é simples: ou o Brasil faz por conta própria, ou as oportunidades que estes genes representam não serão realizadas.

No caso da genômica, o Brasil já está investindo e até a Amazônia está representada – a UFAM, a UFPA e o INPA foram parceiros do genoma do Cromobacterium violaceum. Contudo, lamentavelmente, projetos deste porte ainda tem repercussões sociais reduzidas, pois o foco é neste caso, e em várias outras iniciativas, apenas na disponibilidade do material biológico.

Então, a biodiversidade tem potencial para apoiar o desenvolvimento sustentável da Amazônia? Claro que tem, mas os atuais investimentos não conseguirão mudar o quadro a curto prazo; a médio prazo não haverá mais floresta de pé e não haverá a biodiversidade como hoje.

Ambiente Brasill;
www.mma.gov.br;
www.riosvivos.org.br;