Cercas Ecológicas

Por José Aníbal Comastri Filho e Sandra Aparecida Santos

Cercas construídas para manejo de gado em algumas regiões/ecossistemas naturais e de grande biodiversidade, tais como o Pantanal, podem causar impacto negativo sobre algumas espécies de animais silvestres, especialmente os grandes herbívoros, tais como o cervo do Pantanal (Blastocerus dichotomus), o veado mateiro (Mazama americana), o veado campeiro (Ozotocerus bezoarticus) a ema (Rhea americana) e a anta (Tapirus terrestris).

As peculiaridades da região pantaneira, marcada por secas e cheias, dificultaram a ocupação e interferência antrópica. A prática da pecuária extensiva, favorecida pela riqueza de recursos naturais, vem sendo desenvolvida há séculos.

Para manter esta riqueza em biodiversidade, os produtores desenvolvem uma pecuária extensiva com um mínimo de interferência no ambiente, cujos índices zootécnicos ainda são relativamente baixos. Entretanto, nos últimos anos, vêm crescendo as pressões econômicas para aumento da produtividade, agravando ainda mais os efeitos da redução da capacidade produtiva das fazendas e a descapitalização do setor, acentuado devido à divisão constante das terras, por venda ou herança. Muitas fazendas estão sendo vendidas para fazendeiros e até mesmo para pessoas de outros ramos de atividade, que pouco conhecem a região, colocando em risco a conservação da biodiversidade do Pantanal.

Quando se diz que o homem pantaneiro vem conservando o Pantanal há cerca de 200 anos, não é simplesmente pelo fato dele apenas colocar os bovinos em grandes extensões de terra e deixa-los por conta dos campos naturais. Muitos pensam assim, isto é muito cômodo, mas não é verdade. O homem pantaneiro convivendo na região, aprendeu a respeitar os limites da natureza, fato este que pode ser observado através de pequenas atitudes de manejo, como no simples ato de construir uma cerca.

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Muitos fazendeiros que vêm de outras regiões, chegam aqui e começam a implantar novas tecnologias, às vezes sem critérios. Porque os fazendeiros tradicionais não optaram por este tipo de cerca? Porque eles sempre usaram uma cerca de quatro fios? Esta atitude pôde ser vista tempos depois durante uma cheia extrema. Animais silvestres como o cervo tentaram passar por esta mesma cerca para fugir da inundação em busca de locais mais seguros e com alimentação, mas foram impedidos pela cerca. Resultado: morreram de fome.

Estes casos ocorrem geralmente em situações de cheias extremas, onde os animais silvestres tentam passar por este tipo de cerca para fugir da inundação ou quando são perseguidos. Na verdade, nas regiões onde transitam grandes herbívoros silvestres, as cercas deveriam ser ajustadas de modo que a altura do último fio até o solo fosse adequada para a movimentação desses animais.

Um cerca ecológica deve ser construída e ajustada, em função das características edafo-climáticas da região, do tamanho dos animais silvestres existentes e principalmente através do conhecimento das necessidades territoriais e do comportamento espacial e temporal dos animais silvestres. Bookhout (1994) descreve algumas especificações/recomendações para a construção/ajustes de cercas para facilitar a movimentação de ungulados.

Cabe descrever aqui um comentário feito por um antigo fazendeiro da região, o saudoso Sr. Laurindo de Barros: “O uso de cercas com cinco ou seis arames é totalmente desnecessária, cara e anti-ecológica, pois não permite o trânsito livre dos animais silvestres. Cercas com cinco fios de arame só são usadas por alguns fazendeiros nas divisas da propriedade. Bezerro ao pé da vaca não passa debaixo do arame deixando a invernada em que sua mãe está para ir para outra invernada, portanto, o uso de cerca de cinco ou seis arames só serve para encurralar os animais. E nós só usamos arame liso, pois o arame farpado risca o couro provocando bicheiras”

Diante desses fatos, além de verificarmos a importância das cercas ecológicas para a região pantaneira, também podemos constatar a importância de se valorizar e conservar a cultura e a origem do homem pantaneiro, que muito vem contribuindo para a conservação da biodiversidade do Pantanal.

Fontes: José Aníbal Comastri Filho (comastri@cpap.embrapa.br) e Sandra Aparecida Santos (sasantos@cpap.embrapa.br), são pesquisadores da Embrapa Pantanal.