Se a condição para implantar a biomassa é ou não o socialismo, fica na dependência de antes esclarecer qual a relação entre energia e o sistema sócio-político, tendo em vista a era dos combustíveis fósseis que ocupou os últimos 200 anos de história. Podemos verificar que o petróleo, a fissão nuclear, as grandes hidroelétricas, o carvão mineral, o xisto betuminoso, entre outros, pelas suas dimensões de escala são incompatíveis com um sistema socialmente igualitário e, contrariamente, são harmônicos com o grande capital financeiro.
Recordemos que o socialismo foi concebido e implantado sob a égide das formas energéticas fósseis. Trata-se assim de problema até hoje insondável que provavelmente esteja na raiz do fracasso de experiências socialistas que comprometeram alguns de seus objetivos. Como essas formas energéticas predispõem a necessidade de volumes ponderáveis de capital, isso explica, pelo menos em parte, o imperativo do capitalismo de Estado na ex-União Soviética. É necessário enfatizar porém que as formas energéticas derivadas da biomassa condicionam mas não determinam o sistema político, socialista ou não, ou seja, sempre é possível a exploração da biomassa em regime social e politicamente espúrio.
Infere-se daí que historicamente, sobretudo a partir dos finais do Século XVIII, a forma energética fóssil dominante impediu de modo excludente que as potencialidades das regiões tropicais fossem avaliadas em sua função civilizatória. Nascemos como parte do Ocidente centrado na Europa ibérica no Século XVI sob os influxos da biomassa, a qual está na base da expansão mercantil de então.
Esse marco energético vai até o aparecimento do carvão mineral e o seu uso na máquina a vapor, que promoveu a hegemonia inglesa, seguida pela dos Estados Unidos da América e, na seqüência, a exploração intensiva e extensiva do petróleo.
Assim, esse período de 200 anos representou uma pausa na exploração da biomassa, deixando-a submersa e latente, com o predomínio das formas fósseis acumuladas em eras geológicas. Isso, embora tivesse representado apenas breve intervalo da história da humanidade, em suas conseqüências erigiu-se em paradigma inexorável e único como modelo energético de desenvolvimento. Ele resultou de imensa concentração temporal e espacial do combustível fóssil em cotejo com as formas energéticas vegetais tropicais.
Enquanto essas formas energéticas renováveis – hidratos de carbono – exigem plantio, irrigação e colheita, em processo de produção incomparavelmente mais árduo e trabalhoso do que a energia concentrada nos combustíveis fósseis. Estes resultam da transformação dos hidratos de carbono em hidrocarbonetos ao longo de centenas de milhões de anos em processo de fossilização. Disso resultam formas energéticas concentradoras, de reduzidíssimas localizações no planeta, o que favorece a cobiça e o domínio pelo grande capital. Sendo formas não-renováveis têm limitações de uso enquanto as suas reservas vão se depauperando com o tempo. O mundo hoje vive em estado de guerra devido ao vislumbre do seu término. As grandes potências econômico-militares, dependentes de modo crucial do petróleo, procuram, de modo crescente, por meios militares e outros, preservar para si o que sobra dessas reservas em crescente decréscimo.
Sublinhamos anteriormente não haver determinismo sócio-político no uso da energia da biomassa, o que significa que ela pode ter utilização libertária ou liberticida, dependendo da organização política a que está subordinada e, sobretudo, do regime de propriedade. Nesse contexto é preciso esclarecer a questão brasileira do latifúndio, o qual tem se demonstrado ser incompatível com um projeto nacional libertário, esteja ancorado na biomassa ou não. Trata-se de uma apropriação concentrada da terra em mãos de um pequeno número de proprietários, em geral associados ao grande capital financeiro. É processo imanente ao domínio de corporações transnacionais, cuja influência é cada vez mais acentuada nos últimos 10 anos.
O governo FHC quase destruiu o Estado e desmontou a estrutura produtiva industrial de empresas de economia mista e as de capital privado nacionais. Com a política dos transgênicos do governo petista de Luís Inácio Lula delineia-se no horizonte a entrega da terra às grandes corporações transnacionais. Este é um processo novo do domínio colonialista que acarretará crescente desemprego pelos excludentes mecanismos tecnológicos das “plantations”, os quais afastam a absorção da mão de obra extensiva. Se o processo industrial já havia desempregado muita gente pela internacionalização da indústria e sua progressiva e desnecessária automação, agora essa tendência ao desemprego estende-se à área agrícola.
As “plantations” transnacionais da biomassa significariam o genocídio do povo brasileiro. O Clube de Roma anunciou desde o início da década dos 70 que 3/4 da humanidade é dispensável para fins produtivos. É a ideologia do extermínio que, paradoxalmente, convive carnalmente com o Fome Zero e a prosápia da cidadania do governo petista. É a apoteose da ideologia do emprego contra o trabalho.
A internacionalização da terra e sua concentração econômica culminam na política criminosa dos transgênicos resultantes da lei das patentes, que enfeixam sob o regime de monopólio mundial a propriedade das sementes. Isso redunda no adeus à agricultura em mãos de brasileiros e na impossibilidade de sermos os produtores de energia renovável e limpa diante do ocaso do petróleo. Com esse panorama a miragem de uma reforma agrária sob a bandeira petista é uma mistificação.
É desnorteante que setores que poderiam ser dos mais beneficiados com uma política energética da biomassa, como é o caso dos “sem terra”, fazem resistência a essa política.
Associando-a com o regime de latifúndio, manifestam-se reticentes ao uso da biomassa na produção de energia. São menos refratários porém a outras produções agrícolas como feijão, arroz, trigo etc. ou ao domínio do mercado externo da soja brasileira por meia dúzia de corporações transnacionais.
Há que colocar em discussão o papel do Estado, cuja participação no desenvolvimento econômico brasileiro – em particular no processo de industrialização – foi decisivo. Nas últimas décadas as corporações transnacionais instalaram-se no Brasil com auxilio de amplo programa de subsídios e incentivos dados pelo Estado. Esse processo teve o seu sustentáculo na substituição de importações, tendo por objetivo a incorporação de pacotes tecnológicos trazidos para o país tendo como origem corporações transnacionais. Se esse modelo teve a vantagem de queimar etapas no processo dito de desenvolvimento, em contrapartida consolidou modelo de dependência tecnológica externa.
O historiador Nelson Werneck Sodré assinala em seu livro “Brasil: Radiografia de um Modelo” que desde o plano de metas o imperialismo colocou o Estado brasileiro a seu serviço, sob a aparência da modernização do aparato estatal. Disso é exemplo o setor petroquímico em que houve a junção da Petrobrás com corporações transnacionais e a participação de empresas privadas de capital nacional. É o chamado “Modelo Tripartícipe”. Com as privatizações essas empresas foram internacionalizadas, excluindo a participação das empresas de economia mista, após usufruírem inúmeras vantagens concedidas pelo Estado. Isso consolidou o domínio imperialista com o apoio do Estado. Nas últimas décadas o Estado nacional vem se enfraquecendo sendo aparentemente substituído por supostos investimentos de controle externo que ademais não têm ocorrido como previstos.
O Estado brasileiro foi fundamental na implantação de uma política energética nas áreas de petróleo, energia elétrica e no Programa Nacional do Álcool. O enfraquecimento crescente do Estado debilitou de modo substantivo o desenvolvimento de infra-estruturas energéticas do país, como foram exemplo os setores do álcool e o elétrico, culminando neste último caso com o famigerado afegão, fruto da política de estabilidade financeira do FMI. Este considera investimentos do Estado com o objetivo de aumentar a oferta de energia em resposta ao aumento da demanda, utilizando recursos próprios das empresas, como sendo de efeitos inflacionários. Simplesmente incrível!
Dir-se-ia então que hoje o projeto imperialista objetiva a destruição do Estado, o qual está sendo substituído por corporações transnacionais, ONGs e agentes externos atuando em postos chave das estruturas governamentais. Essa destruição facilita o controle externo dos recursos naturais estratégicos localizadas nas regiões intertropicais, os quais as nações hegemônicas carecem para dar solução a suas necessidades vitais no campo energético.
Assim, o imperialismo utilizou-se do Estado e, agora, o descarta com a ideologia neoliberal: não são mais necessários nem o Estado nem as gentes brasileiras. Noutras palavras, a internacionalização, o extermínio e o desemprego estão indissoluvelmente vinculados. O governo do Presidente Lula, entretanto, nada faz para reverter esse quadro antinacional. Apenas interrompeu as privatizações, porém isso de pouco adianta se não houver a recomposição do Estado. Sob o argumento falseado da governabilidade, o país é submetido às garras do imperialismo. Isso analisado do ângulo energético ganha conotação nociva ante a sobrevivência nacional. Trata-se de dupla omissão na etapa histórica em que a questão energética é essencial ante o esgotamento do petróleo: a cegueira em relação ao trópico e o descuido diante da oportunidade mundial em que o Brasil poderia afirmar-se como potência econômica.
É importante enfatizar que essa oportunidade é única em toda a história: nenhum outro país a teve nas circunstâncias atuais do Brasil. Por mais louvável que seja a atuação do chanceler Amorim, a sua política externa não encontra suporte interno, apesar das nossas excepcionais condições naturais. Não existe projeto prevendo o aproveitamento dessas oportunidades e, pelo contrário, caminha-se em direção oposta: a internacionalização destrutiva, incompatível com a necessidade de fortalecimento do Estado nacional. Por suporte interno designamos uma estratégia de poder que mude a matriz energética dando prioridade às potencialidades dos trópicos, fundamento imprescindível a uma política externa independente. Nesse campo as vantagens comparativas brasileiras são incomparáveis.
No panorama contemporâneo observa-se uma situação dramática do ponto de vista energético, envolvendo países da importância da China, Índia, Japão e Alemanha. Eles necessitam soluções energéticas renováveis e limpas que somente se encontram disponíveis nas condições naturais do continente tropical brasileiro. As demais regiões tropicais (Austrália, Indonésia, África Central e Sudeste Asiático) não desfrutam de enormes áreas territoriais ainda vazias, recursos hídricos abundantes e intensa e exuberante radiação solar, como ocorre no continente brasileiro.
O relacionamento da nação brasileira com esses países deve ser equacionado de maneira equânime, e não pela via submissa e colonial que tem caracterizado a postura do Brasil diante do poder mundial.
Essa mudança interna da matriz energética e sua correspondente política externa, é a maneira de o Brasil assumir um papel de independência fortalecendo-se com pactos externos com esses países e caminhando na direção que lhe cabe de sujeito da história neste crucial momento de colapso dos combustíveis fósseis. Isso implica em superar a deplorável condição colonial das últimas duas décadas de neoliberalismo deplorável.
O nosso desafio é romper com a dependência, e não a covardia de administrá-la ao erigir a impotência como signo da identidade nacional. Com a iminência do ocaso dos combustíveis fósseis estamos diante de um fato novo relacionado com os limites do capital, que vão além das contradições internas entre as forças produtivas e as relações de produção, porque agora o que está em jogo, pela primeira vez na história do homem, é a possibilidade da destruição entrópica da natureza, ao tornar-se problemática a sua capacidade de produzir trabalho. É por isso que o epicentro energético do futuro da humanidade situa-se nas regiões intertropicais, onde está banido o aumento da entropia do universo por causa do permanente fluxo eletromagnético irradiado pelo astro rei: o sol. Este fluxo permite a estabilidade de um mundo auto-sustentável, crucial no futuro do processo de desenvolvimento das civilizações.
Os essenciais condicionantes da natureza, os recursos naturais variados e abundantes, as vantagens comparativas incomparáveis, todas as oportunidades oferecidas são porém inócuos diante da falsa simbologia de valor de sistema financeiro internacional, representando todas as riquezas em processo espúrio de emissão arbitrária e monopólica exercido por gangues internacionais a serviço de potências bélicas hegemônicas que condicionam a humanidade a sua brutal capacidade de matar.
A atitude de um governo nacional deve conduzir necessariamente a sociedade brasileira para a libertação desse esquema iníquo de dominação. O Brasil não tem qualquer alternativa dentro desse sistema financeiro internacional, comandado o poder nacional de maneira absoluta por meio de seus prepostos em todas as esferas que transforma os dirigentes eleitos pelo voto universal em marionetes e a justiça em instrumentos de interesse anti-nacionais.
Isso se evidencia atualmente de maneira escandalosa com as violentas pressões para desvincular o Banco Central de qualquer poder interno, subordinando-o ao controle externo. A semântica é um escárnio quando menciona que esse processo visa a um Banco Central autônomo. O Partido dos Trabalhadores, hoje no poder, que deveria supostamente defender o valor do trabalho e a liberdade de seu povo, na verdade é o agente de orgia financeira a favor de opulenta e nefasta oligarquia financeira internacional.
Nesse contexto, o poder imperial atua para impedir qualquer veleidade de autonomia na estrutura produtiva com a imposição da ALCA. A isso se dá, cinicamente, o nome de “associação de livre comércio”, ou seja, mais um escárnio semântico para humilhar a inteligência e a dignidade dos brasileiros e conduzir o nosso povo à ruína.
José Walter Bautista Vidal e Gilberto Felisberto Vasconcellos – Engenheiro e físico nuclear, Presidente do Instituto do Sol, ex-Coordenador do Pró-Álcool; e Sociólogo e professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora, respectivament