Salvando o Atol das Rocas

Quase ninguém soube. Mas no final do ano passado, a Estação Científica da Reserva Biológica do Atol das Rocas esteve prestes a interromper suas atividades por conta de míseros 35 mil Reais. Esse era o dinheiro que o IBAMA devia ao dono do veleiro de 12 metros utilizado pela equipe responsável pela estação para cruzar as 144 milhas náuticas que separam Natal, no Rio Grande do Norte, de um dos mais importantes santuários ecológicos marinhos que existem na costa brasileira.

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“Quando o dono do barco me disse que ele não podia continuar nos transportando de ‘graça’, tive um ataque”, conta Zélia Brito, a chefe da turma do Ibama – ela e mais três pessoas – que cuida de toda a biodiversidade que existe no atol. O ataque era mais do que justificado. Sem ter como colocar uma equipe em Rocas e sustentá-la lá, o Brasil estava pondo em risco todo o trabalho de fiscalização, preservação e pesquisa realizado nos 360 quilômetros quadrados de estrutura de recifes, e nas águas até mil metros de profundidade em seu entorno, que formam a Reserva Biológica.

Para a maioria das pessoas, talvez não houvesse razão para tanto alarme por causa de um monte de pedras semi-submersas no meio do oceano. Rocas, no entanto, é importantíssimo para a vida marinha no Atlântico. Suas águas servem de berçário para várias espécies, algumas delas – como tartarugas, meros, tubarões lixa, lagostas pintadas e arraias manta – ameaçadas de extinção. “Essa fauna se reproduz ali e, pelas correntes, vai realimentar pesqueiros distantes”, explica Zélia.

Quem literalmente salvou esse pedaço da nossa pátria do abandono oficial foi um empresário carioca, Paulo Tupinambá, dono da Haztec, empresa que presta consultoria e serviços na área ambiental. Ele assumiu sozinho os custos de operação da Estação Científica durante um ano. Zélia lembrou-se de Tupinambá em Dezembro de 2003, quando recebeu a notícia de que, por conta da pindaíba do IBAMA, o transporte regular para Rocas iria acabar.

Ela o conheceu no próprio atol, onde Tupinambá aportou movido pela curiosidade de um filho adolescente. O menino teve que fazer um trabalho escolar sobre atóis e descobriu que em todo o Atlântico Sul havia apenas um, Rocas, justamente na costa do Brasil. O pai comprou a curiosidade do filho e resolveu aguçá-la. Meteu um projeto no IBAMA para fazer um vídeo educativo para crianças sobre o lugar. Ganhou a autorização para realizá-lo e apareceu por lá em 2002. “Ele me disse que se eu precisasse de algo era só ligar”, recorda Zélia. Tão logo soube que ficaria sem meios de chegar às Rocas, Zélia passou a mão no telefone e ligou para Tupinambá. Ele pediu que colocasse em suas mãos, o mais rápido possível, uma proposta de financiamento do trabalho na Estação Científica. Zélia e seus funcionários partiram para o atol num barco da Marinha brasileira – que ajuda a fiscalizar a área da Reserva Biológica – antes do Natal de 2003.

Voltaram no fim de Janeiro e formalizaram o pedido de dinheiro ao empresário. Ele topou na hora dar os 148 mil reais para sustentar todo o trabalho da Estação Científica durante um ano. O dinheiro cobre os custos de transporte, alimentação, manutenção e paga pelos equipamentos de monitoramento e pesquisa. Paga também salário a dois dos ajudantes de Zélia, que até então trabalhavam como voluntários, apenas na base do amor a Rocas. De quebra, Tupinambá colocou em cima da mesa mais 50 mil reais para financiar projetos de interesse da Estação Científica.

O primeiro deles deverá ser uma estação meteorológica proposta por professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A entrada em cena de Tupinambá (e seu dinheiro) causou grande alívio ao coração de Zélia, que há 13 anos cuida de Rocas. “O IBAMA pode fechar, o Ministério do Meio Ambiente pode fechar, mas no que depender de mim, Rocas não fecha”, garante. Prova de que fala sério é que mesmo depois de ter conseguido financiamento privado para a operação sob seu comando, ela continua entregando quase metade de seu salário de 2.700 reais à causa pela preservação do atol. O dinheiro paga as pilhas das lanternas que sua equipe utiliza quanto está lá e pelo seu equipamento pessoal de mergulho.

Manoel Francisco Brito – Jornalista. Diretor de O ECO
Fonte: Revista Eco 21, Ano XIV, Edição 95, Outubro 2004. (www.eco21.com.br)