Há 50.000 anos, alguns homens deixaram suas marcas em pinturas e gravuras feitas em pedras e paredes rochosas. As pinturas e gravuras rupestres datam de 12.000 anos e estão espalhadas em setecentos sítios arqueológicos. São 214 quilômetros de perímetro que abrigam indícios da presença do homem pré-histórico nas Américas.
Falo do Parque Nacional da Serra da Capivara, Patrimônio Cultural da Humanidade segundo a UNESCO, com o mesmo grau de importância da Catedral de Notre Dame. O Parque Nacional da Serra da Capivara fica na cidade de São Raimundo Nonato, a sudeste do Piauí, distante 300 quilômetros de Petrolina e 530 de Teresina, com uma superfície de 97.933 hectares e um perímetro de 300 quilômetros.
Hoje estão ali 33 espécies de mamíferos não-voadores, 24 de morcegos, 208 espécies de aves, 19 de lagartos, 17 de serpentes, 17 de rãs e sapos e mais de 1000 tipos de plantas.
Há 5 anos visitei a região com meu filho Leonardo, então com 10 anos. O garoto, impressionado com os desenhos antiqüíssimos, os copiou num bloco. Ao aprontarmos as malas, me pediu que os deixasse com alguém de lá. Toquei a campainha da Fundação Museu do Homem Americano e fui atendido pela antropóloga Niède Guidon. Sensibilizada com o pedido do menino (que escrevera junto aos desenhos que “não deixassem apagá-los”), Niède nos convidou para um café. Foi então que conheci, de perto, a batalha da incansável professora e de sua fantástica equipe de colaboradores.
Num tempo não muito longe, a caça aos animais silvestres era incentivada, assim como a exploração de cal em barrancos pré-históricos. Um trabalho constante e árduo vem sendo feito para proteger, preservar e mantê-los. Tarefa difícil que muitas vezes vai contra os interesses econômicos de alguns poucos homens.
No início de Setembro, encontrei-me novamente com Niède Guidon, agora em São Paulo. Disse-me que o Parque Nacional continuava lutando para sobreviver. Há, por exemplo, verba para a criação de um aeroporto – essencial para que a região explore o turismo, mantendo-se auto-suficiente – disponível em Brasília, mas o governo alega estar sem caixa para repassá-la.
A fundação que ela preside tinha a promessa de obter recursos para o manejo do Parque Nacional através da Sudene. O órgão pediu uma série de ações. Todas foram seguidas à risca. Meses depois, FHC extinguiu a Sudene. Outra vez o parque ficou a ver navios e não aviões.
Cansada de bater em portas governamentais (inclusive porque o ministro da Cultura nunca visitou o local em oito anos de governo), Niède vai iniciar uma nova luta: convencer o empresariado de que o Parque Nacional Serra da Capivara é um excelente negócio. Para tanto, a fundação tem projetos arquitetônicos aprovados para a construção de hotéis e lodges, um parque temático chamado Arkeópolis, onde o turista conhecerá a região de forma lúdica e até poderá fazer sobrevôos em dirigíveis sobre cânions e outras formações rochosas.
Fica nesse espaço de discussão o registro da luta da Fumdham pela dignidade desse espaço brasileiro por excelência. E que nosso futuro presidente comece seu mandato fazendo uma grande festa em São Raimundo Nonato, em plena caatinga. Não pelos quinhentos anos do Brasil, como fez seu antecessor. Mas pelos quinhentos séculos de povo brasileiro.
O que era caatinga, o que era vegetação, será apenas deserto.
Carlos Castelo Branco
Fonte: Revista Eco 21, ano XII, Nº 74, janeiro/2003.