O processo de reforma tributária, ora em discussão no Congresso Nacional, contempla a proposta aqui desenvolvida para introduzir o Princípio do Poluidor/Usuário Pagador na forma de tributação ambiental. A idéia é discutir aspectos teóricos e conceituais, bem como questões concretas sobre a viabilidade de sua efetiva implementação no Brasil. Se devidamente aplicados, estes instrumentos tributários permitirão reduzir os conflitos entre crescimento econômico e proteção ambiental.
O Brasil tem uma legislação ambiental bastante avançada no contexto dos países em desenvolvimento, traduzindo uma crescente preocupação com o meio ambiente e a percepção de que o crescimento futuro dependerá das condições ecológicas preservadas. No entanto, em muitos casos atingir metas ambientais significa retirar no curto prazo recursos econômicos de investimentos produtivos ou aumentar custos de produção presentes.
A garantia de um meio ambiente saudável pode assim exigir sacrifícios de curto prazo e gerar custos políticos elevados, uma vez que é difícil para qualquer sociedade assumir a decisão intertemporal de sacrificar o presente em troca de um futuro mais sustentável.
Neste sentido, há que se engendrar formas que reduzam o custo de introdução destas restrições ecológicas nas estratégias de crescimento econômico e que conseqüentemente ofereçam uma conciliação menos dolorosa entre o presente e o futuro.
O processo de reforma tributária ora em discussão no Congresso Nacional oferece uma oportunidade única para se introduzirem instrumentos tributários na consecução dos objetivos de política ambiental. O objetivo deste documento é discutir alguns aspectos teóricos e conceituais destes instrumentos, bem como questões concretas sobre a viabilidade de sua efetiva implementação no Brasil. Nossa hipótese de trabalho sugere que, se devidamente aplicados, os instrumentos tributários permitirão tornar o menos custoso possível os “trade-offs” entre crescimento econômico e proteção ambiental.
O uso dos recursos ambientais freqüentemente gera externalidades negativas intra e intertemporais. Os usuários destes recursos não internalizam nas suas decisões privadas estes custos externos, e os preços de mercado não captam o verdadeiro valor econômico (social) daquele uso dos recursos. É necessário, portanto, se alterar o preço (custo) de utilização dos recursos ambientais internalizando as externalidades e, assim, afetando seu nível de utilização (demanda).
A literatura econômica postula que este sobre-preço seja exatamente o valor da externalidade gerada, chamando-o de imposto pigouviano: para sua determinação, é preciso identificar estes custos externos que, somados ao preço de mercado, representam o preço social do recurso. A determinação deste sobre-preço é obviamente uma tarefa difícil que enfrenta inúmeros problemas de mensuração, e de fato nunca foi implementada na sua forma pura. Na prática, o caminho é inverso: a sociedade define politicamente um nível agregado de uso dos recursos ambientais e cria instrumentos para atingir estes níveis. Estes instrumentos são denominados de instrumentos econômicos precificados e aplicam o “princípio do poluidor/usuário pagador”: seus fundamentos são os adotados na proposta de tributação ambiental aqui analisada, sendo também adotados por todos os países da Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento – OECD.
Estes instrumentos apresentam vantagens e desvantagens. Este trabalho argumenta que a introdução deste Princípio através da Reforma Tributária ora em discussão no Congresso Nacional propiciará enormes avanços no sistema de gestão ambiental do País e, ao mesmo tempo, poderá se manter em perfeita consonância com os princípios tributários adotados.
Embora sejam menos eficientes que as teóricas taxas pigouvianas – dado que a meta ambiental não é definida na comparação de custos e benefícios sociais -, por outro lado são custos-efetivos pois incentivam a uma maior redução do nível de uso (controle) justamente por aqueles usuários que tem menores custos para realizar estas reduções. A tributação ambiental cria uma nova receita que pode ser encarada como um bônus extra da tributação, pois pode permitir a redução do esforço fiscal ao cobrir gastos antes realizados com recursos governamentais. Ou seja, é também o modo mais eficiente de mudar a carga fiscal das “coisas boas”, como o capital e o trabalho, para as “más”, como a poluição e a exaustão dos recursos naturais.
Os aspectos técnicos fundamentais que balizaram a formulação da proposta foram: a) A Constituição Federal de 1988 possui um capítulo tributário com vistas a disciplinar a criação de tributos. Dessa forma, a criação de um tributo ambiental terá que obedecer estes parâmetros constitucionais; e, b) A tributação ambiental teoricamente desejável deve: 1) atender a objetivos extra-fiscais (visar mudança de comportamento dos poluidores e não prioritariamente a arrecadação); 2) ter fato gerador e as bases de cálculo de tipologia aberta (flexíveis no tempo e no espaço); e, 3) ser de competência dos três níveis de governo.
A conciliação destes parâmetros teóricos e constitucionais, à luz da tradição tributária brasileira, definirá a inserção de uma nova figura no Capítulo Tributário da Constituição para configurar a possibilidade de tributação ambiental.
Nossa análise dos tributos previstos na Constituição Federal indicou que:
- Impostos em geral são aplicados com base na capacidade contributiva dos agentes econômicos e, portanto, seriam de difícil aplicação no caso ambiental, o qual deve estar relacionado com impacto ambiental. O imposto sobre valor adicionado apresentado no substitutivo
- IVA que eventualmente substituirá o ICMS e o IPI – incide somente sobre bens e serviços e, portanto, elimina a possibilidade de atuar diretamente sobre as fontes de degradação, tais como emissões de poluentes ou uso final de recursos naturais.
- As taxas teriam que estar relacionadas com as necessidades de receita do poder de polícia ou de prestação do serviço público na área ambiental. Dessa forma, não seria possível aplicar o princípio do incentivo à mudança de comportamento dos agentes, embora possam ser importantes para fins de financiamento ambiental.
- A União detém a competência privativa de instituir contribuições de intervenção no domínio econômico e as contribuições sociais na consecução de objetivos de política nas duas áreas. Caso esta figura tributária fosse expandida para a área ambiental poderia ser adequada para os propósitos aqui enunciados de tributação ambiental que exigem associações a objetivos de política e tipologia aberta. Entretanto, sua competência restrita à União reduz sua eficiência espacial.
Com base nestes fundamentos e aspectos técnicos, a proposta enviada ao Relator da Comissão Especial da Reforma Tributária da Câmara dos Deputados foi acatada e tomou a seguinte forma:
“Art. 149: Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção ambiental, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observando o disposto nos Artículos. 146, III e 150, I e III.
§1º As contribuições sociais…
§2º As contribuições de intervenção ambiental poderão ter fatos geradores, alíquotas e bases de cálculo diferenciados em razão do grau de utilização ou degradação dos recursos ambientais ou da capacidade de assimilação do meio ambiente”.
Uma vez introduzido o princípio do poluidor/usuário-pagador no Capítulo Tributário, será necessária uma legislação específica para aplicar um tributo ambiental; e, assim, várias questões relativas a esta regulamentação se levantam:
1) Aplicação: níveis de poluição fora das normas de emissão configuram um ato ilícito. A doutrina tributária estabelece que não se pode tributar sobre um fato ilícito. Assim sendo, a criação do tributo seria admitida somente quando a norma ambiental o exigisse para aquele caso e para aquele meio afetado, e sua incidência seria somente sobre os níveis de uso ou de poluição permitidos por lei.
2) Questão espacial e de competência: embora o substitutivo aprovado preveja que a contribuição ambiental é de competência exclusiva da União, isto não impede que ela seja aplicada diferencialmente no espaço. O que a competência exclusiva pretende é atribuir somente à União a iniciativa tributária. Tecnicamente, a tipologia aberta da contribuição permite tributar de acordo com a capacidade de assimilação do meio ambiente, abrindo possibilidades de atuar localmente. Esta exclusividade de competência, no entanto, deverá criar custos políticos pois os Estados deverão almejar a mesma competência tributária.
3) Destino e rateio das receitas: o destino e o rateio da receita da contribuição estão propositadamente em aberto na proposta pois o objetivo prioritário desta contribuição é o de incentivo de controle não o de arrecadação fiscal. Quando da sua efetiva aplicação, o destino e o rateio da receita poderão variar caso a caso.
4) Questão da competitividade: é lugar comum alegar que a competitividade da economia brasileira seria prejudicada no caso de que se introduzam tributos ambientais.
Para as metas ambientais serem cumpridas convém que o instrumento utilizado seja aquele que ofereça o menor custo de implementação, logo o que estaria em eventual conflito seriam as metas ambientais e não o instrumento tributário per se. Ademais, considerando-se as atuais tendências de se incorporar cada vez mais a variável ambiental nas questões de comércio internacional, a existência de tributos ambientais não só reduziria os custos de controle ambiental, como geraria adicionalmente uma imagem ambiental positiva para o País.
5) A questão dos subsídios: apesar de, no curto prazo, os subsídios induzirem o mesmo nível de controle ambiental que os tributos, seu financiamento é formado de saques da arrecadação tributária total e, portanto, ou terminariam por impor aumentos na carga fiscal ou por reduzir gastos governamentais em outros setores, onerando os contribuintes; no longo prazo, os subsídios estimulam as atividades intensivas em uso de recursos ambientais e retardam o avanço tecnológico.
Embora a contribuição ambiental não priorize a geração de receitas fiscais, existirá uma receita que poderá ser usada tanto para fins sociais como também para reduzir a carga fiscal de outro tributo.
Inúmeras são as possibilidades de sua aplicação para ajudar na solução dos problemas ambientais no País, variando desde uma contribuição paga devido ao uso de madeira de floresta nativa que varia de acordo com a prática de manejo adotada na extração, até uma contribuição incidente sobre combustíveis, variando de acordo com seu potencial poluidor.
Sua aplicação será também apropriada em casos mais localizados onde, por exemplo, se atinja uma concentração total de poluentes ou de nível de uso acima do desejado, embora todas as atividades estejam devidamente licenciadas. A contribuição seria aplicada para incentivar reduções individuais mais significativas das fontes emissoras e/ou usuárias que contribuíssem para atingir níveis agregados mais satisfatórios.
Seja qual for o objeto da aplicação, sua regulamentação terá que ser discutida em profundidade, analisando detalhadamente os aspectos econômicos e ambientais que aqui foram indicados de forma que a tributação ambiental seja realmente eficiente e gere os benefícios sociais esperados. Esta nova etapa, contudo, só poderá ser iniciada com o entendimento e aceitação do princípio da tributação ambiental no Capítulo Tributário da Constituição Federal.
Nota:
Taxas pigouvianas: nas quais um ator causa um efeito físico sobre outro.
Arthur Cecil Pigou (1877-1959) foi catedrático de Economia Política na Universidade de Cambridge, desafiou a tradição neoclássica relativa à substituição da ação industrial privada pelo Estado, na esfera econômica.
Outro assunto que mereceu a atenção de Pigou foi o significado social das indústrias de custos crescentes e decrescentes, bem como o uso de um sistema de tributos e de subsídios para regular sua produção, evitando-se a excessiva atração de investimentos pelas indústrias de custos crescentes ou o subinvestimento pelas de custos constantes ou decrescentes.
Ronaldo Seroa da Motta – Coordenador de estudos ambientais do IPEA e professor da Universidade Santa Úrsula
Com a colaboração de:
José Marcos Domingues de Oliveira – Professor Titular de Direito Financeiro da UERJ; e Sergio Margulis – Economista Senior d