Nos vinte anos decorridos desde a Lei nº 6.938, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente e o CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente, ocorreram no Brasil, mudanças expressivas, entre as quais ressaltam:
- A Constituição Federal de 1988 ampliou a visão sobre a política ambiental;
- O Ministério Público tornou-se um ator relevante, cobrando dos governos e dos empresários para que exerçam suas responsabilidades;
- A Rio-92 trouxe grande exposição ao tema ambiental, que se incorporou nas múltiplas decisões das políticas públicas e empresariais, associado à proposta de desenvolvimento sustentável;
- Governos locais e estaduais passaram a encarar suas responsabilidades na ação sustentável e tomam iniciativas para elaborar suas Agendas 21 locais, por meio de planejamento estratégico e participativo;
- As ONGs se multiplicaram, desde aquelas com ações locais e pontuais até as que se tornaram representantes desse segmento nos conselhos municipais, estaduais e no Conselho Nacional do Meio Ambiente;
- Os conflitos e disputas em torno da apropriação dos recursos naturais se exacerbaram devido aos padrões insustentáveis de consumo;
- O meio ambiente passou a mobilizar, cada vez mais, interesses conflitantes no Governo, nas empresas e no terceiro setor, interesses que precisam ser levados em conta na tomada de decisões da política ambiental.
Nesses vinte anos, a federação brasileira também se modificou, com a criação de novos estados, que hoje totalizam 27 incluindo o Distrito Federal – e novos municípios, que totalizam mais de 5500.
O SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente, tal como concebido na lei da Política Nacional do Meio Ambiente, estrutura-se no âmbito federal, dos estados e municípios, com conselhos de meio ambiente em cada um desses níveis, cada qual com sua secretaria executiva. Seu funcionamento permite melhorar a gestão ambiental e elevar o nível de consciência social sobre a centralidade das questões ambientais, que deixaram de ser periféricas ou marginais, para se localizarem cada vez mais próximas dos centros estratégicos de decisões na esfera das organizações públicas e privadas.
A política e a gestão ambiental envolvem atores múltiplos, com interesses e motivações distintos, muitas vezes divergentes e contraditórios, o que exige do gestor ambiental capacidade de produzir convergências e consensos, de mediar e resolver conflitos.
Numa sociedade como a brasileira, caracterizada por grandes desigualdades, a promoção do entendimento e de convergências entre partes dispares é um exercício, freqüentemente penoso, de educação para a cidadania, para a paz e não somente para a gestão ambiental.
A institucionalização de espaços adequados para a mediação e negociações de conflitos, bem como a promoção do diálogo social e político, torna-se cada vez mais necessária para reduzir a ocorrência de conflitos violentos.
A gestão ambiental colegiada é uma forma eficaz de promover a responsabilidade compartilhada, coletiva e democrática e de favorecer a sustentabilidade institucional.
Entre as virtudes dos conselhos de meio ambiente incluem-se seu poder, legitimidade, representatividade, funcionalidade, eficiência de sua secretaria executiva, transparência e participação consciente. Além de seus papéis e atribuições legais, constituem um espaço institucional aglutinador, catalisador e articulador de atores e de política.
Os Conselhos constituem instância legitimante de decisões, participam da regulamentação e tem competência para atuar dentro dos princípios e bases que a lei fixar. Vários dos Conselhos de Meio Ambiente no Brasil tem funções e atribuições de formular política e seus instrumentos – normas e regulamentos, na forma de resoluções e deliberações normativas. Também tem papel indicativo, ao aprovarem proposições a serem encaminhadas ao Congresso, ou moções a serem encaminhadas a autoridades responsáveis.
Os Colegiados facilitam a negociação de normas, que podem ser voluntárias ou serem impositivas, aprovadas por Lei, com sanções e penalidades caso não sejam respeitadas.
Em sua maior parte, não alocam recursos financeiros nem administram fundos para projetos; alguns tem competência para autorizar empreendimentos de acordo com as normas de licenciamento ambiental e para aplicar penalidades e multas, como instâncias de recursos às quais se pode apelar quando uma decisão tomada tiver prejudicado uma das partes.
O funcionamento dos colegiados, nos municípios, estados ou governo federal suplementa as Câmaras de Vereadores, Assembléias Legislativas e o Congresso Nacional, que se ocupam de temática variada e não tem condições de dedicar-se a fundo aos temas ambientais. Trata-se de atividade normativa que não substitui o poder legislativo, mas que detalha e regulamenta a legislação ambiental.
As questões tratadas nos conselhos de meio ambiente têm interfaces com as demais áreas e conselhos setoriais, já que todas e cada uma das atividades humanas e das políticas públicas têm uma dimensão ambiental, tais como as políticas de desenvolvimento social, cultural, educacional, saúde e segurança; desenvolvimento econômico, regional, rural e urbano; infra-estrutura de energia, viária, de saneamento ou telecomunicações; indústria e comércio; desenvolvimento institucional, agropecuário, científico e tecnológico.
Os Conselhos funcionam em muitos estados e municípios da federação brasileira, com funções deliberativas, normativas e, em alguns casos, de licenciamento e de fiscalização ambiental.
A estrutura de apoio técnico, administrativo e jurídico aos colegiados precisa alimentá-los com informações de boa qualidade para a tomada de decisões. Para tanto é necessário mobilizar informação técnica consistente e acessível, que facilite a participação da sociedade na formulação e implementação da política ambiental. Informar prévia e amplamente é um pré-requisito para a participação cidadã, e ajuda a melhorar qualitativa e quantitativamente o processo de decisão colegiada. Tal abertura e transparência facilitam a implantação de uma cultura administrativa e gerencial democrática para a política ambiental.
Nas duas últimas décadas, os conselhos ambientais prestaram relevante serviço à política ambiental brasileira, tendo definido políticas, editado resoluções e deliberações que regulamentaram temas críticos. O modelo participativo de funcionamento dos conselhos de meio ambiente do Brasil produziu condições de diálogo social e de transparência na tomada de decisões. Num campo no qual as controvérsias são freqüentes, sendo divergentes os interesses políticos e econômicos dos vários atores, a criação e consolidação de espaços institucionais abertos à livre expressão, é uma forma adequada de organização e de fazer a política ambiental.
Esse design institucional ajuda na democratização, facilita a produção de convergências e consensos, a negociação de interesses, a formação da consciência ambiental, de confiança no diálogo, bem como a produção de normas, resoluções e deliberações resultantes de pactos construídos com legitimidade social e política. Por suas qualidades, o sistema de colegiados ambientais brasileiros é um modelo inspirador de políticas públicas democratizadas.
O CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente – é o coração do Sistema Nacional do Meio Ambiente. O CONAMA tem prestado serviços à Sociedade e ao Governo tornando-se um atuante e respeitado órgão colegiado, tendo se transformado numa espécie de Parlamento do Meio Ambiente.
Algumas das quase 300 Resoluções aprovadas pelo Conselho contribuíram para mudar padrões de produção e consumo, como são os casos da Resolução que instituiu o Programa Nacional de Controle da Poluição por Veículos Automotores – PROCONVE e daquela que instituiu para os procedimentos de licenciamento ambiental, os Estudos de Avaliação de Impacto Ambiental e os Relatórios de Impacto sobre o Meio Ambiente – EIA-RIMA.
As resoluções constituem uma referência nacional no Brasil e servem para balizar as ações nos estados e nos municípios. Resoluções sobre padrões de qualidade de água, sobre licenciamento ambiental, sobre unidades de conservação, entre tantos outros temas, são adequadas às realidades estaduais e locais por meio de deliberações normativas dos conselhos nessas esferas. Desta forma, cria-se um denominador comum amplo, que confere unidade à regulação ambiental no Brasil, permitindo, ao mesmo tempo, sua adaptação à variedade de situações regionais, estaduais e locais.
O CONAMA desempenha vários papéis: promove a articulação entre vários atores e abre espaço de diálogo entre partes desiguais. Por sua credibilidade e representatividade, tem papel catalisador e autoridade para convocar e atrair a participação dos interessados. O Conama tem papel pedagógico: por meio de grupos de trabalho e câmaras técnicas, soma múltiplas iniciativas na construção de um projeto de sociedade e de uma cultura ecologizada. Esse trabalho em escala micro-molecular, ajuda a internalizar considerações ambientais e uma visão ecologizada em cada área setorial saúde, desenvolvimento agrário, indústria e comércio exterior, transportes, energia, entre outras. Nesse sentido, o CONAMA é uma escola de ecologização no seio da administração pública.
O CONAMA oferece espaço institucional para articular e coordenar ações. Ele também regula o tempo de decisão, ao fixar os ritmos em que as câmaras e grupos de trabalho devem produzir os resultados.
Para facilitar o processo decisório aberto e participativo, as reuniões dos grupos de trabalho, das câmaras técnicas e do plenário do CONAMA são abertas a todo e qualquer interessado. Seu calendário é divulgado previamente, no site do MMA e em boletins, e têm acesso a elas, todas as partes interessadas nos temas em discussão, bem como os jornalistas que fazem a cobertura das reuniões e as divulgam.
Cada uma das câmaras técnicas e grupos de trabalho desempenha um papel educativo, de intercâmbio de conhecimentos, de informações e de educação para a cidadania e para a resolução dos conflitos inerentes à apropriação e uso dos recursos naturais.
O CONAMA tem as suas células básicas nos grupos de trabalho. Para funcionarem eficazmente e com agilidade, os grupos de trabalho precisam ser alimentados com propostas técnicas consistentes, elaboradas pelos órgãos que dão sustentação técnica ao conselho. O grupo de trabalho é necessariamente aberto. Deve ter a presença, no nascedouro, daqueles que têm conhecimento especializado e visão crítica, para incorporá-los na elaboração das normas. Os grupos de trabalho não excluem qualquer ator importante e são abertos à participação da imprensa e de cidadãos interessados.
Os grupos de trabalho constituem o início da linha de montagem de resoluções e normas, cuja decisão final é tomada pelo plenário. O grupo de trabalho é uma incubadora de idéias, nivela informações, promove o entendimento e a confiança entre partes distintas e alimenta as câmaras técnicas com propostas de resoluções.
Preferencialmente, as discussões evoluem por consenso e, nos casos em que não houver tal convergência, devem ser registradas as duas ou mais alternativas a serem levadas à câmara técnica, na qual os conselheiros tomarão as decisões considerando as alternativas levantadas.
Ouvir, absorver propostas e selecionar aquelas que são coletivamente aceitas é uma característica necessária do Conselho, que atua sem exclusão, discriminações ou veto à palavra de quem quer que seja.
Nessa atmosfera de liberdade, há um clima favorável para a expressão pessoal. A inteligência coletiva é exercitada. Cria-se uma sinergia que aproveita as boas idéias e as transforma em normas e resoluções para serem cumpridas coletivamente. Garantir as condições para a livre expressão é um requisito para que o processo produza bons resultados, fundindo as propostas individuais num resultado que se torna patrimônio de todos.
A interação de pessoas que se expressam livremente e sem constrangimentos resulta num produto de boa qualidade quando há integração do conhecimento técnico, de habilidades gerenciais e do conhecimento do senso comum, voltados para objetivo convergente. Os resultados do método de trabalho do CONAMA são resoluções com um alto conteúdo de participação direta da sociedade, diferentemente de outros métodos de regulação mais tecnocráticos e menos permeáveis a tal participação.
O CONAMA exerce papel relevante não apenas na política ambiental brasileira, mas como propositor e indutor de propostas que possam construir para sustentabilidade de nosso desenvolvimento.
O CONAMA constitui instrumento fundamental para promover mudanças de comportamento, no sentido de construir uma sociedade e uma cultura sustentáveis e que levem a maior justiça social e eqüidade econômica.
Maurício Andrés Ribeiro – diretor executivo do CONAMA
Site www.wwiuma.org.br