Do Rio a Johanesburg – Conscientização Crescente, Reação Arrastada

WASHINGTON, 02 de março 2002

Em agosto, dez anos após a Cúpula Mundial no Rio, as Nações Unidas irão novamente patrocinar uma reunião global, a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, em Johanesburg. A Cúpula Mundial proporciona aos líderes mundiais uma oportunidade histórica de um novo acordo para um mundo social, ambiental e economicamente sustentável uma oportunidade que não podem deixar passar.

A conscientização das ameaças aos ecossistemas da Terra aumentou desde o Rio, porém, em muitos casos, nossa reação a esta conscientização crescente tem sido muito lenta. Ainda estamos longe de acabar com a marginalização econômica e ambiental que aflige bilhões de pessoas. O abismo entre ricos e pobres se alarga em muitos países, solapando a estabilidade social e econômica, enquanto crescem as pressões sobre os sistemas naturais do mundo.

Este é o primeiro de uma série de boletins temáticos do WWI-UMA a ser publicado até a Cúpula Mundial. Descreve lições-chave aprendidas durante a última década sobre desafios ambientais e sociais selecionados, metas estabelecidas para lidar com estes desafios e avanços, quando existentes, na consecução destes objetivos.

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Mudança Climática

O que o mundo aprendeu: Em 1996, o painel científico formado pelas Nações Unidas divulgou que uma “influência humana perceptível” era evidente no clima mundial em transformação. Em 2001, o painel foi mais conclusivo: a maioria do aquecimento observado durante os últimos 50 anos, provavelmente foi causada pelo aumento das concentrações de gases de estufa.

Que metas foram estabelecidas: Na Rio-92, 170 nações concordaram em reduzir voluntariamente as emissões de gases de estufa para os níveis de 1990. Em meados da década, estavam em andamento negociações para reduções obrigatórias nas nações industrializadas, para 6-8% abaixo dos níveis de 1990, culminando com o Protocolo de Kyoto, em 1997. Enquanto isto, o painel climático da ONU declarou que a estabilização do clima exigiria reduções de emissões de 60-80%.

O que aconteceu: As emissões globais de carbono aumentaram 9%, entre 1992 e 2001. Nos Estados Unidos, cresceram 18%. A retirada dos Estados Unidos do Protocolo, em 2001, e a decisão do Presidente Bush, em 2002, de se valer apenas de medidas voluntárias de eficiência para o controle das emissões, provavelmente resultarão em maiores aumentos das emissões deste país, até 2010.

Perdas de Espécies

O que o mundo aprendeu: As pesquisas do “Livro Vermelho” da World Conservation Union revelaram em meados da década que 13% dos peixes, 11% dos mamíferos, 10% dos anfíbios, 8% dos répteis e 4% das aves, estavam sob risco imediato de extinção. Perdas de espécies, calculadas em 100 a 1000 vezes a taxa pré-industrial, levaram biólogos na década de 90 a descreverem a era contemporânea como de extinção em massa, a primeira em 65 milhões de anos. Perturbação dos habitats foi citada como a causa principal dos declínios.

Que metas foram estabelecidas: Durante a década, 182 países se tornaram parte da Convenção sobre Diversidade Biológica, uma das maiores conquistas da Rio-92. Estes países se comprometeram a seguir as amplas diretrizes para proteção da biodiversidade e desenvolver estratégias nacionais para tal. Governos nacionais também assumiram compromissos individuais ao longo da década para a proteção de importantes habitats, especialmente florestas.

O que aconteceu: As duas fontes mais ricas de biodiversidade florestas e bancos de coral sofreram danos crescentes nos anos 90. A área florestal, conforme a Organização de Alimentos e Agricultura, contraiu em 2,2% na década (uma estimativa conservadora pois inclui florestas plantadas, precárias em termos de habitat). E a área de bancos de coral considerada como gravemente degradada, aumentou de 10% em 1992 para 27%, em 2000. Enquanto isto, apenas 38% das partes da Convenção de Biodiversidade apresentou estratégias nacionais de conservação.

Escassez Hídrica 

O que o mundo aprendeu: Legisladores e ativistas começaram a questionar a alta dependência de barragens, canais de irrigação e outros grandes projetos de abastecimento de água. Em seu lugar, os pesquisadores desenvolveram o conceito de gestão hídrica integrada, combinando a atenção à obtenção de suprimento com uma crescente eficiência hídrica, atendendo às necessidades básicas humanas e atribuindo à água seu devido valor cultural, econômico e ambiental.

Que metas foram estabelecidas: A Agenda 21, o plano de ação que emergiu da Rio-92, juntamente com as declarações das reuniões, em 1994 e 1998, da Comissão das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, recomendaram a adoção de uma gestão hídrica integrada e maior atenção às necessidades hídricas dos pobres.

O que aconteceu: Os avanços na garantia do acesso à água pura e saneamento foram impressionantes em termos absolutos, porém mal acompanharam o crescimento populacional; mais de 1,1 bilhão de pessoas ainda não dispõem de acesso à água potável. E a água ainda é largamente mal administrada; aqüíferos, por exemplo, estão sendo exauridos nas principais regiões agrícolas, chegando a ponto de colocar em risco a produção sustentada de 10% da oferta mundial de grãos. Um número crescente de rios, incluindo o Amarelo, Indus, Ganges e Colorado, hoje seca em determinadas épocas do ano. E os planejadores hídricos em geral desconsideram valores ambientais, sociais e econômicos no seu planejamento, levando a desperdícios e degradação em larga escala.

Má nutrição

O que o mundo aprendeu: A má nutrição envolve mais do que carência de calorias: deficiência de vitaminas e minerais pode causar retardo mental, cegueira e outros problemas de desenvolvimento. E o consumo excessivo de açúcar e gordura, uma forma acelerada de má nutrição, leva à obesidade e aumento do risco de doença cardíaca, câncer, diabetes e outras enfermidades crônicas. Enquanto isto, os nutricionistas reconhecem que a fome, a forma mais aguda de má nutrição, é freqüentemente causada pela pobreza e não, simplesmente, pela insuficiência de abastecimento.

Que metas foram estabelecidas: Na Cúpula Mundial de Alimentação em Roma, em 1996, 185 países e a União Européia se comprometeram a reduzir pela metade o número de pessoas famintas, até 2015.

O que aconteceu: De acordo com o próprio levantamento da Organização de Alimentos e Agricultura, o número de famintos no mundo caiu 6 milhões por ano, desde a Cúpula de 1996, muito aquém da redução anual de 22 milhões, necessária para atingir o objetivo de 2015. Enquanto isto, cerca da metade dos adultos em muitos países industrializados está com excesso de peso, e muitas nações em desenvolvimento registraram aumentos substanciais na população acima do peso. Como conseqüência parcial, casos de diabetes quintuplicaram globalmente, para 150 milhões, entre 1985 e 2000.

Doenças Infecciosas

O que o mundo aprendeu: Boa saúde requer não apenas acesso a tratamento médico, mas também um meio ambiente natural e social robusto. Aproximadamente 80% de todas as doenças nos países em desenvolvimento, por exemplo, advém do consumo de água contaminada. Calcula-se, também, que a poluição atmosférica causa 5% das mortes mundiais, anualmente.

Que metas foram estabelecidas: As metas da saúde, estabelecidas na Agenda 21, incluem acesso universal à água potável e saneamento, reduções de 50 a 70% de mortes por diarréia, e reduções de 95% nas mortes por sarampo, até 1995.

O que aconteceu: Mortes causadas por quatro das seis principais doenças infecciosas, inclusive diarréia e sarampo, caíram durante a década, embora muito abaixo dos níveis objetivados. Estes ganhos foram mais do que neutralizados pelo aumento sêxtuplo de mortes pela AIDS. Água e saneamento foram mais disponibilizados, como observado, porém mais de 1,1 bilhão de pessoas ainda não tem acesso à água pura e 2,4 bilhões à saneamento adequado.

Educação

O que o mundo aprendeu: Ao longo da década, os pesquisadores demonstraram que educação era uma área de investimento de alta alavancagem, essencial à agenda para o desenvolvimento sustentável. Crianças que freqüentam escolas têm, em geral, melhores níveis de saúde e nutrição e menores taxas de pobreza, ao longo de sua existência. E moças instruídas provavelmente terão menos filhos e maiores oportunidades econômicas.

Que metas foram estabelecidas: Em 1990, 155 nações participantes da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, patrocinada pela UNESCO, se comprometeram a proporcionar acesso universal à educação primária, redução pela metade da taxa de analfabetismo adulto até 2000, e acabar com a desigualdade de gênero na alfabetização. Um compromisso à educação básica foi endossado em 10 outras conferências internacionais de grande importância durante a década de 90, inclusive a Rio-92.

O que aconteceu: O número global de crianças não-matriculadas caiu de 127 milhões em 1990, para 113 milhões em 1998, e a parcela global de adultos analfabetos também diminuiu, de 24,8% para 20.6%. Não obstante, estas conquistas estão muito aquém das metas estabelecidas em 1990: um em cada seis adultos ainda não sabe ler nem escrever, e o número de mulheres analfabetas aumentou ao longo da década.

Pobreza

O que o mundo aprendeu: O Banco Mundial e outras entidades internacionais adotaram uma definição de pobreza que vai além da carência de renda para incluir outros itens essenciais ao bem-estar da humanidade, especialmente saúde e educação. Mas, a renda como medida da pobreza ainda é relevante, e grave: 2,8 bilhões de pessoas vivem com menos de 2 dólares por dia.

Que metas foram estabelecidas: Os líderes mundiais se comprometeram a reduzir a pobreza e as disparidades agudas entre ricos e pobres. Em 1998, num relatório conjunto, a OCDE, Nações Unidas, Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial se comprometeram a reduzir pela metade a pobreza, até 2015, e a reduzir a mortalidade infantil e materna, entre outros objetivos.

O que aconteceu: A parcela da população mundial que sobrevive com um dólar ou menos por dia, caiu de 29% em 1990, para 24% em 1998. Mesmo assim, 1,2 bilhão continua abaixo deste limiar. A mortalidade infantil entre crianças abaixo de 5 anos caiu de 86 mortes por 1000 crianças, em 1990, para 78 mortes em 1999. A desigualdade permaneceu como regra gritante: o bilhão mais rico recebe 78% da renda mundial. Em 1999, a mortalidade infantil foi mais de 19 vezes maior nos países de baixa renda em comparação às nações ricas.

Economias de Uso e Descarte

O que o mundo aprendeu: O consumo global de metais, minerais, madeira, plástico e outros materiais aumentou cerca de 2,4 vezes, entre 1960 e 1995. A “pegada ecológica,” uma ferramenta conceitual que surgiu em meados da década para fornecer uma medida aproximada do impacto ambiental do consumo de materiais, alimentos e combustível, demonstrou que seria necessário 3 Planetas Terra para sustentar o mundo no nível de consumo americano.

Que metas foram estabelecidas: Um grupo crescente de pesquisadores propôs estratégias economicamente viáveis de redução do uso de materiais em até 90%, nos países industrializados. Sugestões criativas incluíram a coleta e reutilização de resíduos fabris, desenho de duráveis como copiadoras e automóveis para serem refabricados, responsabilizar perpetuamente os fabricantes pelos materiais que enviam para o mundo e, quando possível, atender as necessidades do consumidor com serviços como transporte de massa, ao invés de bens intensivos em materiais, como automóveis.

O que aconteceu: As taxas de reciclagem aumentaram para descartáveis domésticos em muitos países, porém estagnaram em 30-50% nos países industrializados. Declínios per capita no uso de materiais e em materiais necessários para gerar um dólar do PIB, foram animadores, porém o uso e extração total de materiais virgens continuam a crescer. Em 2001, foi concluído um tratado para eliminar o uso de 10 produtos químicos tóxicos de longa vida, e para reduzir as emissões de dois subprodutos industriais, porém ainda não entrou em vigor.

Gary Gardner
Fonte: WWI-Worldwatch Institute / www.wwiuma.org.br