Uma ética ambiental para o futuro

Cinqüenta e um anos depois da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o mundo necessita de uma nova declaração universal, desta vez de obrigações humanas, tanto dos indivíduos quanto dos estados, a fim de deter a progressiva deterioração do ambiente de nosso Planeta. Há no mundo milhares de organizações que atualmente se ocupam dos direitos das pessoas, mas somente um punhado está se preocupando com o estabelecimento de obrigações humanas.

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O primeiro resultado real nesta área, a Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, pode até mesmo ter sido insuficiente, mas deu uma idéia do quanto falta para ser feito em matéria de obrigações supranacionais relacionadas à salvaguarda do ambiente e dos recursos mundiais, e com a necessidade de dar uma base sustentável à vida humana e animal.

Até agora a regra de ouro de “não faça aos outros, o que não gostaria que fizessem a você” serviu como base para todas as éticas. Devemos transportar esta regra para as relações entre países ricos e pobres, e entre gerações.

Teríamos gostado se as pessoas que viveram neste Planeta há cem, mil ou cem mil anos tivessem depositado enormes quantidades de lixo nuclear no fundo do oceano ou em buracos, levando à extinção numerosas espécies de plantas e animais, ou queimado tanto carvão e petróleo como nós fazemos? Sendo assim, fica claro que não temos o direito de fazer o mesmo.

Como já foi corretamente observado, o Planeta Terra não é de nossa propriedade e nem o herdamos de nossos ancestrais. Na realidade, o estamos pedindo emprestado de nossos descendentes. Mas estamos deixando atrás nós um mundo que vale menos do que aquele que pedimos emprestado.

A nossa é a primeira geração que está afetando o clima terrestre e a última geração que não terá que pagar o preço por ter feito tal coisa. Tendo em vista o que está ocorrendo em nosso Planeta, nos atreveríamos a nascer na metade do próximo século?

Sabemos que estamos em uma rota de colisão com a natureza e de que modo devemos mudar nosso comportamento para evitar o desastre. Nosso sistema econômico está colocando em perigo a capacidade do Planeta de renovar-se a si mesmo. Muitas decisões estão sendo tomadas por pequenos grupos com a intenção de obter lucros em curto prazo sem levar em conta o que seria uma justa divisão dos recursos mundiais.

Se a cultura ocidental tivesse êxito em exportar sua ideologia consumista para a África, Índia, China e Sudeste Asiático, por exemplo, a catástrofe global seria inevitável. Certamente, a catástrofe já é uma realidade em muitos lugares.

As perguntas candentes a se fazer neste início de Século 21 são as seguintes:

Que mudança de consciência está faltando? Quais são as qualidades de vida mais importantes? Quais são os valores sustentáveis? O que é uma boa vida?

A questão já não é mais se necessitamos de uma nova ética global, mas sim como obter uma “ética para o futuro” e como ela pode ser assimilada de modo a levar a uma nova direção política. Hoje em dia muitas pessoas têm um bom conhecimento dos desafios que este mundo está enfrentando. Muitos, inclusive, talvez tenham o que se poderia chamar de uma consciência global, ou uma consciência ecológica. Os políticos também estão se dando conta do que está ocorrendo e de uma maneira muito melhor do que demonstram na prática.

Este é o paradoxo: sabemos que o tempo está se esgotando para nós, mas não agimos para mudar completamente as coisas antes que seja demasiado tarde. Estamos enfrentando o colapso do ambiente planetário. Mas onde está a vontade política? Que políticos se atreveriam a pedir um pequeno sacrifício a fim de adotar um novo e necessário curso para salvar o futuro de nossas crianças, da civilização e da dignidade humana?

Devemos lutar pela proteção do ambiente e por uma divisão mais eqüitativa dos recursos do planeta.

Diz-se que uma rã posta na água fervente saltará rapidamente para fora, mas se a água for aquecida gradualmente, ela não se dará conta do aumento da temperatura e tranqüilamente se deixará ferver até morrer. Que coisa semelhante possa estar ocorrendo à nossa geração com respeito à gradual destruição do ambiente é ainda algo a ser demonstrado ou desmentido. Uma coisa é certa: ninguém pode nos salvar a não ser nós mesmos.

O futuro não é algo que simplesmente acontece por si mesmo. Estamos criando o amanhã neste mesmo momento. Hoje em dia muitas pessoas sentem-se como meros espectadores dos fatos globais. Mas devemos aprender que todos nós somos atores e que estamos modelando nosso futuro agora mesmo.

Por Jostein Gaarder – Escritor, autor de “O mundo de Sofia”
Fonte: Revista Eco 21, ano XV, Nº 98, janeiro/2005.