Brasil, Economia Globalizada e Mudanças Climáticas

A ameaça das mudanças climáticas globais segue seu curso, apesar das nossas esperanças com o novo governo e perplexidades com os rompantes do cow-boy líder do império. Continuamos alterando o clima do Planeta com nosso estilo de produzir baseado em combustíveis fósseis, ao mesmo tempo em que vemos mais e mais ameaças à Convenção sobre Mudanças Climáticas, este maravilhoso instrumento desenvolvido pela diplomacia mundial para atacar o problema.

Está claro que, enquanto perdurar o Governo Bush, o Protocolo de Kyoto – a ferramenta executiva da Convenção sobre Mudanças Climáticas – está fadado à inércia, se não ao fracasso total.

Se não temos Kyoto, não temos o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nem os Créditos de Carbono, instrumento tão discutido por ambientalistas e economistas visionários, que permitiria a implementação de projetos de desenvolvimento sustentável que deslocassem o consumo de energias fósseis. Isto pelo menos oficialmente, pode até ser que um mercado paralelo de Créditos de Carbono floresça, certamente menor que o esperado.

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O novo governo brasileiro ainda não teve tempo de explicitar suas posições sobre o assunto, o que é uma oportunidade para rediscutir e eventualmente redefinir como o Brasil seguirá conduzindo as negociações climáticas.

O governo anterior baseou toda sua (bem sucedida) atuação no assunto na responsabilização dos países industrializados e na não internalização dos “custos” ambientais das mudanças climáticas. Estas linhas não são suficientes e, muitas vezes entraram em contradição com as políticas florestal e de energia. Lembremo-nos, por exemplo, do Plano Prioritário de Termelétricas armado como resposta ao possível apagão, que propunha um grande deslocamento de fontes renováveis em direção a fontes de energia fóssil.

Pois bem, qual alternativa negocial proporemos? Será que não está no momento de reavaliarmos a real encrenca que enfrentaremos no futuro próximo devido às mudanças climáticas? Quais as conseqüências destas para os nossos ecossistemas, as nossas populações e as possibilidades de inserção na economia globalizada? E também não seria o momento de desenvolvermos estratégias e políticas públicas para mitigarmos estes efeitos e, por que não, tomarmos proveito de nossas possibilidades naturais, econômicas e de conhecimento desenvolvido e aplicado?

Quais seriam os principais eixos de discussão para a formulação de um programa brasileiro que faça frente às questões colocadas no jogo das mudanças climáticas globais? Lembrando que a questão ambiental é política, já que se trata de decidir qual grupo social ou espécie apropria-se ou apropriar-se-á dos recursos naturais para seu proveito, são dois os principais eixos: o primeiro, internacional, de como o Brasil pode proteger a sócio-economia e a cultura nacional das conseqüências produzidas pelas mudanças climáticas; como tomar partido das oportunidades que aparecerão (e como passar ao largo dos problemas que certamente virão), como ter clareza das nossas vantagens e fraquezas e, principalmente, como desenvolver um projeto político para fazer frente a tudo isso.

O segundo, vinculado ao anterior, refere-se ao interior de nossas fronteiras, e passa por como continuar com o projeto de criação de uma sociedade mais equânime no meio de toda esta turbulência internacional, pois não podemos perder de vista as disparidades existentes na nossa sociedade e o quanto de mal estas trazem para todos nós, brasileiros, praticamente não importando a posição em que nos encontremos na pirâmide social.

Uma recente matéria do The Independent de Londres ilustra bem como a economia globalizada também acaba globalizando questões ambientais. Na matéria, Lester Brown, presidente do Earth Policy Institute – EPI e fundador do WWI-Worldwatch Institute, afirma que nunca um país enfrentou uma catástrofe ecológica potencial na escala da desertificação e das tempestades de poeira que assolam hoje a China. As causas? Segundo Brown: o supercultivo, superpastoreio, o superdesmatamento e a superexploração dos lençóis freáticos.

Mas o que isto tem a ver com a inserção do Brasil na economia globalizada e com as mudanças climáticas? Quanto às mudanças climáticas não há o que se discutir, às “super” causas aventadas por Brown somam-se claramente as mudanças climáticas globais para a geração do mega-problema. Mas e o Brasil nisso tudo? A resposta está no próprio corpo da matéria: como conseqüência do fenômeno, os 1,25 bilhões de chineses – cerca de 1/5 da população mundial – têm-se valido de estoques, mas estes acabarão logo e o país deve sair em busca de grãos nos mercados mundiais. Brown prevê que o preço dos grãos pode dobrar, enriquecendo produtores no curto prazo, mas empobrecendo grande parte da população mundial, já que a velocidade dos acontecimentos dificilmente seria acompanhada pelo tal “mercado”, escalando ferozmente os preços. A previsão do EPI é do estabelecimento de um ciclo econômico mundial dominado pela escassez em vez dos atuais superávits agrícolas.

O agro-negócio brasileiro deverá se beneficiar deste “Efeito China”, e as exportações deverão ainda ser mais facilitadas. Mas será isto motivo de felicidade para a maioria dos brasileiros? Não se seguirmos explorando nossas “vantagens comparativas’ da maneira que hoje o fazemos: perdendo 10 kg de solo para cada 1 kg de grão produzido, assoreando os principais rios, aniquilando o Cerrado e desmatando a Amazônia para o estabelecimento de latifúndios e monoculturas, deslocando populações tradicionais para a periferia das grandes cidades, envenenando trabalhadores agrícolas na escala que fazemos etc. Se tudo seguir como o corrente, criaremos mais tristeza, destruição e miséria.

Délcio Rodrigues
Fonte: Revista Eco 21, Ano XIII, Edição 77, Abril 2003.