Furacões e aquecimento global

Em 17 de Setembro, quando o ciclone tropical Ivan atingiu a costa sul dos Estados Unidos (Alabama), seus ventos sopravam ainda a uma velocidade de 209 km/h, com rajadas de 260 km/h. Na sexta-feira, dia 18, ele continuou sua trajetória para Louisiana, Mississipi e Flórida provocando quedas de árvores, inundações, deslizamento de terras e a morte de mais de 30 pessoas. Essa violência parece um pouco inexplicável, pois a potência dos ciclones se reduz quando chegam ao terreno sólido. De fato, no mar ele apresentou rajadas da ordem de até 302 km/h, com ondas de 16 metros. Esse é sem dúvida um dos mais violentos ciclones observados na região do Caribe. Por sua intensidade e violência esse ciclone foi chamado Ivan, o Terrível. 

Em 20 de Setembro, outro furacão, o Jeanne atingiu o Haiti provocando inundações e fez mais de 700 mortes. Ao mesmo tempo um novo ciclone – Karl -, começou a se formar no Oceano Atlântico, a cerca de 2000 km a Leste de Cabo Verde, com velocidade de 225 km/h, e ameaça a região do Caribe. 

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Os furacões e o aquecimento global 

Desde o início da estação dos ciclones, denominados hurricanes nos EUA, que nesta região tem início em Junho e acaba no começo de Novembro, já ocorreram doze furacões, alguns deles, como Charley, Francis, Ivan e Jeanne particularmente destruidores registrados nestas últimas cinco semanas. Para os meteorologistas este número não parece normal. As previsões estimam ao todo 14 furacões anualmente na região. Na realidade, este ano parece um ano especial, pois não ocorreu nenhum em Julho, mas a atividade no mês de Agosto constitui um recorde. Em meados de Setembro foi registrado o equivalente a uma estação de ciclones completa. 

Nos últimos 30 anos, a média era de 10 a 11 furacões; desde 1995, esta média subiu de 12 para 14. As razões dessas alterações têm várias explicações. Para o ano atual, a ausência do El Niño sobre o Pacífico conduz a um aumento dos ciclones do Atlântico, em virtude das temperaturas oceânicas muito elevadas no Mar do Caribe, onde os ciclones surgem aproveitando essa elevação de temperatura. Com efeito, a umidade quente é o principal fator responsável pelo aparecimento dos furacões. Além do mais, alguns meteorologistas acreditam que o aquecimento global pode contribuir para o desenvolvimento desses furacões. Em defesa desta última idéia, os meteorologistas assinalam exatamente o aumento do número de furacões associando-o ao aumento da temperatura nestes últimos anos. Não há dúvida que o aquecimento global vem contribuindo efetivamente para que os fenômenos extremos ocorram com mais freqüência. 

A formação dos furacões 

O furacão é uma poderosa tempestade que produz ventos extremamente rápidos. Na realidade, o furacão é um ciclone (uma depressão) de forte intensidade. Ele compreende, às vezes, centenas de tempestades, podendo estender-se por centenas de quilômetros. Quando o furacão alcança o continente, ele provoca chuvas torrenciais de grande intensidade num curto intervalo de tempo, inundando as cidades costeiras. Esses ciclones de grande intensidade são denominados de hurricane na América do Norte e na região do Caribe, de tufões no Sudeste asiático e de willi-willi no Oceano Índico e na Austrália. 

Com freqüência confunde-se tornado com furacão. Pode-se distingui-los pelo fato de o tornado constituir um fenômeno local, enquanto o furacão pode estender-se até 1.000km de diâmetro. Além do mais, o tornado é acompanhado de ventos ainda mais violentos do que o ciclone, mas ele só dura algumas horas, enquanto um furacão pode durar semanas e percorrer milhares de quilômetros. 

Os furacões se formam depois que os raios do Sol incidem durante vários dias sobre o oceano, provocando o aquecimento da massa de ar situada próximo de sua superfície líquida, quando a sua umidade se eleva. Quanto mais ar quente e úmido sobe, mais a temperatura diminui o que favorece a condensação do vapor em gotas de chuva para formar as nuvens. Quanto mais umidade e calor existirem, mais evaporação irá ocorrer, o que poderia provocar o surgimento de várias centenas de tempestades. 

Duas são as condições essenciais para a formação de um furacão. Em primeiro lugar, a evaporação de massa de água, além de ser suficiente, deve ocorrer acima dos oceanos, onde a temperatura varia entre 26,5º e 27ºC. Esta última condição explica por que os furacões se formam sempre próximo dos trópicos. 

Aliás, é o calor liberado por ocasião da condensação do vapor de água que dá ao furacão a sua potência. Em segundo lugar, a massa de tempestade deve situar-se ou se deslocar a 5º de latitude norte ou sul do equador, onde a força de Coriolis começa a ocorrer. 

A força de Coriolis é um fenômeno produzido pela rotação da Terra ao redor de seu eixo. Esta força induz um movimento de rotação à massa tempestuosa, que começa a se enrolar sobre si mesma no sentido anti-horário no Hemisfério Norte e no sentido horário no Hemisfério Sul. À medida que se afasta do Equador, a força de Coriolis é mais intensa, de modo que a rotação das massas tempestuosas será mais rápida e os ventos se tornarão mais rápidos. Assim que o furacão toca o continente, ele encontra águas mais frias ao Norte, no Hemisfério Norte, ou ao Sul, no Hemisfério Sul. 

O calor e a umidade necessários para a sua manutenção tornam-se insuficientes e começa o seu declínio. Além do mais, quando ele se desloca sobre o continente, o furacão perde rapidamente energia e velocidade em virtude de seu atrito com a superfície terrestre. Se a trajetória do furacão o conduz para o equador, onde a força de Coriolis é nula, em conseqüência, além de perder a sua velocidade de rotação, ele se tornará uma mera massa tempestuosa. 

No interior dos furacões, os ventos variam de 117 km/h a 300 km/h. Segundo a sua intensidade, o diâmetro do furacão pode atingir os 2.000 km e pode deslocar-se por vários milhares de quilômetros. Alguns deles se deslocam à velocidade de 20 a 25 km/h, apesar da velocidade excessiva dos ventos que os fazem girar. Um fato curioso e notável é que no centro – olho do furacão – a tempestade é mais calma. Nesta zona, a pressão é muito baixa, podendo ocorrer ventos de somente 30 km/h. 

O maior perigo é quando um furacão atinge a costa, após ter percorrido uma grande extensão sobre o mar: produz então a denominada maré de tempestade. Um montículo de água se forma sob o centro do furacão, onde a água se eleva por aspiração. Sobre o oceano, esse relevo semelhante a uma bossa e ligeiramente visível vai crescendo à medida que se aproxima da costa. Ao tocar a costa, a água invade as terras, provocando destruições indescritíveis. O tufão de Bangladesh, em 1970, causou a maior taxa de mortalidade; cerca de 300 mil pessoas submergiram em vagas inimagináveis. Recentemente, em 1992, o tufão Andrew, ao tocar a Flórida e a Louisiana, causou destruições avaliadas em quase 26 bilhões de dólares. 

Como surgem e se distribuem os furacões 

Os furacões surgem numa zona de baixa pressão atmosférica, onde o ar mais leve tende a subir. Quando esse movimento ascendente acontece sobre um oceano tropical, a evaporação da água marinha faz com que as camadas mais baixas de atmosfera sejam ricas em vapor de água. A enorme quantidade de vapor de água assim formada é transportada às mais elevadas e frias camadas da atmosfera. 

Ao alcançar as camadas superiores, o vapor se condensa dando origem à água. Durante o processo, uma parte do calor existente no vapor é liberada na atmosfera, reaquecendo o ar em sua volta, que retorna a parte superior. À medida que a diferença de temperatura entre as camadas superficiais e superiores da atmosfera aumenta, maior será a possibilidade do ciclone se transformar num furacão. 

Uma vez formado o furacão, ocorrem ventos horizontais na superfície, cada vez mais rápidos, provocados por massas de ar que se deslocam para ocupar o espaço deixado por outras massas de ar quente que subiram para as camadas superiores da atmosfera. 

Os ciclones do Atlântico Norte têm sua origem no Leste da África sob a forma de grossas linhas de grãos que atravessam o continente africano em direção ao Oeste, que, em seguida, prosseguem sua rota pelo Oceano Atlântico. Se as condições são favoráveis, esses grãos se transformam em ciclones tropicais, cuja trajetória sofre a influência dos ventos situados entre o nível do oceano até 15 km de altitude. 

Em outras regiões do mundo, nos Oceanos Índico e Pacífico, a origem dos ciclones é diferente. 

Eles se iniciam sob a forma de modestas perturbações tropicais que surgem ao nível do Equador meteorológico – uma zona que oscila de uma parte a outra do equador geográfico segundo as estações -, e ao longo do qual se elevam nuvens muito poderosas como os cumulus-nimbus, gigantescas torres de nuvens que podem atingir 13 km de altura. Para que uma perturbação tropical se transforme em ciclone, é necessário que a temperatura do oceano seja superior a 26ºC, para que ocorra uma evaporação intensa. Essa atividade atinge o seu máximo no fim do verão, quando as águas da superfície atingem de 27º a 28ºC. É necessário também que a força de Coriolis seja suficiente para que, conduzida pela rotação da Terra, ela venha a imprimir aos ventos um desvio para a direita no hemisfério norte e para a esquerda no hemisfério sul. No Equador ela é nula. É esta a força que aciona o movimento dos turbilhões iniciais. 

Uma vez formado, o ciclone se compõe de um olho – uma zona de vento fraco – de 20 a 35 km de diâmetro -, em torno do qual se situa um anel de nuvens de 1000 km a 2000 km diâmetro. Nessas nuvens muito elevadas e muito densas sopram ventos superiores a 120 km/h e que podem ultrapassar os 300 km/h. Esta velocidade é que define o fenômeno. Abaixo de 60 km/h tem-se uma depressão tropical; entre 60 e 120 km/h uma tempestade tropical; acima de 120 km/h tem-se o ciclone. O número total de ciclones que ocorrem no Planeta varia muito pouco, entre 80 a 90 anualmente. As sete zonas onde surgem estes fenômenos não mudam muito: o Oceano Atlântico Norte, o Pacífico Nordeste, o Pacífico Noroeste, o Pacífico Sul, Índico Norte, o Índico Sudoeste e o Oceano Índico Sudeste.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão – Astrônomo e escritor
Fonte: Revista Eco 21, Ano XIV, Edição 95, Outubro 2004. (www.eco21.com.br)