Cerca de 800 cientistas e especialistas vindos de mais de 70 centros de pesquisa do Brasil, bem como de outras 100 instituições internacionais dos países amazônicos, dos EUA e da Europa, entre as quais entidades com o prestígio da NASA, das Universidades de Harvard, da Califórnia e Cornell (EUA), do Instituto Max-Planck e da Universidade de Oxford (Europa), estarão reunidos em Brasília, para discutir os resultados de um dos maiores experimentos científicos atualmente em andamento no mundo, proposto e liderado desde 1998 pelo Brasil: o LBA, ou Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia. Planejado para terminar em 2006, o experimento LBA é um sucesso científico internacional, com 61 projetos já concluídos e 59 em andamento. O mais importante é que se trata daquilo que é informalmente chamado de “ciência de ponta”, isto é, pesquisa de alta qualidade e extremamente atualizada. Os trabalhos contam com mais de 1000 pesquisadores das instituições brasileiras, além dos organismos estrangeiros de países da Bacia Amazônica (Venezuela, Peru, Bolívia, Colômbia e Equador) e das colaborações e intercâmbios com as instituições americanas e de oito países europeus. O programa como um todo é caracterizado pela interdisciplinaridade.
A oportunidade é histórica e estratégica para o Brasil. De fato, a importância da Amazônia vai bem além do lugar-comum de louvar a maior floresta tropical remanescente no Planeta ou sua maior fonte de biodiversidade. Entre o que em geral não é citado está o fato de a região amazônica ser uma importante fonte continental de vapor d’água da atmosfera, com um papel essencial na formação de nuvens e na determinação do clima regional e até mesmo global. A floresta chega a fornecer grande parte do vapor d’água que se transformará nas chuvas das regiões Centro e Sudeste. Mas o panorama é bem maior. Desde a Revolução Industrial a atividade humana se tornou o principal fator de alteração da composição da atmosfera. O caso do CO2 é exemplar: principal responsável pelo Efeito Estufa, era encontrado no ar, até 1850, à proporção de 280 partes por milhão (ppm). Hoje o CO2 chega à casa das 370 ppm, e teme-se que beire 1000 ppm em 2100. Dados como esses podem se traduzir, na prática, em grandes mudanças climáticas e impactos sócio-econômico-ambientais ainda maiores. Daí o valor de se medir (do ponto de vista financeiro e não-financeiro) os “serviços ambientais” prestados pela floresta. Pesquisas do LBA colocam em debate, por exemplo, se a Amazônia é uma fonte expressiva de carbono, devido aos desmatamentos ou mesmo um sumidouro do gás (“limpando” até cerca de 600 milhões de toneladas de carbono da atmosfera por ano). Esse serviço de “faxina” atmosférica, por assim dizer, pode vir a valer muito num mundo que se preocupa muito (vide o Protocolo de Kyoto, da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) em como mitigar as mudanças climáticas. Tudo isso faz do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia – LBA um projeto prioritário, onde a abordagem científica busca relacionar os aspectos biológicos, físicos, químicos e sócio-econômicos. Ele é parte do esforço científico global para entender o papel de uma região crítica como a Amazônia contribui para as mudanças climáticas e como ela responde a estas mudanças. Seus modelos já demonstraram, por exemplo, o papel chave dos aerossóis (micro partículas emitidas pelas plantas, entre outras fontes como queimadas, ao redor das quais o vapor de água se condensa) na absorção e espalhamento da radiação solar, bem como na nucleação (formação) das nuvens e na queda das chuvas. Na Amazônia já é possível falar, graças ao LBA, em várias questões importantes: o balanço de carbono, a formação de nuvens e chuvas, o ciclo de nutrientes das plantas e as conseqüências das mudanças dos usos da terra.
A comprovação que os desflorestamentos e as queimadas não só aceleram o efeito estufa, como estão diretamente relacionados a mudanças drásticas na formação de nuvens, o que pode diminuir os índices de queda de chuvas não apenas em vastas áreas da Amazônia como em outras partes do país (Centro Oeste, Sul e Sudeste), especialmente durante o final da estação seca (época das queimadas:Agosto/Outubro). A descoberta de que nas áreas queimadas as plantas custam a renascer, principalmente por falta de nitrogênio e não de fósforo, como se pensava antes, pois o nitrogênio “vai embora” com a fumaça (na Amazônia brasileira têm sido desmatados entre 20 e 25 mil km2/ano de floresta nos últimos anos), aponta para uma possível forma de recuperação dessas áreas, com o uso de adubos altamente nitrogenados. A revelação que devido à grande liberação do nitrogênio para o ar nas queimadas, as chuvas sobre áreas desflorestadas e sobre florestas preservadas são quimicamente diferentes: as primeiras trazem de volta o nitrogênio, em grandes quantidades, sob a forma de amônia, enquanto as segundas trazem nitrogênio em quantidades menores na forma de nitrato, útil nutriente das plantas. A amônia em algumas áreas degradadas da floresta chega a ser tão grande como em cidades como Campinas ou Piracicaba, sendo que este elemento químico acidifica o solo e é diretamente responsável pelas chamadas chuvas ácidas, cujos danos só são perceptíveis em 2 ou 3 décadas.
Os cientistas já observaram que a fumaça das queimadas, com sua desequilibrada emissão de aerossóis, chega, em algumas áreas da Amazônia, a reduzir a radiação solar disponível para fotossíntese das plantas em até 60%, além de estimular a concentração do ozônio fitotóxico (em até 100 partes por bilhão) que é prejudicial às plantas e danifica a floresta ainda não queimada. A complexidade amazônica tornou-se mais “visível” com o LBA: sabe-se agora que o “inferno verde” não é uma floresta uniforme, mas um mosaico de matas distintas que, entre outras características, se desenvolvem em períodos diversos do ano (por exemplo, as plantas das áreas alagadas, que são 20% de toda a Amazônia, crescem mais na seca, o inverso do que ocorre nas áreas de terra firme), e que nascem, crescem e morrem três vezes mais rápido no Oeste do continente (próximo aos Andes) do que na área do Pará, próxima ao mar. A síntese dos vários estudos sobre o ciclo de carbono de áreas florestais preservadas não excluem a possibilidade concreta de que a floresta amazônica seja um sumidouro de excesso de gás carbono da atmosfera.
Estas são apenas algumas das questões que estarão sendo examinadas em profundidade nesta III Conferência. Os dados apresentados poderão inclusive influenciar discussão e adoção de políticas públicas e de novas leis, que possam ajudar à manutenção da estabilidade hidrológica, da qualidade das águas, da biodiversidade e dos demais serviços ambientais prestados pelos ecossistemas. Antes do início da Conferência, os cientistas promoverão, para a classe política e tomadores de decisões estratégicas, a sessão especial intitulada O Conhecimento Científico e a Formulação de Políticas Públicas para a Amazônia: A Experiência do Programa LBA.
Uma das questões essenciais do LBA é como conciliar a preservação da natureza com as necessidades das populações que vivem na região. Afinal, na Amazônia vivem 24 milhões de pessoas (no Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela), e toda a proposta de um desenvolvimento sustentável da região que permita a evolução social sem destruir o patrimônio natural depende das respostas que os cientistas possam dar a partir de suas pesquisas.
O LBA é considerado o maior projeto supranacional de cooperação científica já criado na área ambiental: ele surgiu por meio de acordos internacionais e é financiado pelas principais agências de fomento brasileiras (MCT, Fapesp, Embrapa, etc), pela NASA e pela União Européia.
Revista Eco 21, Ano XIV, Edição 92, Julho 2004. (www.eco21.com.br) – Gloria Malavoglia