O Brasil está preparado para a segurança biológica na agricultura?

O agronegócio brasileiro vem despertando grande interesse mundial, principalmente, dos nossos competidores diretos. Um aumento nos últimos anos de, aproximadamente, 10 vezes da produtividade em relação à área plantada é o principal fator responsável por desencadear tal interesse.

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De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA, consultado em 23/07/03) produtos como o complexo soja (grãos, farelo e óleo), carnes (bovina, frango e suíno) in natura e industrializados, couros, peles e calçados, açúcar e álcool, fumo e tabaco, algodão e fibras têxteis vegetais, cacau e suas preparações, pescados, café, leite, laticínios e ovos, frutas, hortaliças e preparações são os principais responsáveis por colocar o país em posição de destaque e pelo superávit das exportações nos últimos anos. A participação do agronegócio representou 44,5% do total arrecadado com as exportações brasileiras registradas no mês de junho, US$ 5,875 bilhões, com um recorde histórico de 48,5% em relação ao mesmo período do ano anterior e um superávit comercial do agronegócio de US$ 24 bilhões.

Nos próximos 10 anos, com o avanço e implementações de tecnologias agrícolas avançadas tanto para agricultores inseridos no Programa de Agricultura Familiar do governo federal como para os médios e grandes produtores, a expectativa é de que várias outras commodities agrícolas possam ocupar patamares ainda mais expressivos no mercado internacional.

Em vista da expansão, conquista e manutenção do comércio mundial pelos produtos brasileiros espera-se que o país possa proteger o setor produtivo da entrada de pragas que tanto podem depreciar os nossos produtos como podem favorecer a formação de barreiras sanitárias e fitossanitárias impostas por países competidores. Nesse mercado cada vez mais acirrado, um outro problema, muitas vezes difícil de ser explicado, é o surgimento de pragas que causam grande impacto econômico onde antes elas não existiam. Isso pode acarretar prejuízos enormes à nação por tirar produtos agrícolas competitivos do mercado de exportação. Atualmente, esse fato, quando realizado intencionalmente, é conhecido como bioterrorismo.

Apesar da Organização Mundial do Comércio (OMC) ter iniciado suas operações em 1° de janeiro de 1995 e também ter entrado em vigor o Acordo de Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Acordo SPS) para a aplicação de regulamentos em proteção de plantas, saúde animal e segurança alimentar, relacionados ao comércio agrícola internacional há necessidade dos países desenvolverem suas próprias diretrizes visando proteger seus interesses.

O chamado que a Organização para a Agricultura e Alimentação das Nações Unidas (FAO) está fazendo para os países quanto à segurança biológica nos setores de proteção de plantas, saúde animal e vegetal e segurança alimentar deve ser visto com grande atenção por parte dos governantes.

O termo “segurança biológica” (biosecurity) foi adotado pela FAO na busca por instrumentos e atividades que possam conscientizar os diferentes segmentos da sociedade sobre esse problema e significa, “o manejo de todos os riscos biológicos e ambientais associados à alimentação e agricultura, incluindo os setores de pesca e floresta”. Os riscos incluem desde a avaliação dos organismos vivos modificados (OVM) (biossegurança), a espécies invasoras e a introdução de pragas de vegetais e animais até a erosão da biodiversidade com perda de recursos biológicos e genéticos, a dispersão de doenças como o mal-da-vaca-louca, armas biológicas de guerra, e assim por diante. Essa terminologia estabelecida pela FAO vai muito além da elaboração de políticas públicas para a sanidade animal e vegetal e para os organismos geneticamente modificados (biossegurança), pois inclui também o desenvolvimento de métodos científicos, considerações éticas, confiabilidade e vigilância para a proteção da sociedade.

Não se deve confundir segurança biológica com biossegurança. Esse último termo está relacionado com organismos vivos modificados de acordo com a Conferência das Partes da Convenção de Biodiversidade a qual adotou um acordo suplementar conhecido como “Protocolo de Cartagena em Biossegurança”, de 29 de janeiro de 2000. O Protocolo tem como objetivo proteger a biodiversidade de riscos potenciais advindos dos organismos vivos modificados resultantes de técnicas modernas de biotecnologia. Esse termo é também reconhecido pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a qual é regulada pelo Decreto no 1.752, de 20 de dezembro de 1995 e vinculada a Secretaria Executiva do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Um outro fator importante, nas novas tendências mundiais de segurança biológica é a Lei de Bioterrorismo dos Estados Unidos, que entra em vigor em 12 de dezembro de 2003. Criada para diminuir as possibilidades de atentados que possam colocar em risco a população daquele país, essa Lei tem por objetivo criar as condições internas para evitar perigos na área da saúde, controle de agentes biológicos e de toxinas e proteção dos suprimentos de água potável, alimentos e medicamentos.

Essa lei deverá ser pauta de discussão nos mais diversos países no que se refere a segurança e soberania de cada nação porque ao mesmo tempo em que ela tenta proteger os cidadãos americanos dos perigos e riscos biológicos, pode também acarretar barreiras sanitárias e fitossanitárias durante as transações comerciais com aquele país. E ai pergunta-se, até que ponto do Acordo SPS terá forças para ser respeitado? O Brasil está se preparando para enfrentar esses problemas futuros?

O desenvolvimento de pesquisas técnico-científicas para a implantação de políticas públicas em segurança biológica para proteção do agronegócio brasileiro deve ser prioridade do governo federal. A entrada de pragas em áreas do sistema produtivo traz conseqüências dramáticas e muitas vezes irreversíveis para a agricultura, além de gastos da ordem de milhões de reais para controle e erradicação desses organismos, perdas na biodiversidade, nos recursos biológicos e genéticos, impacto na indústria alimentícia pela falta dos produtos primários e ainda desemprego na área rural. Nos últimos anos mais de 11.000 espécies invasoras entraram no Brasil, de acordo com levantamentos realizados por pesquisadores internacionais.

As barreiras sanitárias e fitossanitárias que antes eram vistas como um mero problema no comércio internacional, atualmente, devem merecer uma atenção especial do governo, por representarem sérios entraves durante as negociações bi ou multilaterais. As justificativas técnico-científicas exigidas pelo Acordo SPS podem levar anos para ser construídas. O setor produtivo deve, portanto, estar atento cada vez mais à segurança biológica na agricultura, se deseja, realmente, manter a competitividade e aumentar as exportações de seus produtos.

Maria Regina Vilarinho de Oliveira (vilarin@cenargen.embrapa.br)