DNA: o que mudou na vida do Homem?

Afinal de contas, o que vem a ser o DNA (em inglês) ou chamado de ADN (na língua portuguesa), que nos últimos tempos atrai tanto o noticiário quanto a curiosidade popular? A “grife” DNA ganhou tamanha abrangência, que virou mote de publicidade de novos produtos, tais como: “este shampoo contém DNA vegetal”, “carne vegetal orgânica – não contém DNA animal”, e tantos outros que vêm citando a palavra DNA, que aliás embora já seja de domínio público é de origem inglesa.

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Ácido Desoxirribonucleico Nucléico

Na realidade, DNA significa Desoxiribonucleic Nucleic Acid em inglês e traduzido para o português ADN – Ácido Desoxirribonucleico Nucléico. Na realidade deveríamos começar este artigo mudando o título e colocando os 50 anos do ADN, pois afinal esta revista é brasileira, mas o domínio público da palavra DNA é tão grande, que talvez poucos se dessem conta de que significaria a mesma coisa.

O DNA ou ADN é na realidade a chamada molécula da vida, ou seja, todos os seres vivos (ou mesmo os mortos, que algum dia já foram vivos) possuem na sua essência a molécula do DNA. Esta molécula, que reproduz o Código Genético, é responsável pela transmissão das características hereditárias de cada espécie, de pai para filho. quer seja nas plantas, nos animais (aí incluído o homem) ou nos microrganismos. Na realidade, a molécula do DNA assemelha-se à estrutura de uma escada, onde os corrimões são formados por fosfato e açúcar e os degraus da escada por seqüências de 4 bases nitrogenadas, adenina (A), timina (T), citosina (C), e guanina (G), ligadas por pontes de hidrogênio, formando a dupla hélice.

O final do século XVIII e o início do século XIX foram marco de descobertas que propiciaram um grande avanço no campo das ciências da vida. Em 1953, exatamente há 50 anos atrás, o cientista estadunidense James Watson com apenas 23 anos, juntamente com Francis Crick, de 35 anos, desvendaram a estrutura da molécula da vida – o DNA. Esta descoberta lhes rendeu em 1962, juntamente com Maurice Wilkins, o Prêmio Nobel. Este passo foi apenas o começo de uma nova Era: A Era da Biotecnologia Moderna, também conhecida por engenharia genética ou tecnologia do DNA recombinante.

Entretanto, toda descoberta científica é um processo construído ao longo dos anos e cada nova descoberta é precedida de avanços anteriores, sem os quais a descoberta seguinte não seria possível. E assim foi com a descoberta de Watson, onde os trabalhos de cristalografia com Raios-X de Rosalind Franklin, que identificaram a dupla fita foram fundamentais para esta descoberta e para os avanços seguintes. Rosalind não viveu o suficiente para ter o reconhecimento desta descoberta, pois faleceu de câncer aos 37 anos de idade.

A Biotecnologia e a Revolução Tecnológica na agricultura e na saúde

As descobertas da estrutura do DNA e das enzimas de restrição em 1972 por Paul Berg deram início a uma nova fase do desenvolvimento industrial, tendo como matriz a base biológica. A chamada biotecnologia moderna trouxe sem dúvida vantagens inegáveis para a humanidade, mas por outro lado trouxe apreensões. A transferência de genes entre espécies não relacionadas é sem dúvida um dos mais inovadores aspectos desta tecnologia, pois permite o rompimento da barreira genética entre espécies. As aplicações da tecnologia são limitadas apenas pelo tempo e implicações éticas e de biossegurança. A Biotecnologia apresenta um imenso potencial de ação para o bem-estar da humanidade, desde que os riscos desta nova tecnologia sejam mensurados e controlados caso a caso.

Na agricultura, o Homem vem buscando alternativas que permitam o aumento da produtividade por área plantada e a diminuição do custo de produção. Para isto, vem desenvolvendo há centenas de anos novas variedades de plantas utilizando ferramentas convencionais. Cientistas, agrônomos e políticos esperaram por muito tempo uma nova revolução na agricultura que ao mesmo tempo obtivesse incremento na produtividade, mínimo impacto ambiental e estivesse acessível a pequenos produtores. Para muitos a Biotecnologia pode contribuir para o alcance destes objetivos.

As questões de Biossegurança tornaram-se alvo de um debate polarizado entre grupos que apóiam a nova biotecnologia e aqueles que são radicalmente contra. A maior controvérsia está centrada na segurança das plantas transgênicas e alimentos derivados de Organismos Geneticamente Modificados – OGMs. A biotecnologia tem recebido melhor aceitação pública para aplicações na indústria bioquímica e saúde. Novos avanços científicos, como a clonagem, os testes genéticos, e a terapia gênica, têm estimulado diversos questionamentos de natureza ética.

Desde 1994 culturas transgênicas são plantadas comercialmente. Em 2002, a área global de culturas transgênicas foi de 60 milhões de hectares, utilizadas por cerca de 6 milhões de agricultores em 16 países. O plantio de algodão transgênico (resistente a inseto) na China representa mais de 50% da área total plantada com algodão naquele país. A introdução desta tecnologia na agricultura levou a uma economia de cerca de 25 milhões de Kg de pesticidas no ano 2000. Tanto os resultados recentes da China como da Índia (estudos realizados em mais de 300 fazendas naqueles países) mostram não apenas uma vantagem econômica pelo uso dessas culturas, mas, sobretudo vantagens ambientais tais como: menor contaminação do solo com pesticidas; possibilidade de uso de pesticidas menos tóxicos e de menor tempo de permanência no solo; menos erosão devido a possibilidade do uso de plantio direto; menor desmatamento de novas áreas; menor consumo de água, devido a maior rendimento por área plantada.

Certamente, esses motivos são responsáveis pela adoção crescente dessas culturas em países onde a agricultura é uma das principais fontes de divisas. A atividade agrícola quer seja convencional ou transgênica é uma das principais atividades humanas degradadoras do meio ambiente. É sabido que a agricultura é responsável pelo consumo de 70% da água do planeta e pela devastação de florestas. A figura 2 mostra uma área devastada em plena floresta Amazônica para o plantio de soja.

Biodiversidade e Biossegurança

Os OGMs, oferecem uma multiplicidade de aplicações e benefícios, existindo também o potencial para efeitos adversos à saúde humana e ao meio ambiente. A utilização de OGMs e derivados é precedida de avaliação de risco, efetuada caso a caso, com base na experimentação científica e na familiaridade de conhecimentos. A preocupação com a segurança da nova biotecnologia tem sido considerada em acordos internacionais, como a Agenda 21 e a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), ratificada pela grande maioria dos países, inclusive o Brasil. A CDB estabelece o princípio da precaução assim postulado: quando houver risco de redução significativa ou perda da biodiversidade, a falta de completo conhecimento científico, não deve ser razão para o postergamento de medidas que evitem ou minimizem o risco. Portanto, o Princípio de Precaução não inviabiliza o desenvolvimento da biotecnologia moderna, mas exige que as medidas de Biossegurança sejam adotadas.

As ações na área de Biossegurança estão mencionadas nos artigos 8(g) e 19(3) da CBD, recomendando a implantação de instrumentos que regulamentem os riscos associados aos OGMs, com potencial de afetar a conservação e o uso sustentado da diversidade biológica, incluindo os riscos a saúde humana. As negociações posteriores, no âmbito da CBD, resultaram na adoção das recomendações de Biossegurança, propostas pela UNEP (1995) e no Protocolo de Cartagena (2000) sobre o movimento transfronteiriço de OGMs vivos.

A legislação brasileira de Biossegurança está representada na Lei no 8.974 de 05/01/1995, recentemente alterada pela Medida Provisória 2.137 de 28/12 2000 e regulamentada pelas instruções normativas elaboradas pela CTNBio (CTNBio 2003) e complementadas por normas específicas para OGM do Ministério de Meio Ambiente e Ministério da Saúde, que internalizam o Princípio da Precaução. A avaliação de risco da liberação de OGMs tem sido feita de maneira cautelosa pela Comissão Nacional de Biossegurança (CTNBio), seguindo procedimentos que visam evitar ou minimizar conseqüências adversas dos OGMs e seus derivados ao homem e ambiente.

Avaliação de risco de OGMs

Os procedimentos de Biossegurança visam evitar ou minimizar as conseqüências adversas dos OGMs e seus derivados para o homem e o meio ambiente. Os possíveis efeitos deletérios decorrentes da liberação de OGMs durante a experimentação ou comercialização são avaliados juntamente com o estabelecimento de medidas de monitoramento para detecção de conseqüências adversas e mitigação de impactos indesejáveis.

Os OGMs são organismos vivos com capacidade de reprodução, dispersão e evolução biológica no ambiente, gerando questões de segurança diferentes, em comparação com produtos oriundos de tecnologias químicas e físicas. Uma analogia sobre o impacto de OGMs tem sido inferida em comparação com a introdução de espécies exóticas no ambiente, tendo em alguns casos trazido benefícios e em outros consideráveis danos ecológicos (ex. as abelhas africanas no Brasil, os coelhos na Austrália etc). Ao adquirir novas características genéticas um organismo pode ter seu comportamento alterado no ambiente, daí a necessidade da avaliação de riscos para cada ambiente receptor.

Durante a obtenção de dados para análise de risco é fundamental a comparação entre o OGM e o organismo parental isogênico.

Como decidir o que é melhor para o País?

A participação da sociedade no processo decisório de questões que decidirão sobre o seu destino é de fundamental importância. Entretanto, somente uma sociedade esclarecida é que poderá julgar de forma racional e não emocional. A socialização da informação é um dever de cada cidadão que detenha o conhecimento científico. Ao assumir o novo Governo em 2003 o Ministro da Ciência e Tecnologia declarou: “Precisamos levar a ciência para o dia-a-dia de cada brasileiro, para que cada cidadão, cada contribuinte, entendendo a importância da pesquisa e da inovação na qualidade de sua vida, se transforme em seu defensor. Mobilizaremos todas as forças disponíveis”. E este é o compromisso do Governo Lula. Apenas com a informação científica a sociedade poderá julgar e decidir o que é melhor para ela.

Leila Oda
Fonte: Revista Eco 21, Ano XIII, Edição 76, Março 2003. (www.eco21.com.br)