Amazônia: desafio de uso sustentável para o século XXI

Durante muito tempo, a Floresta Amazônica foi considerada um obstáculo: havia uma concepção de que o desenvolvimento dependia de derrubar matas. Nos últimos anos, esta visão mudou. Temas como derrubadas, queimadas, impacto da exploração madeireira, uso sustentável dos recursos florestais, conservação ambiental e biodiversidade passaram a ser questões fundamentais na atuação do homem sobre este ecossistema. Apesar disso, e do interesse mundial sobre as florestas tropicais, ainda não conseguimos garantir, integralmente, sua preservação e uso racional. Um dos equívocos mais comuns tem sido a transposição de modelos de desenvolvimento de outras regiões, o que tem causado resultados catastróficos para o ambiente e, principalmente, para os habitantes. O desmatamento desordenado de grandes áreas, eliminando as reais opções de renda e melhoria de qualidade de vida destas populações, é condenável sob todos os aspectos. Sem um correto diagnóstico ambiental e socioeconômico da região, continuaremos privilegiando modelos que, além de baixo potencial de emprego, estimulam o êxodo rural e desconsideram as riquezas ambientais e econômicas da região.

É preciso perceber que as características econômicas e sociais de grande parte da Amazônia estão associadas com os recursos florestais. A população rural reside, em sua maioria, nas áreas desmatadas e nela formou sua cultura. Por isso, qualquer programa que pretenda desenvolver de fato a região, sem causar impactos ambientais danosos, deve considerar os recursos florestais como referência.

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Nas duas últimas décadas, a Embrapa se empenhou em desenvolver conceitos e estudos de manejo florestal para pequenos produtores e para empresas na região Amazônica. Nos projetos de colonização, por exemplo, os 50% da área de reserva legal, até o momento, têm sido encarados como obstáculo ao desenvolvimento. Só no Acre, onde vivem quase 20 mil famílias em assentamentos, essas áreas de reservas representam mais de 780 mil hectares de floresta tropical.

Pesquisas neste Estado têm mostrado que em 40 hectares, manejados adequadamente, cada família pode obter renda líquida de até R$ 860,00 por ano, trabalhando no máximo três meses com extração e beneficiamento de madeira. Isto significa renda média de R$ 21,00 ao dia, duas vezes mais que o valor pago normalmente no mercado de mão-de-obra rural.

No município de Acrelândia (AC), um programa de treinamento, monitorado pela Embrapa, tem capacitado os produtores em inventários florestais, uso adequado de motosserra e corte seletivo de espécies, planejamento a derrubada e o arraste com tração animal. Além de produzir o mínimo de impacto ambiental, a fórmula tem garantido a segurança das pessoas que lidam com uma atividade de alto risco.

O melhor de tudo é que o modelo não atrapalha a rotina das demais atividades ligadas à agricultura e pecuária e agrega valor a um recurso natural que passa a ser utilizado de forma sustentável. Para se ter uma idéia, na exploração tradicional de madeira, uma tora bruta é comercializada por apenas R$ 30,00, sem contar os danos ambientais que comprometem a existência futura do meio ambiente. O mesmo produto explorado e manejado racionalmente obtém preço médio de R$ 200,00.

O manejo é uma solução que pode ser levada também a médias e grandes empresas. O problema principal, neste caso, tem sido a falta de planejamento. Abatendo árvores de maneira desorganizada e não prevendo uso otimizado pode haver um desperdício de cerca de 65% de cada tora.

Além disso, a degradação do meio compromete o futuro da atividade e o uso econômico de outros produtos da floresta como óleos, resinas, plantas medicinais, látex, frutas e recursos animais. Na Amazônia existem empresas certificadas, que detém o chamado “Selo Verde”, concedido a empresas que realizam manejo sustentável adequado de produtos madeireiros.

A base do conhecimento necessário para o manejo de florestas tropicais está no estudo de sua dinâmica. Somente por meio do conhecimento da dinâmica de crescimento e regeneração natural da floresta será possível a previsão de ciclos e taxas de corte adequados, assim como tratamentos silviculturais necessários à produção sustentável. No Acre, o manejo de 10 metros cúbicos de madeira por hectare, num ciclo de 10 anos de exploração, permite a regeneração da mata, tornando o recurso natural uma fonte inesgotável.

Além de buscar alternativas que contribuam para solucionar os problemas da sociedade, por meio do planejamento e do uso sustentável dos recursos naturais, é essencial a interação entre as diferentes esferas dos poderes executivo e legislativo municipal, estadual e federal, a fim de promover as mudanças nas políticas atuais, bem como a proposição de novas políticas que viabilizem a efetiva incorporação destas tecnologias aos processos produtivos. Assim é que recentemente o Governo Federal reduziu de 17 para 3 as exigências de documentos para a aprovação de planos de manejo florestal de baixo impacto para as pequenas propriedades, e o Banco da Amazônia incorporou este procedimento nas opções de financiamento para os pequenos produtores da Amazônia, financiáveis com recursos do Fundo Constitucional do Norte.

É função das instituições de pesquisa viabilizar condições que atendam às expectativas da sociedade e, em particular, do homem da Amazônia, que vive numa região que se mostra como desafio na busca de sustentabilidade para o uso de seus recursos no século XXI. Entretanto, sem estímulo, organização e planejamento, há pouca ou quase nenhuma chance de sucesso. A floresta é um bem de todos e usá-la de forma sustentável é garantir que gerações futuras possam desfrutar também dos benefícios hoje disponíveis.

Alberto Duque Portugal
Diretor-Presidente da Embrapa