As chuvas começam, finalmente, a se constituírem em fonte direta para atenuar a escassez de água nos dois extremos do Brasil, a pobre zona rural do Nordeste semi-árido e a rica região metropolitana de São Paulo. A primeira experiência é o Programa Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC), lançado em 2000, para fazer do céu um manancial de água potável para cerca de 5 milhões de pessoas nos próximos cinco anos no interior do Nordeste, açoitado por frequentes secas.
O P1MC, premiado como “uma solução definitiva para a falta de água potável” na região, é uma parceria do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e da Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA), uma rede de 750 ONGs, sindicais, comunitárias e eclesiásticas.
Na semi-árida Região Nordeste do Brasil chove pelo menos 200 milímetros nos anos mais secos, o suficiente para abastecer cinco pessoas por ano com o armazenamento da água que cai no telhado.
Atualmente, durante a seca, as pessoas, em geral as mães de família, têm de caminhar várias horas em busca de água nos açudes compartilhados com animais e parasitas, a única fonte disponível, mas também causa de diarréias e da elevada mortalidade infantil da região.
São incontáveis as horas perdidas nesse “ir e vir, a lata de água pesando em meus braços, roubando meu tempo, levando minhas forças e minha juventude, minando nossas esperanças”, descreveu Josefa Cabral do Nascimento, uma viúva de 56 anos, em um testemunho à ASA. Como uma das primeiras beneficiadas do programa, Josefa disse que não pôde “conter as lágrimas… de felicidade, de vida nova”, ao ver construída ao lado de sua casa a cisterna com que sonhou durante décadas.
Placas pré-fabricadas de cimento facilitam a construção das cisternas pela própria população, em um trabalho coletivo voluntário que permite reduzir o custo, que gira em pouco mais de R$ 1.000.
Trata-se de tanques cilíndricos com uma parte colocada em um buraco no solo e capacidade para 16 mil litros. Não se trata simplesmente de pôr fim à sede, aos parasitas intestinais generalizados e ao sacrifício de buscar água longe, sempre a cargo das mulheres, disse João Amorim, gerente operacional do P1MC. Apenas comunidades organizadas participam do programa.
As pessoas beneficiadas têm de fazer um curso de dois dias sobre cuidados que devem ter, como jogar fora as primeiras águas que caem, pois limpam o telhado. Também devem tratar a água com cloro, para garantir sua descontaminação. O P1MC compreende conhecimentos sobre o meio ambiente local e melhores formas de viver nele, como indica seu nome completo, que é Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semi-Árido: Um Milhão de Cisternas Rurais.
A organização comunitária é a chave para resolver outros problemas. O Programa contou com escassos recursos em sua fase de testes, suficientes para apenas cinco mil cisternas. Agora, incluído nos programas sociais do governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conta com contribuições do Ministério da Segurança Alimentar para a construção imediata de 12.040 cisternas, informou Amorim. Outras 20 mil serão construídas com contribuições da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN).
A meta é atingir 50 mil cisternas até o final do próximo semestre, acelerando o ritmo nos próximos anos com a adesão de novos “sócios” públicos e privados, para chegar a completar um milhão em 2008, disse o gerente do projeto.
A Associação Programa Um Milhão de Cisternas (AP1MC) é uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) que compõe a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). Criada em 2002, com o objetivo de gerenciar o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), a Associação, em 2007, também passou a fazer a gestão do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2).
Desde que surgiu, em 2003, até a data de 29/12/2014 foram construídas somente 564.212 cisternas, não atingindo o objetivo inicial do programa, como citado anteriormente, onde a meta seria um milhão de cisternas em 2008. A construção beneficiou mais de 2 milhões de pessoas. Para que esses resultados pudessem ser alcançados, a ASA conta com a parceria de pessoas físicas, empresas privadas, agências de cooperação e do governo federal.
A área de atuação do P1MC é a zona rural do semi-árido brasileiro, constituída pelos nove estados da Região Nordeste (Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia) e mais a região setentrional de Minas Gerais e o norte do Espírito Santo, abrangendo 1.300 municípios. Sua área total é de 974.752 km2, sendo 86,5% dela localizada no Nordeste, 11% em Minas Gerais e 2,5% no Espírito Santo.
Até o momento, os principais parceiros da ASA no P1MC têm sido o MDS e a FEBRABAN, cujos convênios firmados têm permitido a continuidade e expansão do programa, atendendo a centenas de milhares de famílias de pequenos agricultores do semiárido brasileiro, particularmente os sertanejos da região Nordeste.
Para que se tenha uma ideia da magnitude dessa participação, em 2001 foram construídas 500 cisternas, com recursos do MDS. Em 2002, esse número saltou para 7 mil, quase dobrando no ano seguinte (11 mil cisternas), e, em 2004, superou a marca de 36 mil unidades. Segundo a Assessoria de Comunicação do MDS, entre janeiro de 2003 e abril de 2005 o Governo Federal foi o responsável direto pelo financiamento de 65% das cisternas construídas na região. Nesse período, foram investidos R$ 72 milhões, que possibilitaram a construção de 50 mil cisternas e atendimento a 250 mil moradores das zonas rurais do semi-árido nordestino e também na região setentrional de Minas Gerais e norte do Espírito Santo.
No decorrer de 2005, o MDS foram investidos outros R$ 68 milhões para essa finalidade, dos quais R$ 30 milhões foram repassados para a ASA no primeiro semestre, para a construção de mais 20 mil cisternas rurais (Carta Capital, No. 441, de 11 de maio de 2005). A FEBRABAN, por sua vez, em maio de 2003 assinou um Acordo de Cooperação Técnica com a AP1MC para que esta construísse 10 mil cisternas, atendendo a aproximadamente 50 mil famílias rurais do semi-árido, com acesso a água potável para consumo humano, melhorando a qualidade de vida dessas famílias.
O Programa também deverá fortalecer as organizações da sociedade civil envolvidas na sua execução, assim como implementar um processo de formação que considere a educação para a convivência com o semi-árido e a participação da população beneficiada nas políticas públicas como sujeito de direitos.
Em uma realidade totalmente diferente do empobrecido Nordeste, a Grande São Paulo, capital econômica do Brasil, enfrenta uma nova ameaça de racionamento de água. Chuvas menos freqüentes do que o normal no início deste ano agravaram uma crise que é estrutural, com mananciais contaminados e afetados pelo desmatamento nas proximidades.
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) calcula que seu atual sistema atenderá somente até 2010 as necessidades da região metropolitana, onde vivem 17 milhões dos 172 milhões de habitantes do Brasil.
Não é um problema de escassez de chuva. A Grande São Paulo também vive o drama das inundações em todos os seus verões, quando chove muito. Por isso, as águas constituem um duplo tormento e captar as fornecidas pelas chuvas pode atenuá-los.
O volume captado será sempre pequeno em relação ao que inunda a cidade, mas seria importante para amenizar o ímpeto da torrente em seu clímax, disse Ivanildo Hespanhol, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
Com esse objetivo, as autoridades locais estão construindo, há anos, os chamados piscinões, grandes tanques que servem para reter parte das águas da chuva. Essa alternativa poderia ser adotada por numerosos edifícios e residências, com o aproveitamento da água da chuva para usos que não exijam potabilidade, como limpeza, vasos sanitários e irrigação, disse Hespanhol, descartando seu uso para beber, devido à contaminação do ar. Alguns edifícios de São Paulo usam esse sistema, buscando reduzir custos. A água é o segundo maior gasto nos edifícios de apartamentos, perdendo apenas para o pagamento de salários dos funcionários, segundo as administradoras. A prefeitura paulistana estimula projetos nesse sentido.
Entretanto, são iniciativas sem critério, pois aproveitar as chuvas é uma questão de engenharia, afirmou Hespanhol. O armazenamento dessas águas deveria ser feito diretamente no teto, para uso nos grifos, evitando o gasto de energia para bombear a água, por exemplo. Isso muda o edifício, devendo estar previsto desde sua construção, acrescentou. Além da captação de água pluvial, mais viável em indústrias e outras atividades que ocupam áreas extensas com muito consumo hídrico, deve-se combinar o reuso da água servida e tratada. No futuro serão necessárias tubulações distintas para separar a água potável das demais, explicou o engenheiro, especialista em reuso de água.
Mário Osava – Jornalista
Fonte: Revista Eco 21, Ano XIV, Edição 96, Novembro 2004. (www.eco21.com.br)