Estado do Mundo na Rio +10

Dez anos após a Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável – Rio 92, as Nações Unidas novamente patrocinaram, em agosto de 2002, uma reunião global em Johanesburg, África do Sul. A Cúpula Mundial deste ano, batizada de Rio+10, proporcionou aos líderes mundiais uma oportunidade histórica de um novo acordo para um mundo social, ambiental e economicamente sustentável uma oportunidade que não podemos perder.

“Poderemos concordar que o estado perigoso do nosso mundo é objeto de preocupação genuína e urgente. Dispomos dos recursos humanos e materiais para conquistar um desenvolvimento sustentável” declara Kofi Annan, Secretário Geral da ONU e Prêmio Nobel da Paz 2001, no prefácio do Estado do Mundo 2002, relatório do WWI-Worldwatch Institute edição especial dedicada à Rio+10 – recém lançado nos EUA e traduzido para 39 idiomas, com versão em português apresentada por Fernando Henrique Cardoso.

“Apesar da prosperidade dos anos 90, a distância entre ricos e pobres está se alargando em muitos países, solapando a estabilidade social e econômica” enfatiza o presidente do WWI, Christopher Flavin. Durante esta década, 182 países se tornaram partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, uma das maiores conquistas da Rio 92. As pesquisas do “Livro Vermelho” da World Conservation Union, contudo, revelaram em meados da década que 13% dos peixes, 11% dos mamíferos, 10% dos anfíbios, 8% dos répteis e 4% das aves, estavam sob risco imediato de extinção. As duas fontes mais ricas de biodiversidade –  florestas e bancos de coral – sofreram danos crescentes nos anos 90. A área de bancos de coral considerada como gravemente degradada, aumentou de 10% em 1992, para 27% em 2000. Pesquisa realizada pelo Museu Americano de História Natural verificou que sete entre 10 biólogos acreditam que o mundo esteja hoje em meio a mais acelerada extinção em massa de seres vivos nos 4,5 bilhões de anos da história do planeta. “A ecologia nos agarrou pelo pescoço”, disse o ex-presidente soviético Mikhail Gorbachev.

Reunidos em Bruxelas, ministros do meio ambiente dos 15 países da União Européia, marcaram a ratificação do Protocolo de Kyoto para o dia 1º de junho. O Brasil aguarda a aprovação do protocolo, pelo Congresso Nacional, antes da Rio+10. Enquanto o governo Bush recusa a aderir, empurrando as mudanças climáticas, as emissões totais de carbono dos Estados Unidos – maior emissor mundial com 24,5% do total – foram 18% superiores a 1990 e os motoristas norte-americanos consomem cerca de 43% da gasolina mundial para conduzir internamente menos de 5% da população global.

Durante o Século XX, o nível do mar subiu de 20 a 30 centímetros. O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática projeta uma elevação de até 1 metro neste século. Com a elevação do nível dos oceanos, os cidadãos de Tuvalu um arquipélago-nação no Oceano Pacífico, composto por nove ilhas, entre o Havaí e Austrália, anunciaram que terão que abandonar seu país. Tuvalu sofre inundações e a água salgada contamina os seus lençóis freáticos e prejudica a produção de alimentos. Paani Laupepa, autoridade local, é um crítico mordaz dos EUA por terem abandonado o protocolo. Em entrevista dada à BBC disse: “ao recusarem assinar o Protocolo de Kyoto, os EUA retiraram das nossas gerações futuras a liberdade fundamental de viverem onde nossos ancestrais sempre viveram, durante milhares de anos”. A Nova Zelândia concordou em aceitar todos os cidadãos de Tuvalu e a migração terá início este ano.

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Embora dois terços do planeta sejam de água, apenas uma fração dela é potável. Essa commodity ambiental está se tornando rara em muitos países. O PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente está prevendo que dois terços da população mundial poderá estar vivendo em condições de escassez de água até 2025. Hoje, cerca de 40% da produção mundial de alimentos dependem de irrigação. O Brasil avançou na legislação, aprovando uma das mais avançadas do mundo para os recursos hídricos.

A cada ano, 5.000 hectares da superfície da Terra “metade da área de Paris” são desmatados para construção de campos de golfe. Um campo de 18 buracos pode consumir mais de 2,3 milhões de litros d’água, diariamente.

A Rio+10 cobrou os compromissos assumidos pelos 170 chefes de estado reunidos na Rio 92, um deles é a destinação de 0,7% do PIB desses países para mecanismos de financiamento e cooperação. Hoje, segundo a ONU, o bilhão mais rico da população do globo fica com 78% da renda mundial e mais de 1 bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar por dia.

As forças estão se deslocando, os Estados Unidos da América, formados por estados interdependentes, lideraram a economia mundial com o poder hegemônico do dólar nas últimas décadas. Em 2002, o fiel da balança está se movendo com o peso do euro, respaldado pelos “Estados Unidos da Europa”, formado por nações livres, soberanas, educadas e independentes; berços da cultura ocidental, experientes no exercício do diálogo e comprometidas hoje com a sua união. Serão pilares para forjar difíceis decisões que transcendem a soberania legítima dos estados.

A reunião deste ano focará pobreza, recursos naturais, padrões de consumo e governança global. O Brasil – membro dos estados desunidos da América Latina, parceiro estratégico visado pela Europa e EUA – poderá protagonizar um papel relevante com riqueza de argumentos, resultando na liderança pretendida. O IBGE, convidado pela sua reconhecida competência para produzir dados e propostas para as “PrepCom”, reuniões preparatórias da cúpula, pode, dentre as idéias já concebidas, inovar, mostrando as vantagens de um novo conceito, o “PIBS-Produto Interno Bruto Sustentável”, onde produtos e serviços embutem a idéia de usufruto, foco da cúpula, visando o progresso, mas garantindo as perspectivas das futuras gerações.

O BNDES, que completa 50 anos em 2002, promove a contabilidade ambiental, contribuindo para a disponibilização de instrumentos de informação adequados à gestão sustentável. Sediando recentemente o encontro técnico do PNUMA sobre finanças e meio ambiente, reuniu a indústria financeira com o objetivo de levar a posição deste segmento para Johanesburg. A FIESP lançou a bolsa de resíduos, fomentando a indústria da reciclagem – só nos EUA essa indústria gera 480 mil empregos diretos, o dobro da indústria americana do aço – dado para o `PIBS`. Indicadores ambientais quantificados possibilitam a gestão pela visão econológica, sócio-econômica-ecológica integrada, base para a sustentabilidade.

O respeitado economista ambiental Robert Constanza deu alguns passos nesta direção em 97, quando quantificou os valores dos “serviços na natureza”, calculando para aquele ano 33 trilhões de dólares. Podemos quantificar os produtos e serviços da natureza no Brasil, ativos ambientais, criando uma noção do seu valor para o país e para o mundo. Por exemplo: Quanto vale os produtos e serviços da biodiversidade das florestas tropicais para as bilionárias indústrias farmacêutica e da biotecnologia? E os do clima, solos e níveis de insolação para o agrobusiness?

“No mundo globalizado, onde todos pensam que a localização não é importante, o que acontece é exatamente o contrário. As vantagens não são as que podem ser terceirizadas ou globalizadas, mas as que existem localmente”, observa o renomado cientista Michael Porter, PhD em administração de Harvard.

A Rio+10 foi além, mais que uma cúpula mundial para o desenvolvimento sustentável, foi um exercício global de sobrevivência, marcou o início de um novo grupo, chamado pelo WWI de E-9 Environmental 9 (Econológico 9), formado pelas sociedades organizadas nos países industrializados e em desenvolvimento: Brasil, EUA, Japão, China, União Européia, África do Sul, Índia, Rússia e Indonésia estratégicos em seu conjunto, tanto sob o ponto de vista sócio-ambiental quanto econômico – poderão desempenhar um papel central para diminuir a distância entre o planeta rico e o planeta pobre. O E9 representa 60% da população mundial, 57% das florestas e 72% da produção econômica total. Funcionará como contra ponto ao G8 – grupo dos 8 paises mais ricos, formado por estados, seus membros formarão a corrente global das ações locais, com visão integrada, serão líderes do Século XXI.

O encontro reuniu atores-chave num mesmo palco, definindo o nosso futuro comum. Lembraremos então da mensagem do Chefe Seattle, enviada ao presidente americano Franklin Pierce, em 1854, quando este manifestou interesse em adquirir o território da sua tribo: “O que ocorre com a Terra recairá sobre os filhos da Terra. Há uma ligação em tudo”.

Fonte: WWI-Worldwatch Institute / UMA-Universidade Livre da Mata Atlântica
Site www.wwiuma.org.br