Gestão de florestas

A Entrevista a Tasso Resende de Azevedo

O Projeto de Gestão de Florestas, que prevê o corte de apenas seis árvores por hectare a cada 25 anos, deverá ser enviado pelo Governo ao Congresso até o final do ano, vem gerando muita polêmica entre os ambientalistas, mas pretende, na verdade, organizar a atividade madeireira, principalmente na região Amazônica. Segundo o diretor do Programa Nacional de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Tasso Rezende de Azevedo, a proposta deverá facilitar o controle e a fiscalização da extração de madeira com impacto muito baixo sobre o meio ambiente. Tasso afirma que a privatização de áreas públicas ocorre desde a época das capitanias hereditárias, mas o que o governo pretende fazer é muito diferente de conceder terras públicas à iniciativa privada sem regras ou controle sobre o meio ambiente.

O Projeto de Gestão de Florestas vem criando uma grande polêmica sobre extração de madeira e preservação ambiental. Algumas pessoas acham que o projeto vai privatizar a Amazônia. O que realmente quer o governo com essa proposta?

A maior parte das florestas brasileiras, ao contrário do que muita gente imagina, se encontra em áreas públicas. No caso da Amazônia, por exemplo, 75% estão em áreas públicas. Nesse total estão incluídas as Unidades de Conservação e terras indígenas, que juntas chegam cerca de 30% do total. Os outros 45% são de terras públicas de uso ainda não definido. Nessas terras é onde ocorre o processo de grilagem, ocupação ilegal ou de titulação legal às entidades privadas. Nesse último caso, esse processo de privatização vem desde o tempo das capitanias hereditárias. Passa-se o patrimônio público para o privado e este faz o que bem entender na área. Dentro das medidas de combate ao desmatamento, uma delas é a regulamentação das áreas que têm florestas por serem áreas públicas. O projeto pretende regulamentar como deve ser a gestão dessas áreas que contêm florestas. A regulamentação das atividades está dividida de três formas para possibilitar o manejo sustentado. Na primeira serão criadas unidades de conservação sustentável, como as florestas nacionais, e em seguida será feita a gestão delas. A segunda, seria destinar as terras às comunidades via assentamento florestal, via reserva extrativista ou via reserva de desenvolvimento sustentável. Haveria ainda a possibilidade de criação de áreas quilombolas ou de um território indígena, assim por diante.

q

A terceira forma seriam os mecanismos de concessão. Nesse processo, as terras continuariam sob domínio público, mas com permissão para utilização voltada para produção de madeira, produtos não madeireiros e até para serviços, como por exemplo, turismo. O processo de concessão no Brasil está atrelado ao processo de privatização que ocorreu no setor de telefonia entre outros, que eram serviços executados pelo estado e que foram passados para a iniciativa privada.

No caso de floresta, não existe produção florestal pelo Estado porque a Constituição não permite. Hoje, diversas atividades são desenvolvidas em áreas públicas de forma irregular e sem pagamento de impostos. A proposta de gestão de florestas é regulamentar o acesso permitindo a quem quiser fazer o manejo sustentado que tenha o acesso regular às áreas atuando dentro da lei que vai determinar o que pode e o que não pode ser feito nas áreas públicas. Essas concessões serão licitadas e terão contratos, além do pagamento pelo uso dos recursos.

Algumas organizações não governamentais estão criticando o projeto pelo fato das concessões darem margem à exploração de madeira além do que for permitido. Há realmente essa possibilidade?

Por ser algo novo, há certa dificuldade em se distinguir o desmatamento, o mau manejo e o bom manejo. O desmatamento é o corte raso da floresta em que há uma derrubada de todas as árvores e posteriormente a área é queimada com a substituição da floresta por outro uso da terra. Essa é a imagem que as pessoas têm quando pensam em extração porque em muitos lugares a atividade madeireira precede uma ação de desmatamento. A segunda, o mau manejo, é quando ocorre o corte seletivo não planejado com a retirada do máximo possível de árvores com valor econômico alto e depois a floresta é abandonada, geralmente com uma degradação que leva centenas de anos para se recuperar. O bom manejo é um sistema planejado em que todas as árvores são inventariadas anteriormente à atividade extrativista, sob um criterioso processo de seleção, e no final são retiradas apenas entre cinco a seis árvores por hectare a cada 25 anos. Isso significa que num hectare, que geralmente tem cerca de 300 árvores, quando se tiram cinco ou seis unidades se está retirando os indivíduos adultos sem contar as árvores menores e as plantas. Ou seja, o impacto é muito baixo. O que está sendo preconizado para essas áreas públicas é esse tipo de manejo. Essa proposta não é nova. Atualmente temos cerca de um milhão e 200 mil hectares de florestas na Amazônia que estão certificadas com padrões internacionais que avaliam os temas sociais, ambientais e econômicos no manejo de floresta. Essa área é a maior do mundo em florestas tropicais certificadas. Essa experiência é que nos permitirá multiplicar as áreas para concessão podendo chegar a 30 ou 50 milhões de hectares para abastecer toda a indústria madeireira do país.

Com a retirada de apenas cinco a seis árvores é possível atender a toda demanda por madeira no Brasil e no exterior?

O Brasil tem uma situação muito peculiar e confortável no mundo nesse setor. Hoje, a área da Amazônia é de cerca de 500 milhões de hectares. Consumimos cerca de 30 milhões de metros cúbicos de madeira por ano. Para se produzir continuamente um metro cúbico é necessário de um a um e meio hectare. Com cerca de 30 a 50 milhões de hectares é possível produzir sustentavelmente o mercado com todos os produtos que existem na Amazônia. Além disso, será possível manter toda a cobertura florestal com todos os seus valores. Ou seja, com 10% da área total da Amazônia é possível atender plenamente ao consumo.

O corte ilegal de madeira representa quanto do total que é retirado da floresta Amazônica?

Há duas formas de se ver o corte ilegal. Uma delas é verificar o quanto foi autorizado e qual o volume colhido naquele ano. Se fizermos essa conta no Brasil, vamos concluir que cerca de 30% é ilegal. Mas o ilegal é mais que isso porque há também os casos em que as concessões são dadas, mas a extração não é feita naquele local, ou então o manejo não foi feito na forma como previsto. Com esses critérios, podemos chegar em até 80% de ilegalidade. Muitas dessas extrações ocorrem em áreas públicas e só por isso já é ilegal. Regulamentar o uso das terras públicas vai resolver uma parte importante dos problemas. A outra forma é observar como é feito o manejo das áreas florestais quando ocorre um processo inverso do planejamento. Não existe, por exemplo, na Amazônia uma área contínua para receber todos os projetos. Cada extrativista diz em que lugar pretende explorar a madeira. Com o projeto de lei, teremos os arranjos produtivos locais que são adequados a esse tipo de empreendimento, inclusive levando em conta a infra-estrutura presente naquela região. Por exemplo, ao longo da BR 163 é um lugar onde será possível fazer um arranjo produtivo local relacionado com atividade madeireira, destinando uma boa parte da terra ao manejo florestal. Ou seja, manter a floresta em pé e concentrar a atividade florestal em lotes, o que vai tornar mais fácil monitorar, cuidar e fiscalizar e planejar a infra-estrutura.

Eco 21 – Ano XIV – nº 94 – Setembro – 2004
www.eco21.com.br