A despeito dos riscos decorrentes da modificação genética de árvores, não existe nenhuma legislação internacional referida especificamente a árvores transgênicas. Em vez disso, a legislação tem sido elaborada pensando nas colheitas de alimentos e sementes, e não necessariamente cobre os problemas derivados de plantas geneticamente modificadas de vida longa como as árvores.
A Lei internacional envolvendo organismos geneticamente modificados está, no momento, focalizada nas conseqüências referentes à comercialização. Existem duas instituições que fornecem disposições referidas ao comércio internacional de organismos modificados geneticamente (OGM): a Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade (CBD) e a Organização Mundial do Comércio (OCM).
Os países-membro da CBD adotaram o Protocolo de Cartagena de Biossegurança em Janeiro de 2000. Este Protocolo providencia regulamentação para os movimentos, além das fronteiras, dos organismos geneticamente modificados e está embasado no Princípio de Precação. Ainda que três importantes exportadores de organismos geneticamente modificados (EUA, Canadá e Argentina) não ratificaram o Protocolo de Cartagena, este instrumento jurídico reconhece o direito governamental de impedir as importações de OGM quando a informação for insuficiente para poder avaliar os riscos. A responsabilidade da prova de segurança é assim devolvida ao país exportador dos organismos geneticamente modificados.
Contudo, sob a Organização Mundial do Comércio, os governos podem ser punidos por aplicar legislações tais como a da proibição dos OGM que, segundo a OMC, atrapalha o comércio internacional. A OMC também tem um acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fito-sanitárias (Acordo de SPS) referente à segurança alimentar e às regras sanitárias para animais e plantas. Ao estabelecerem suas Leis, para obedecer ao Acordo SPS, os governos devem avaliar os riscos envolvidos em vez de usar o Principio de Precaução.
Mariam Mayet, Diretora do Centro Africano para a Biossegurança na África do Sul, apontou que o Protocolo de Cartagena omite a questão de se existe ou não prioridade sobre as regras da OMC ao estabelecer que ambos devem ser mutuamente sustentáveis.
O fato de os dois grupos de Leis não serem mutuamente sustentáveis ficou ilustrado em Maio de 2003 quando os EUA, Canadá e Argentina registraram a queixa junto à OMC a respeito da legislação da União Européia sobre os alimentos geneticamente modificados. Os cientistas florestais têm certeza que a poluição genética provinda dos plantios de árvores transgênicas é inevitável. “Os genes eventualmente sairão” diz Steven Strauss da Universidade Estadual de Oregon. Além do risco ecológico envolvido, o projeto de cruzamento árvores geneticamente modificadas com seus parentes naturais para obter árvores silvestres, que contenham genes patenteados, crescendo fora dos plantios, traz inúmeras questões legais. A companhia que possui a patente dos genes tem direitos de propriedade (ou quaisquer outros direitos) sobre as árvores que contêm esse gene?
Os proprietários florestais devem sentir que as árvores que crescem nas suas terras, em realidade, pertencem à International Paper ou à Meadwestvaco, porque os genes patenteados que modificaram suas árvores pertencem às mencionadas companhias?
Tewolde Egziabher, Diretor-Geral da Autoridade para a Proteção Ambiental na Etiopia, foi um dos arquitetos do Protocolo de Cartagena. Em resposta à reclamação dos EUA junto à OMC, ele escreveu, “Nós, dos países africanos que lutamos durante muito tempo e com muita força para o acordo e ratificação do Protocolo de Biossegurança, sentimos que as ações dos EUA têm a intenção de enviar uma forte e agressiva mensagem para nós: que deveríamos escolher a implementação do Protocolo e a rejeição à importação de alimentos geneticamente modificados; nós podemos também enfrentar a possibilidade de um desafio da OMC. Não podemos deixar de perceber que as ações dos Estados Unidos são um golpe preventivo ao Protocolo de Biossegurança e aos interesses de desenvolvimento dos países”.
Quem será responsável se a poluição genética prejudica as árvores nas florestas naturais? Será quem maneja os plantios, as companhias que vendem árvores novas geneticamente modificadas, as companhias que desenvolvem as árvores transgênicas usando os genes patenteados ou será o dono da patente dos genes?
Como será determinado o “dano” às árvores nas florestas? Quem decidirá o que representa o dano? Árvores e florestas são sagradas em algumas culturas e embora superficialmente pareça que não é feito dano algum, alterações na composição genética de árvores silvestres poderiam ser consideradas vandalismo genético. O pólen das árvores pode percorrer enormes distâncias. As sementes podem ser (e são) facilmente contrabandeados nas fronteiras. Nenhuma legislação no mundo todo poderá prevenir que isso aconteça. Se as árvores transgênicas se transformassem em ervas daninhas e começassem a invadir os ecossistemas florestais em decorrência de sementes contrabandeadas, quem seria o responsável?
Em Maio de 2004, a Suprema Corte do Canadá decidiu que a Monsanto tinha o direito de processar agricultores que tivessem colheitas contendo genes patenteados por essa empresa em suas terras. Pat Mooney, diretora do Grupo de Ação em Erosão, Tecnologia e Concentração, explica as implicações dessa regulamentação: “Agora eles podem dizer que seus direitos se estendem a tudo o que tiver seus genes, seja planta, animal ou ser humano. Sob estas regras espalhar a poluição transgênica aparece como uma estratégia viável de apropriação corporativa”.
Árvores geneticamente modificadas e aquecimento global
Em 22 de Outubro de 2004, a Rússia ratificou o Protocolo de Kyoto, o acordo internacional elaborado para começar a enfrentar o problema do aquecimento global. A ratificação pela Rússia do Protocolo agora concede a esse instrumento legal um nível de participação suficientemente alto pelos países mais responsáveis das emissões mundiais de dióxido de carbono para que o acordo entre em vigor, inclusive sem as emissões dos Estados Unidos, que representam 25% das emissões anuais globais do mundo inteiro.
Dias depois do anúncio da Rússia, o comércio dos Certificados de Carbono do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo na Europa triplicou. Espera-se que esse mercado seja o maior já existente no mundo inteiro, e se projeta que chegará aos 60 bilhões de dólares para o ano 2008. O mercado do carbono foi criado para permitir que as corporações comprassem o direito de continuar emitindo dióxido de carbono enquanto davam a entender que enfrentam o aquecimento global; trata-se de uma mercadoria realmente vantajosa.
Os créditos de carbono são comprados a países ou corporações que de algum jeito têm reduzido suas emissões de carbono – por exemplo, transformando uma fábrica que queima carvão numa fábrica que funciona com gás natural ou plantando árvores para que absorvam as emissões de carbono.
Em Dezembro passado, em Milão, Itália, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que supervisiona o Protocolo de Kyoto acordou que as árvores geneticamente modificadas poderiam ser usadas em plantações de árvores com fins industriais, desenvolvidas para absorver as emissões de carbono. Essas plantações estarão provavelmente desenvolvidas no Sul Global, com subsídios do Banco Mundial, para compensar as emissões do Norte industrial.
Esse acordo das Nações Unidas, junto com os subsídios do Banco Mundial, proporcionam grandes e novos incentivos para promover a tecnologia de árvores geneticamente modificadas através da criação desse vantajoso mercado de carbono. Enquanto isso, o Protocolo de Kyoto não contém disposições para proteger efetivamente as florestas nativas existentes que absorvem carbono.
Os cientistas alegam que as árvores podem ser geneticamente modificadas para seqüestrar ainda mais carbono do que fazem atualmente, para melhorar a capacidade das plantações de compensar o carbono industrial. Lamentavelmente restam várias dificuldades com esse plano.
Primeiramente está o problema de localização dessas plantações. Estudos na Universidade de Duke nos Estados Unidos têm constatado que quando as árvores são submetidas a mais dióxido e carbono no ar, elas apenas vão aumentar sua acumulação de carbono se os solos forem ricos em nitrogênio. As árvores em solos pobres não aumentaram seu armazenamento de carbono. Isso significa que as plantações desenvolvidas para armazenar carbono precisarão estar localizadas em solos férteis.
Cientistas em uma conferência sobre árvores geneticamente modificadas da Universidade de Duke, sugeriram que essas plantações poderiam estar localizadas em terras agrícolas abandonadas. Mas isso faz surgir a pergunta de onde existem essas terras agrícolas férteis abandonadas? Devem ser um segredo muito bem guardado. Não, na realidade, essas plantações estarão concentradas no Sul Global onde provavelmente deslocarão comunidades, através da assunção direta do controle de suas terras agrícolas para plantações ou cortando florestas nativas e substituindo essas florestas com plantações, com todos os impactos decorrentes que trazem as plantações – desde perda de água doce e biodiversidade até poluição com químicos tóxicos.
As preocupações adicionais sobre as plantações de armazenagem de carbono incluem o assunto da proteção das plantações de qualquer atividade que possa liberar o carbono – tais como corte ou incêndios. Algumas pessoas têm sugerido que as plantações para a compensação do carbono deverão transformar-se virtualmente em “áreas de exclusão humana” onde toda a atividade humana seja proibida – um projeto que quase com certeza levaria ao deslocamento das comunidades da floresta.
Os problemas supra, são inerentes em qualquer plantação florestal de compensação de carbono geneticamente manipulada ou não. A inclusão das árvores geneticamente modifi- cadas nessas plantações, no entanto, acrescenta toda uma nova camada de problemas. Além de manipular árvores geneticamente para maior absorção de carbono, os cientistas as estão manipulando para que sejam resistentes a insetos e herbicidas, cresçam mais rapidamente e sejam estéreis.
As plantações de monoculturas de árvores com uso intensivo de nutrientes secam rapidamente as napas freáticas e esgotam o solo. As árvores geneticamente manipuladas para crescer ainda mais rapidamente exacerbarão esse problema. Imagens de satélite da década de 80 têm mostrado que vastas extensões de terra onde havia florestas nativas foram transformadas agora em plantações de árvores. A indústria estabelece que as árvores geneticamente modificadas sejam estéreis pelas características supra, evitando a contaminação.
Os pesquisadores em esterilidade têm admitido, no entanto, que não é provável atingir uma esterilidade cem porcento garantida em árvores, porque as árvores podem viver por centenas de anos e têm genomas ainda mais longos que o genoma humano. Além disso, foi documentado que o pólen das árvores viaja 600 km ou mais.
O pólen das árvores geneticamente modi- ficadas pode contaminar vastas extensões de florestas nativas com uma grande variedade de características destruidoras, exterminando o delicado equilíbrio ecológico das florestas nativas e causando mais mortalidade de florestas e liberação adicional de dióxido de carbono, o gás de Efeito Estufa.
As plantações de árvores geneticamente manipuladas não têm lugar nas práticas de manejo f lorestal sustentável que mantém ecossistemas saudáveis da floresta. Com certeza não têm lugar na luta para deter o aquecimento global. As propostas das Nações Unidas e do Banco Mundial para projetos – como o das plantações de árvores geneticamente modi- ficadas – permitem às corporações continuar poluindo e aumentando o aquecimento global às expensas dos povos e ecossistemas no Sul Global de forma desigual.
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A Agência de Proteção Ambiental dos EUA e o Instituto de Recursos Mundiais têm constatado que as florestas plantadas seqüestram apenas 1/4 do carbono do que seqüestravam as florestas nativas precedentes. O crescimento mais rápido das árvores geneticamente modificadas que esgotam os solos e a água causa desmatamento adicional enquanto as florestas nativas são cortadas para substituir a terra despojada com outras árvores. Esse processo de conversão de florestas nativas em plantações contribui em grande medida com o aquecimento global liberando simultaneamente o carbono armazenado nas florestas nativas, eliminando a capacidade natural das florestas nativas de regular o clima da Terra e substituindo as florestas nativas por plantações que armazenam carbono a uma taxa extremamente reduzida.
Revista Eco 21, Ano XIV, Edição 97, Dezembro 2004. (www.eco21.com.br)
Anne Petermann e Chris Lang
Global Justice Ecology Project; Pesquisador, Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais, respectivamente