Fórum abre caminho para uma Política de Mudanças Climáticas

Criado em 2000, com o objetivo de conscientizar e mobilizar a sociedade brasileira sobre o tema de mudança global do clima, o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas é reinstalado sob a direção de Luiz Pinguelli Rosa em um momento particularmente importante para o Brasil e para o mundo, às vésperas da 10ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas e ante a iminente entrada em vigor do Protocolo de Kyoto.

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A existência do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas soma-se ao papel de liderança que o Brasil tem internacionalmente na discussão desse tema de interesse nacional e global. Agora, com a perspectiva de um novo momento internacional na discussão das questões climáticas, o Fórum tem a possibilidade de promover um amplo debate com a sociedade brasileira que, registre-se, evoluiu consideravelmente na sua percepção dos impactos e das possibilidades que a mudança global do clima pode acarretar para o País. 

Embora a questão das mudanças climáticas ainda esteja distante do cidadão comum, é notável como os setores não-governamental, acadêmico e privado têm produzido análises e contribuições de significativa importância para a compreensão do tema, para a discussão das medidas necessárias para lidar com seus impactos e para preparar a participação do País nas negociações internacionais. 

Esses mesmos setores, aliados ao indispensável papel do Estado, manifestam, de maneira crescente, a necessidade de ampliar o debate, fazendo-o de modo a permitir uma interação cada vez maior dos diversos atores sociais, aumentando a consciência da sociedade, quer em termos de oportunidades, a se traduzirem pela potencial transferência de recursos para o País mediante a utilização dos instrumentos previstos no Protocolo de Kyoto – como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo –, quer em termos da necessidade de preparar o País para eventuais efeitos adversos em algumas de suas regiões. 

A perspectiva de entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, com o seu potencial de mobilização de recursos da ordem de muitas dezenas de milhões de dólares por ano, uma parte dos quais poderá ser orientada para o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, torna urgente a mobilização de esforços da sociedade brasileira no sentido de prepará-la para aproveitar as oportunidades decorrentes deste instrumento. 

Historicamente, o Brasil tem defendido o “Princípio das Responsabilidades Comuns, porém Diferenciadas”, que norteia a COP10 e o Protocolo de Kyoto. A aplicação desse Princípio é fundamental para imputar as responsabilidades históricas aos países que mais contribuem para o agravamento do Efeito Estufa. Os países em desenvolvimento, por sua vez, devem ser os beneficiários das políticas mundiais para redução de emissões de gases, uma vez que não contribuem para o passivo histórico de emissões registradas no cenário atual. Nesse contexto, a responsablidade brasileira para o conjunto de emissões globais não pode ser comparada a de países industrializados, que alcançaram essa condição graças a um processo de desenvolvimento calcado, fundamentalmente, em emissões de gases que hoje configuram o problema. 

O arranjo internacional baseado no princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas, não estabelece, para o Brasil, metas de redução de emissões. 

Não temos metas, nossas responsabilidades são diferenciadas, mas temos responsabilidades. O Ministério do Meio Ambiente está atento ao tema e às suas competências no contexto governamental. Particularmente, temos a consciência da incômoda posição brasileira de grande emissor de gases de Efeito Estufa, resultantes, principalmente, das históricas taxas de desmatamento na Amazônia brasileira. 

E, por isso, é fundamental que se reconheçam as medidas que estamos adotando para combater esse problema. Desde que assumi o Ministério, e em consonância com as orientações do Presidente Lula, tenho defendido que, na área internacional, o Brasil deveria adotar uma política de liderança através de exemplos. 

Por isso, estamos adotando todas as medidas que se fazem necessárias para promover políticas de desenvolvimento sustentável na Amazônia e reduzir os índices de desmatamento na região. Foram tomadas medidas importantes, como o estabelecimento de um novo modelo de assentamento rural, os “Assentamentos Florestais”, e o Plano de Combate ao Desmatamento na Amazônia, resultado de um inédito trabalho de parceria, realizado por 11 Ministérios. Isso se faz não porque o Brasil tenha metas internacionais a cumprir, mas por entender que a redução do desmatamento é uma obrigação que temos com a nossa própria sociedade. 

No âmbito internacional, a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, em Fevereiro de 2005, possibilitará novas discussões sobre as responsabilidades dos países no que se refere à mudança global do clima. Precisamos nos preparar, desde já, para esse debate que promete ser longo e complexo. Países com grande potencial de desenvolvimento, como o Brasil, a Índia e a China, já são hoje pressionados a assumirem compromissos de redução de emissões; essa pressão deve aumentar ainda mais no futuro, especialmente no contexto das negociações para o período posterior a 2012, até quando vigoram as atuais disposições do Protocolo. 

O Fórum deverá ter um papel fundamental no sentido de articular a sociedade brasileira para a produção de subsídios às posições governamentais nas negociações internacionais que se seguirão, somando-se aos esforços já realizados pela Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, criada com a finalidade de articular as ações de Governo decorrentes da Convenção sobre Mudanças Climáticas e seus instrumentos subsidiários. 

A estrutura montada pelo Governo brasileiro para avaliar os projetos do MDL, fez com que a Comissão Interministerial tivesse a seriedade de seu trabalho reconhecida pelo Conselho Executivo encarregado de supervisionar o funcionamento do MDL, ao aprovar um projeto brasileiro como o primeiro de MDL mundial. Trata-se de um projeto de geração de energia a partir de resíduos sólidos, numa clara demonstração do potencial dessa iniciativa para o desenvolvimento sustentável em nosso País. Precisamos agora, sob a perspectiva de aumento na competição entre países em desenvolvimento para hospedar esses projetos, assegurar regras claras, custos atraentes, seriedade nas ações do Governo e segurança aos investidores. 

A perspectiva de ampliação do número de projetos MDL no País deve ensejar, por parte de todos os atores brasileiros envolvidos com o tema, uma preparação adequada para que esses projetos contribuam para o desenvolvimento sustentável e para a mitigação da pobreza. O Ministério do Meio Ambiente, ciente de seu papel institucional nessa discussão, participará ativamente dos trabalhos do Fórum. No mesmo espírito, entendemos que a participação social é fundamental para a implementação de políticas públicas, em geral, e, mais particularmente, aquelas voltadas para a redução de emissões e mitigação de efeitos danosos ao meio ambiente e à saúde humana. 

Neste sentido, o MMA criou, recentemente, o Grupo de Trabalho de Mudança do Clima, com o intuito de fortalecer o conhecimento do tema no âmbito do Ministério e capacitá-lo a atuar de maneira mais consistente em instâncias como a Comissão Interministerial e o próprio Fórum. 

O Grupo, formado por representantes do Ministério e por especialistas de diversos setores, visa, dentro das competências do MMA, discutir, elaborar e propor políticas relacionadas ao tema, preparar subsídios às negociações internacionais, acompanhar os acordos firmados entre o Brasil e outros países, definir políticas para a internalização dos compromissos internacionais, avaliar projetos de MDLs submetidos à Comissão Interministerial de Mudança Climática. A criação do Grupo reforça a nossa convicção de poder apoiar o professor Pinguelli Rosa em sua empreitada como Secretário-Executivo do Fórum. 

O Grupo de Trabalho por nós criado dá seqüência a uma série de esforços que realizamos no sentido de fomentar pesquisas e implementar políticas públicas para diminuir os efeitos deletérios das mudanças climáticas. O Fundo Nacional do Meio Ambiente, por exemplo, tem patrocinado a implementação, em diversas regiões do País, de estudos de viabilidade para projetos-piloto de MDL na área temática de mudanças climáticas e combate à desertificação. O primeiro edital obteve grande sucesso, e a edição de um segundo edital já está sendo discutida para o próximo ano. Além disso, em parceria com o Ministério das Cidades, o MMA coordena uma iniciativa com o Fundo Fiduciário do Japão, intermediada pelo Banco Mundial, que pretende doar ao País recursos da ordem de um milhão de dólares para a realização de investimentos em estudos e projetos de MDL na área de resíduos sólidos. 

Também com vistas a colaborar com as pesquisas na área de mudança do clima, o MMA apóia, por meio do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira – PROBIO, projetos relativos ao levantamento de indicadores de diversidade biológica sensíveis a parâmetros climáticos e a vulnerabilidade do ciclo hidrológico brasileiro às mudanças climáticas. 

São esforços ainda tímidos diante da complexidade do tema e do volume de incertezas que ainda nos cercam. Particularmente para os países em desenvolvimento, é fundamental que se aprofundem os estudos em torno da vulnerabilidade de nossos ecossistemas às mudanças climáticas e das medidas de adaptação que se mostram necessárias. Esse é um tema que tem sido tratado com menor destaque no âmbito internacional, mas, espera-se, que possa tomar maior fôlego a partir da COP10, que se realiza agroa em Dezembro, em Buenos Aires. Os problemas de vulnerabilidade e de adaptação às mudanças climáticas serão mais sentidos justamente pelos países que têm menores condições econômicas de enfrentálos. Além disso, são pouco conhecidos os danos potenciais das mudanças climáticas à biodiversidade tropical. 

A ampliação do diálogo existente entre o Governo, a sociedade e as empresas, sobre as mudanças climáticas é primordial para o sucesso das políticas que almejam diminuir a vulnerabilidade do País e aumentar nossa capacidade de adaptação ao problema. 

Igualmente, há a necessidade do desenvolvimento de projetos voltados para a indústria, agricultura, saneamento, florestamento e reflorestamento. O Ministério do Meio Ambiente tem prestado espe cial atenção às questões de florestamento e reflorestamento, pois projetos desse tipo são reconhecidos pelo Protocolo de Kyoto como elegíveis ao MDL. Projetos de florestamento e reflorestamento de pequena escala, cujas regras deverão ser aprovadas na Conferência de Buenos Aires, constituem prioridade do Programa Nacional de Florestas, que, ao apoiar o plantio de florestas nativas e exóticas em pequenas áreas, contemplam as comunidades de baixa renda e o desenvolvimento sustentável, o que está em consonância com os projetos de inclusão social do Governo. 

O Fórum deverá somar-se aos esforços da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, do Congresso Nacional, que começa a discutir o tema, de diversas instituições científicas e acadêmicas, de redes de organizações não-governamentais que atuam especificamente nesse tema e de empresas e associações empresariais que têm se capacitado para promover a internalização dos compromissos internacionais em nosso País. Essa conjugação de esforços fortalecerá as políticas públicas e formará as bases para a adoção, em nosso País, de uma Política Nacional sobre Mudanças Climáticas.

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O Fórum, pela ampla representatividade da sociedade brasileira que encerra em sua composição, há de ter um papel inestimável e, certamente, o professor Pinguelli terá a sabedoria de conduzi-lo nesse sentido.

O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas foi criado com o objetivo de conscientizar e mobilizar a sociedade para a discussão e a tomada de posição sobre os problemas decorrentes da mudança do clima por gases de efeito estufa, bem como sobre o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), definido no Protocolo de Kyoto. o Brasil participa, em Buenos Aires, da 10ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP10), que debaterá, entre outros assuntos, a implementação do Protocolo de Kyoto, previsto para entrar em vigor a partir de 16 de fevereiro.

Marina Silva
Ex ministra do Meio Ambiente
Fonte: Revista Eco 21, Ano XIV, Edição 97, Dezembro 2004. (www.eco21.com.br)