Translocações de Animais Silvestres

Translocações de Animais Silvestres Translocação é a movimentação de organismos vivos, pelo homem, de uma determinada área para outra, com soltura nesta última (UICN, 1987). Podemos distinguir três tipos de translocação, definidos a seguir:

  • Introdução é a soltura intencional ou acidental de um organismo, em área fora da distribuição geográfica conhecida para aquela espécie.
  • Reintrodução é a soltura intencional de um organismo em área que se encontra dentro da distribuição geográfica da espécie, mas que foi localmente extinta, como resultado de atividades humanas ou catástrofes naturais.
  • Revigoramento Populacional é a soltura de espécimes de uma determinada espécie, com a intenção de aumentar o número de indivíduos de uma população, em seu hábitat e distribuição geográfica originais.

As translocações são poderosas ferramentas para o manejo de populações em ambientes naturais e em ambientes que sofreram a intervenção humana, e bem utilizadas podem trazer benefícios para os sistemas naturais e para o homem. Mas se utilizadas de maneira não técnica, as conseqüências são desastrosas, causando enormes danos ao meio ambiente (UICN, 1997).

Wilson (1988) relata que existam, aproximadamente, 1,4 milhões de espécies já descritas, incluindo os insetos, os vertebrados e as plantas vasculares e briófitas. As espécies restantes de invertebrados, fungos, algas e microorganismos correspondem a grupos ainda pouco estudados, o que ampliaria o número total de espécies para algo entre 5 e 30 milhões. Nenhuma destas espécies ocorre uniformemente sobre a superfície do planeta, cada uma restringe-se a uma área de distribuição definida. Deste modo a extensão de terra e/ou água em que uma espécie pode ocorrer constitui a sua distribuição geográfica.

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Algumas delas só sobrevivem em um local específico e em nenhum outro, sendo denominadas espécies endêmicas. A densidade biológica é naturalmente maior em algumas áreas do que em outras. A sua presença em um determinado local obedece a causas históricas (origem e evolução), ecológicas (relação com os fatores ambientais) e genéticas. Portanto é necessário respeitar a distribuição geográfica natural de cada espécie animal e vegetal.

A distribuição de animais, plantas e microorganismos na terra é dinâmica e não estática. A movimentação natural (sem a intervenção humana) de espécies entre regiões biogeográficas (regiões mundiais com características específicas de fauna, bem como de sua evolução e distribuição), ocorrem através dos contatos entre continentes (deriva continental) e /ou através da diminuição do nível dos mares, quando das glaciações.

Estas movimentações, no entanto, ocorreram em taxas baixas. Neste século o homem está movimentando espécies em todo o mundo, em taxas muito elevadas, o que constitui fenômeno inédito desde que os continentes se separam.

Introduções somente devem ser consideradas caso nenhuma espécie nativa seja adequada aos propósitos a que se propõe a espécie a ser introduzida, sendo estes bem definidos para o homem e/ou comunidades naturais.

Reintrodução é a técnica útil no restabelecimento de uma população em seu hábitat original, onde foi extinta. As reintroduções somente devem ser levadas adiante se as causas originais da extinção tiverem sido removidas ou puderem ser controladas e se o hábitat apresentar todos os requerimentos específicos necessários. Alguns itens básicos para condução de reintroduções são:

1 – Condução de um estudo de viabilidade referente:

  • à área de reintrodução e os animais a serem reintroduzidos (mudança do hábitat desde a extinção local da espécie, existência de inivíduos selvagens a serem transferidos ou de indivíduos nascidos ou mantidos em cativeiro)
  • à atitudes da população local (favoráveis ou não, implicando na elaboração de programas educacionais)
  • aos animais a serem reintroduzidos, que deverão ser da mesma subespécie previamente existente na área e, se possível do mesmo estoque original
  • aos recursos financeiros e humanos necessários ao cumprimento de todas as fases inclusive a final, de acompanhamento.

2 – Preparação para soltura:

  • conhecer as necessidades biológicas do animal (idade ideal, proporção sexual ideal, estação do ano, técnicas de captura e transporte, livrar os animais de aprendizagem de vários comportamentos necessários à sua sobrevivência, entre outros) e a dinâmica ecológica da área de reintrodução.

3 – Acompanhamento após a soltura:

  • conduzir pesquisa para determinar a taxa de adaptação e a dispersão dos animais soltos, a necessidade de futuras solturas e a identificação das razões de sucesso ou falha do programa
  • monitorar o impacto da reitrodução da espécie no hábitat.

Revigoramento Populacional ou “Re-stocking”. Justifica-se o revigoramento populacional quando:

1 – uma pequena população encontra-se em grande risco de retrocruzamento

2 – uma população diminui a níveis críticos e o crescimento natural será perigosamente lento

3 – há necessidade de trocas artificiais e taxas artificialmente mais altas de imigração entre pequenas populações isoladas geograficamente

Antes de se proceder a um “re-stocking” deve-se:

1 – certificar de que a inviabilidade da população resulta de sua própria constituição genética e não do manejo inadequado da área ou dos espécimes, causando deterioração do hábitat e/ou utilização não sustentável da população

2 – ter muita atenção quanto à constituição genética do estoque a ser utilizado em um revigoramento populacional. A manipulação genética do estoque silvestre deve ser mantida a um mínimo, caso contrário a habilidade de sobrevivência da espécie ou população pode ser adversamente afetada

3 – observar que, em espécies com vasta distribuição geográfica, e onde o revigoramento se dê nos limites climáticos e ecológicos de sua distribuição, cuidados devem ser tomados no intuito de se utilizar indivíduos provenientes de zonas climáticas e ecológicas similares, de modo a não comprometer o genótipo de resistência das populações das áreas limites da distribuição

4 – conhecer a procedência, a idade, sexo e o estado de saúde dos animais utilizados. O perigo de introduzir doenças nas populações silvestres deve ser evitado, principalmente por aqueles animais que possam transmitir zoonoses

5 – observar que, em casos de ser realmente necessário liberar na natureza animais de cativeiro reabilitados, é mais seguro proceder a uma reintrodução, onde não haverá perigo de infectar populações silvestres da mesma espécie com novas doenças e onde não se criará problemas de aceitação social dos animais, por espécimes silvestres.

Finalmente, sugerimos que uma translocação seja usada primariamente para estabelecer ou fortalecer uma população silvestre auto-sustentável, cujos indivíduos, de preferência, pertençam a uma espécie ameaçada de extinção. Um programa básico de translocação é apresentado a seguir e deve ser encaminhado à Superintendência do IBAMA, para análise e parecer, com seis meses de antecedência da data programada para início do projeto.

Programa Básico para Condução de Translocações:

Fase 1 – Estudo de Viabilidade referente:

a – a real necessidade de se proceder à translocação
b – aos níveis de risco da modalidade escolhida
c – à área receptora (fauna presente, capacidade de suporte, ação antrópica, proteção, entre outros)
d – às causas de diminuição ou extinção local da(s) espécie(s) na área receptora
e – aos aspectos ecológicos e sanitários da(s) espécie(s) à(s) qual(is) pertence(m) os espécimes a serem transportados
f – aos projetos de acompanhemento pós-soltura
g – ao impacto à população já existente na área (em caso de revigoramento) e a comunidade local
h – às necessidades de condução de programa de educação ambiental relativos ao projeto
i – às necessidades de recursos humanos e financeiros

Fase 2 – Procedimentos Burocráticos e de Planejamento Global:

a – elaboração de cronograma de todo o processo de translocação, tomando-se como base para o planejamento a época ótima de soltura
b – levantamento de espécimes disponíveis para o programa e/ou necessidade de captura e conseqüentemente levantamento de áreas de captura
c – levantamento e confirmação da disponibilidade dos recursos financeiros necessários à condução de todas as fases do programa
d – levantamento e aquisição de materiais e equipamentos
e – determinação e estabelecimento de recursos humanos necessários e cronograma de treinamento, se for o caso
f – definição e construção de infra-estrutura no local de soltura (aclimatação)
g – obtenção de autorizações, permissões e licenças
h – elaboração de planos alternativos e emergenciais
i – elaboração de estudos de acompanhamento após a soltura.

Fase 3 – Procedimentos de Preparação dos Espécimes:

a – levantamento de dados biométricos, da idade, do sexo, da identificação até subespécie, da procedência e da constituição genética do estoque a ser liberado
b – avaliação das condições físicas e sanitárias
c – administração de tratamento médico veterinário e/ou quarentena, se necessário
d – marcação com etiquetas, tatuagens, anilhas, entre outros
e – colocação ou implantação de equipamento de radiotelemetria, se for o caso

Fase 4 – Acompanhamento Após a Soltura:

a – condução de estudos para determinar a taxa de adaptação e a dispersão dos animais translocados, a necessidade de futuras solturas e a identificação de pontos positivos e negativos que conduziram à falha ou sucesso do programa
b- monitoramento do impacto da translocação no hábitat

IUCN (União Internacional de Unidades de Conservação), 1987