Queimada: uma prática controlada no Pantanal

A utilização do fogo como elemento de manejo das áreas de savanas e campos naturais, embora muito contestada no meio científico por entidades ambientalistas e a sociedade em geral, constitui uma realidade e prática bastante comum em muitas regiões tropicais e subtropicais, especialmente naquelas caracterizadas por estação seca pronunciada.

No Brasil, o fogo está presente na atividade agropecuária, destacando-se sua utilização na região dos Cerrados e na Amazônia, com o objetivo de promover a renovação ou recuperação das pastagens. A utilização desta prática como alternativa de manejo das savanas justifica-se pelo controle de plantas invasoras e maior oferta de forragem fresca e palatável para o gado, obtida através da emissão de brotações, proporcionada pela remoção da macega.

Na maioria das áreas de savanas e especialmente nos cerrados brasileiros, ao final da estação seca, se queimam indiscriminadamente áreas de vegetação herbácea, arbustiva e arbórea. No Pantanal, a queimada também é empregada anualmente, entretanto, ao contrário da maioria das áreas de savanas, sua utilização se faz de forma controlada. Devido às características peculiares da região – por apresentar alternadamente extensas áreas de campos (limpos ou sujos) sujeitas a inundações periódicas – cerrados, cerradões e matas, o pantaneiro tem feito uso desta prática de forma parcimoniosa.

Conforme relatos de outros pesquisadores, a utilização do fogo no Pantanal se faz de forma seletiva e localizada procurando eliminar ou conter a expansão de espécies indesejáveis e promovendo a rebrota das forrageiras de baixa aceitabilidade, sendo comumente queimadas as áreas de “caronal” (predominância de Elyonurus muticus), de “capim-fura-bucho” (Paspalum carinatum e Paspalum stellatum), de “capim-rabo-de-burro” e rabo-de-lobo (Andropogon bicornis e Andropogon hypogynus) e cerrados ralos.

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Destacam, ainda, que a rebrota promovida pelo fogo parece essencial ao aproveitamento das forrageiras de baixa aceitabilidade, embora, talvez, 90% da fitomassa aérea seja perdida pela queima.

Ainda que o emprego da queimada no Pantanal se faça de forma controlada, sua utilização merece cautela. Resultados de estudos recentes desenvolvidos em áreas de savana gramíneo-lenhosa, na sub-região da Nhecolândia, Pantanal Sul Mato-Grossense, têm demonstrado que a queima anual do caronal promove uma redução na biomassa aérea, acumulada nos onze meses subseqüentes à queima, de aproximadamente 36% quando comparada à área sem queima. Com sua reincidência no ano seguinte, a redução é de cerca de 50%. A fitomassa morta decresce expressivamente, com valores máximos, representando não mais que 10% da área sem queima.

Com a queima, tem se reduzido a freqüência das espécies de gramíneas na área de caronal e aumentado o número de espécies de dicotiledôneas e de ciperáceas, quando comparados à área sem queima. A cobertura do solo, em áreas queimadas, se reduz expressivamente e tem levado cerca de quatro a seis meses para igualar-se à área sem queima.

Em 2001, ao se confirmar a previsão de poucas chuvas, numa estação seca mais prolongada, conseqüentemente, intensificou-se a incidência de queimadas em todo o País. Todavia, enquanto esta prática não for substituída por alternativas de manejo mais racionais, os engenheiros florestais e os cientistas recomendam para sua utilização o cumprimento das exigências legais do IBAMA e uma atenção especial para aspectos como umidade do solo, hora ideal de queima, limpeza de aceiros, direção do vento, tamanho das áreas, e, principalmente, não queimar a mesma área anualmente.

A reincidência sistemática da queima por vários anos, na mesma área, provoca uma degradação físico-química e biológica do solo, acarretando redução da biomassa aérea.

Evaldo Luís Cardoso e Sandra Mara Araújo Crispim
Revista Eco 21, Ano XII, No 71, Outubro de 2002 (www.eco21.com.br).