Pergunte-se ao Dicionário do Folclore Brasileiro o que é sapo. Logo na primeira linha, o verbete de Luís da Câmara Cascudo dirá que “é um elemento indispensável nas bruxarias”. Faça-se a mesma pergunta ao físico Germano Woehl Júnior. Ele responderá que é o bicho mais difamado da fauna brasileira. “Considerado feio e associado a doenças e feitiçarias”, ele é o elo mais fraco da cadeia que nos liga à natureza.
Convencido de que é com os sapos, as rãs e as pererecas que aprendemos a não gostar do que nos resta de florestas, ele gastou todos os fins de semana, férias e licenças dos últimos cinco anos a levar crianças para ver de perto os anfíbios nos cinco hectares de mata atlântica que comprou para preservar em Guaramirim, Santa Catarina. Oito mil alunos das escolas vizinhas já passaram pela reserva particular, que desde o começo do ano atende pelo nome de Instituto Rã Bugio para Conservação da Biodiversidade, uma ONG ambientalista.
Resultado: já foi visitado por lavradores da região, pedindo ajuda para negociar com os filhos uma forma de aproveitar os banhados em suas terras sem acabar com as lagoas onde se reproduzem os girinos. Em sua página na internet, ocupa lugar de honra o Bufo ictericus de 22,5 centímetros “encontrado por Paulo Beta, 15 anos, em Massaranduba. O sapo se chama Paulinho e vive desde 2001 “como animal de estimação”. E Germano coleciona fotografias de crianças com rãs no colo.
Ele é persistente. Filho de pequenos agricultores, aos 11 anos, trabalhando na terra, resolveu que seria cientista. Hoje pesquisa fibras óticas no Centro Técnico Aeroespacial do Ministério da Aeronáutica, o CTA. Criado no planalto de Santa Catarina, conheceu a floresta tropical na viagem em que viu pela primeira vez o mar, aos 12 anos. “Fiquei fascinado”, diz ele. “Mas, cada vez que ia rever a mata, encontrava destruição por todo lado e pensava que tinha que fazer alguma coisa”.
Comprou por 17 mil reais um naco da serra de Dona Francisca, onde não existem unidades de conservação oficiais. E começou a ficar impressionado com a quantidade de anfíbios que encontrava na propriedade, onde desde então catalogou 41 espécies, “algumas muito raras e pelo menos duas desconhecidas”. Convenceu-se de que “tinha, sem querer, comprado um tesouro. Levava as fotografias para mostrar aos especialistas e eles queriam saber onde eu tinha encontrado aquilo. E meu terreno é pequeno”.
Em 1998, montou uma exposição das primeiras fotografias em São José dos Campos, onde fica o CTA. “Cinco mil pessoas foram ver os bichos e a maioria saía dizendo que eles eram bonitos”, ele conta. Assim, descobriu a fórmula. Sua coleção começou a viajar por Santa Catarina, agora com 70 fotografias. Percorreu 120 cidades. Foi vista por 500 mil pessoas. Naquele ano, gastou nisso tudo o que sobrava do salário. Como pesquisador, ele ganha cerca de 4 mil reais no serviço público.
Ultimamente, tem patrocínio. A Fundação O Boticário ajudou-o a montar as exposições itinerantes. A WEG, uma fábrica de motores elétricos com sede na região, bancou uma cartilha para a identificação dos bichos. Os 30 mil exemplares foram doados a alunos da rde pública. A Brasil Telecom usou seus sapos no ano passado para ilustrar 1800 cartões telefônicos. E a Avina deu-lhe recentemente o empurrão para transformar numa ONG o trabalho que ele e a mulher, Elza Nishimura Wohel, sempre fizeram informalmente nos fins-de-semana.
O casal é a equipe do Rã-Bugio. Há anos nenhum dos dois vai ao cinema. Suas horas vagas são para guiar visitantes. Vivem de lá para cá entre Guaramirim e São José dos Campos. São 680 quilômetros de estrada duas vezes por mês e, por economia, fazem a viagem de ônibus. Os sapos só lhes dão despesa, mas não adianta perguntar por que não cobram o ingresso na reserva. “E alguém iria pagar para ver sapo?” – responde Germano, como se a idéia nunca lhe tivesse passado pela cabeça.
Marcos Sá Corrêa
Foi diretor da revista Época, editor especial da Veja e editor geral do Jornal do Brasil. Tem quatro livros publicados e dois documentários, pela Vídeo Filmes, em parceria com João Moreira Sales. Atualmente, é diretor do No.com.br
Entrevista da AOL