Segundo estimativas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), foram desmatados cerca de 25.500 km2 na Amazônia Legal no período entre agosto de 2001 e agosto de 2002. Um aumento de 40% em relação ao período anterior e uma área maior do que o Estado de Alagoas.1 Este índice é o segundo maior da história, inferior apenas ao de 1995, quando foram derrubados 29.059 km2. De acordo com esta projeção, a área cumulativa desmatada na Amazônia Legal chegou a 631.369 km2 em 2002, correspondente a 15,7% de toda floresta amazônica brasileira. Para melhor qualificar estes números, cabe ressaltar inicialmente as seguintes características do desmatamento recente na Amazônia brasileira:
1. Concentração geográfica: A maior parte do desmatamento na região tem se concentrado ao longo de um “Arco” que se estende entre o sudeste do Maranhão, o norte do Tocantins, sul do Pará, norte de Mato Grosso, Rondônia, sul do Amazonas e o sudeste do Acre. No período de 2000-2001, aproximadamente 70% do desmatamento na Amazônia Legal ocorreram em cerca de cinqüenta municípios nos estados de Mato Grosso, Pará e Rondônia, que representam em torno de 15,7% da área total da região Entre alguns municípios desses estados, a área desmatada chega aos 80-90% de sua superfície total.
2. Desmatamento e a pecuária: A pecuária é responsável por cerca de 80% de toda área desmatada na Amazônia Legal. Enquanto os incentivos fiscais à pecuária diminuíram nos últimos anos, adaptações tecnológicas e gerenciais a condições geo-ecológicas em áreas como a fronteira “consolidada” da Amazônia Oriental têm permitido um aumento da produtividade e a redução de custos. Os principais agentes do desmatamento para a implantação de pastagens são grandes e médios pecuaristas. Entretanto, existe um elevado número de agentes intermediários, geralmente com baixos custos de oportunidade, que antecipam estes pecuaristas, e que são responsáveis de forma direta por grande parte dos desmatamentos. A expansão da pecuária na Amazônia tem se beneficiado da disponibilidade de terras baratas e, em diversos casos, pela falta de cumprimento da legislação ambiental e trabalhista.
3. Áreas abandonadas e sub-utilizadas: Estima-se que mais de 25% da área total desmatada na região amazônica, em torno de 165.000 km2, encontram-se abandonados ou sub-utilizados, muitas vezes em estado de degradação.5 Somente no Estado de Mato Grosso, há entre 12 e 15 milhões de hectares abandonados. Este desperdício torna-se mais grave quando se considera que novas áreas continuam sendo desflorestadas para a expansão de atividades agropecuárias, sem a utilização adequada de grande parte das áreas já abertas.
4. A expansão da soja: Um fator importante no desmatamento recente na Amazônia tem sido a expansão da soja mecanizada em áreas como o município de Querência no norte de Mato Grosso, Humaitá (AM), Paragominas (PA) e Santarém (PA). Segundo dados do IBGE sobre a evolução da área plantada no Arco do Desmatamento, no período de 1999-2001, o arroz e milho experimentaram um decréscimo de 11,44% e 1,94%, respectivamente, enquanto a área plantada em soja aumentou 57,31%. A expansão da soja na Amazônia tem se concentrado em áreas de topografia plana, com condições favoráveis de solos, clima, vegetação e infra-estrutura de transporte. A crescente demanda pela soja em mercados globalizados, a disponibilidade de terras baratas na Amazônia e a falta de internalização de custos sociais e ambientais entre setores privados têm impulsionado este fenômeno.
5. Desmatamento e grilagem de terras públicas: Em muitos casos, o desmatamento recente tem se relacionado a práticas de grilagem de terras públicas. Este fenômeno reflete uma série de fatores, como: i) a falta de supervisão adequada do Poder Público sobre cartórios de títulos e notas, que freqüentemente reconhecem transações fundiárias ilegítimas, ii) fragilidades nos processos discriminatórios e outras ações de averiguação da legitimidade de títulos, e iii) interesses políticos-eleitorais, tipicamente com apoio de funcionários de órgãos fundiários, em que ocupações por posseiros são incentivadas com promessas da concessão futura de lotes. Freqüentemente, a grilagem de terras se relaciona a outros atos ilícitos, como o porte ilegal de armas, trabalho escravo e outras violações dos direitos trabalhistas, evasão de impostos, garimpagem ilegal de madeira, lavagem de dinheiro do narcotráfico, etc.
6. O papel da indústria madeireira: A abertura de estradas clandestinas por madeireiros em lugares isolados da Amazônia tem facilitado a entrada de grileiros e posseiros, que praticam derrubadas para estabelecer a posse da terra. Em muitos casos, a exploração madeireira é realizada de forma intensiva sem práticas de manejo, gerando um expressivo aumento de biomassa seca que torna a floresta altamente vulnerável à invasão do fogo, oriundo de pastagens e roçados em áreas vizinhas. Estima-se que a exploração madeireira não-sustentável chega até 90% de toda madeira extraída da floresta amazônica. Uma parte considerável da madeira com valor econômico, oriunda de áreas de roçados (especialmente em locais isolados de expansão da fronteira) tem sido desperdiçada nas queimadas.
7. Obras de Infra-estrutura: Nas últimas décadas, os grandes investimentos em infra-estrutura, especialmente rodovias de penetração, têm sido uma das principais causas do desflorestamento na Amazônia. Estima-se que entre, 1978 e 1994, cerca de 75% do desflorestamento na Amazônia ocorreram dentro de uma faixa de 50 km de cada lado das rodovias pavimentadas da região. Os investimentos em infra-estrutura tendem a provocar uma forte valorização de terras em sua área de influência, mesmo antes de sua realização. Em muitos casos, a mera expectativa de realização de grandes obras estimula processos de especulação fundiária, grilagem de terras públicas, migrações, a abertura de novas frentes de desmatamento e a ocupação desordenada do espaço.
8. Desmatamento e Assentamentos Rurais: Ao longo das últimas décadas, a região amazônica tem sido priorizada pelo Governo Federal para a criação de assentamentos rurais, servindo inclusive como “válvula de escape” para injustiças sociais em outras regiões do país. Freqüentemente, o INCRA e órgãos fundiários estaduais têm criado assentamentos em locais isolados, desconsiderando características da paisagem natural (aptidão agrícola, topografia, drenagem, flora e fauna, etc.) e a presença de populações tradicionais (indígenas, seringueiros, castanheiros, ribeirinhos, etc.). A agricultura itinerante e a pecuária extensiva têm sido os usos predominantes da terra nos assentamentos rurais. Em precárias condições de sobrevivência, muitos produtores familiares acabam por abandonar suas áreas em busca de emprego ou terras em novas frentes de ocupação na Amazônia. Os compradores destas áreas (geralmente comerciantes locais, madeireiros e pecuaristas, inclusive colonos mais bem-sucedidos) adquirem terras por meio de transações informais. Como resultado desse processo de (re) concentração fundiária nos assentamentos de reforma agrária, observam-se tendências de aumento do desmatamento, associado à expansão da pecuária extensiva.
9. Unidades de Conservação e Terras Indígenas: A análise de dados recentes de sensoriamento remoto demonstra que as Unidades de Conservação e Terras Indígenas têm desempenhado um importante papel na conservação de extensas áreas contíguas de floresta, em alguns casos em áreas de expansão acelerada de frentes agropecuárias e madeireiras. No entanto, na ausência de ações efetivas de implantação destas áreas protegidas (demarcação, sinalização, atividades educativas com populações de entorno, planos de manejo e atividades sustentáveis com populações tradicionais, etc.) e de mudanças nos padrões de ocupação e uso dos recursos naturais nas áreas de entorno, aumentam as pressões sobre UCs e Terras Indígenas, associadas principalmente à garimpagem de madeira e grilagem de terras. Cabe ressaltar que o ritmo do desmatamento na Amazônia tem sido muito superior à criação de novas unidades de conservação, resultando em pressões crescentes sobre áreas identificadas como prioritárias para a conservação, utilização sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade e de outros serviços ambientais.
10. Desmatamento ilegal: A grande maioria dos desmatamentos realizados na Amazônia tem ocorrido sem autorização pelos órgãos competentes. Por exemplo, a área total com autorizações emitidas pelo IBAMA corresponde a apenas 14,2% e 8,7% do total desmatado na Amazônia Legal em 1999 e 2000, respectivamente. Uma parte considerável do desmatamento em propriedades privadas tem ocorrido em áreas de Reserva Legal, matas ciliares (ao longo de rios e igarapés) e nas encostas de morros e serras, áreas legalmente protegidas pelo Código Florestal. O desmatamento associado à grilagem de terras públicas é uma das principais causas do desmatamento ilegal.
11. Novas frentes de desmatamento: Nos últimos anos, têm surgido novas frentes de desmatamento na Amazônia Legal, tanto em áreas adjacentes à chamada “fronteira consolidada” no Arco do Desmatamento como em locais previamente isolados na Amazônia Central. Os fatores que explicam a expansão de novas frentes de desmatamento são variados e podem incluir o avanço da pecuária como uso predominante da terra, a exploração madeireira, a garimpagem de madeira, a expansão da soja mecanizada, a grilagem de terras públicas, a abertura de estradas, a criação de assentamentos rurais em lugares isolados e o surgimento de migrações internas, associadas ao fracasso de antigos assentamentos, pobreza urbana e especulação fundiária.
12. Desmatamento e o Uso do Fogo: De maneira geral, a distribuição espacial das queimadas na Amazônia tem seguido a evolução dos desmatamentos, refletindo a utilização de derrubadas e o fogo para o estabelecimento de atividades agropecuárias e outros fins, inclusive a grilagem de terras públicas. Cabe observar o aumento recente de queimadas em áreas previamente isoladas, inclusive em unidades de conservação como os Parques Nacionais da Serra do Divisor (AC), Tumucumaque (AP), Jaú e Amazônia (AM). Outras tendências preocupantes incluem: a) a utilização do fogo, de forma repetida, para a “limpeza” da vegetação secundária em extensas áreas de pastagens mal-manejadas, com impactos ambientais significativos (solos, recursos hídricos, liberação de gases de efeito estufa, etc) e b) a ocorrência crescente de incêndios florestais, associados à exploração madeireira intensiva e à utilização do fogo em pastagens e roçados em áreas adjacentes.
Presidência da República –
Casa Civil –
Grupo Permanente de Trabalho Interministerial
para a Redução dos Índices de Desmatamento da Amazônia Legal