A contaminação das águas no Brasil aumentou cinco vezes nos últimos dez anos e o problema pode ser constatado em 20 mil áreas diferentes do país. Estes são apenas alguns dos pontos presentes no relatório “O Estado Real das Águas do Brasil”, lançado em Brasília pela Defensoria da Água, Cáritas e UFRJ.
O Relatório revela que a contaminação avança muito rápido num espaço de tempo considerado curto. Se a poluição das águas quintuplicou em 10 anos, as perspectivas ainda estão longe de ser consideradas positivas. Se a contaminação continuar no ritmo em que está, nos próximos dez anos a situação será realmente muito crítica. O informe quer chamar a atenção para isso, para o que estamos fazendo com a água, o nosso principal bem público.
Coordenado pela professora Araceli Ferreira, da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da UFRJ, o Relatório faz um levantamento nas cinco regiões brasileiras, a fim de oferecer um panorama geral sobre a situação. O problema nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, chama muito a atenção, pois em áreas onde há cinco anos não havia sido detectado nenhum tipo de poluição das águas, hoje já estão dentro das áreas consideradas contaminadas.
Na Região Sul, a contaminação é crescente por conta do crescimento industrial. Já no Nordeste, a escassez da água também é intrinsecamente ligada à contaminação, pois a qualidade da água que é consumida pela população continua não apresentando segurança na saúde. Tirando as iniciativas que vieram com a Cáritas, a situação por lá requer atenção.
A privatização também está sendo citada no Relatório, sobretudo, na Região Centro-Oeste. A Coordenadoria das Águas também enfatiza que o fato de o Governo do Estado de Goiás estar iniciando modelos de privatização das águas, além de abrir precedentes muito graves, também pode colocar em risco a qualidade da água. No mapeamento geral, o Relatório aponta 20 mil áreas contaminadas, que interferem diretamente na condição de saúde das populações. O número é maior do que o reconhecido pelos últimos dados do Ministério de Saúde, que é de 15.200 áreas.
O Relatório conta ainda com uma análise do comportamento das grandes indústrias em relação à transparência de seus balanços no que diz respeito à responsabilidade ambiental. De acordo com a professora Araceli Ferreira, é uma prática comum das empresas omitirem seus passivos ambientais, e ao investirem na prevenção de riscos ao meio ambiente e à saúde, o valor não ser tão expressivo com o deveria. “Na Lei 6404/76 das S.A. as empresas são obrigadas a registrar suas contingências, sejam elas trabalhistas, fiscais ou de outra natureza, enquanto que os riscos ambientais sequer são reconhecidos”, ressaltou. No Relatório são avaliadas empresas como Petrobrás, Aracruz, CNS, Gerdau, Cosipa, entre outras.
O estudo foi feito entre os anos de 2003/04 e o Relatório na Conferência Mundial da UNCTAD, em Genebra, Suíça. Depois de ser apresentado na I Semana Brasileira de Economia e Contabilidade Ambiental, em Brasília, o Relatório teve seu lançamento em São Paulo e no Rio de Janeiro. Além de indicar as áreas contaminadas e o comportamento ambiental de grandes empresas, o Relatório apresenta ainda o conjunto de ações feita em defesa das águas no Brasil.
Sabemos que a água tem várias fontes de poluição, a maior delas está nas cidades. A falta de saneamento básico contribui muito para a poluição.
Muitas das estações de tratamento de esgoto descartam o lixo produzido diretamente nas águas correntes. A chuva ácida é outra das grandes fontes de poluição da água, sua capacidade de destruição é tão grande que chega a acabar com a vida aquática. Os lixos dos aterros municipais quando vazam acabam indo para as águas subterrâneas. Os produtos agrotóxicos usados nas lavouras infiltram-se no solo e escorrem para os rios, lagos e até às águas subterrâneas. O ser humano tem causado grande prejuízo à natureza, através dos lixos, esgotos, dejetos químicos industriais e mineração sem controle.
Uma forma de minimizar esse problema é através dos serviços de saneamento ambiental, que incluem a coleta e o tratamento de lixo e de esgoto (antes de lançá-lo nos rios e mares, diminuindo as substâncias tóxicas e patogênicas presentes na água). Porém, a ausência desse serviço é muito grande em vários países. No Brasil, por exemplo, mais da metade do esgoto é lançado em rios, lagos e no mar sem passar por um tratamento adequado. Além de evitar ou, no mínimo, diminuir a emissão de agentes poluentes, é necessário preservar e proteger os mananciais existentes.
Embora muitas soluções sejam buscadas em esferas governamentais e em congressos mundiais, no cotidiano todos podem colaborar para que a água doce não falte. A economia e o uso racional da água devem estar presentes nas atitudes diárias de cada cidadão. A pessoa consciente deve economizar, pois o desperdício de água doce pode trazer drásticas consequências num futuro pouco distante.
A capital do Brasil foi escolhida para sediar o Fórum Mundial da Água de 2018. Brasília, que concorria com Copenhague, na Dinamarca, foi eleita durante a 51ª Reunião do Quadro de Governadores do Conselho Mundial da Água (WWC), em Gyeongju, Coreia do Sul. O fórum ocorre a cada três anos e é o maior evento do mundo com a temática dos recursos hídricos. A campanha brasileira apresentou o tema Compartilhando Água, para integrar os assuntos discutidos nas edições anteriores do evento, dando continuidade aos debates já realizados sobre os desafios do setor de recursos hídricos.
Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), em agosto de 2013, uma equipe de avaliadores esteve em Brasília e produziu um relatório sobre infraestrutura de transportes, mobilidade urbana, rede hoteleira e locais para realização do fórum, que serviu de subsídio para que a cidade fosse a escolhida.
A próxima edição do evento organizado pelo WWC, em 2015, será em duas cidades da Coreia do Sul, Daegu e Gyeongbuk, com o tema Água para Nosso Futuro. O objetivo é destacar a temática dos recursos hídricos na agenda global e reunir organizações internacionais, políticos, representantes da sociedade civil, cientistas, usuários de água e profissionais do setor. A última edição do evento, em 2012, em Marselha, na França, teve um público estimado de 35 mil pessoas.
A saúde pública é igualmente dependente do acesso à água de boa qualidade, já que as doenças relacionadas com a água atingem no mundo mais de 1 bilhão de pessoas por ano, levando à morte, aproximadamente, 3 milhões. Esses números poderiam ser facilmente reduzidos se a população tivesse acesso a um serviço de saneamento adequado.
O artigo 3º da Declaração Universal pelos Direitos da Água recomenda: “Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, precaução e parcimônia”, porém, a preservação dos recursos hídricos no planeta está comprometida. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgado no dia 12 de março de 2012, durante o 6º Fórum Mundial da Água, 80% das águas residuais não são recolhidas ou tratadas e são depositadas com outras massas de água ou infiltradas no subsolo, resultando em problemas de saúde à população, além de danos ao meio ambiente.
No Brasil os rios mais poluídos se encontram em áreas urbanas. Segundo Ney Maranhão, superintendente de Planejamento de Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA), “de acordo com o Censo 2010 (IBGE, 2010), a população urbana do País é de cerca de 161 milhões de pessoas, correspondente a 84,4% da população total. Este alto nível de urbanização causa um impacto significativo nos rios que atravessam as cidades, pois somente 42,6% dos esgotos domésticos são coletados e apenas 30,5% recebe algum tratamento (Atlas Brasil, 2010)”.
De acordo com Nelson Menegon, Gerente da Divisão de Águas e Solos da Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental (CETESB), a melhor ação quanto à recuperação da qualidade das águas ainda é a de prevenção e o cuidado para que poluentes não sejam lançados no ambiente sem o tratamento adequado. “Existe uma série de tecnologias disponíveis para tratar a água a ser lançada num corpo hídrico. A tecnologia adequada para o tratamento deve ser selecionada e dimensionada com base no tipo de contaminação do efluente líquido e o nível de tratamento que se quer atingir. Por outro lado, a recuperação de um rio ou lago já contaminado é muito dispendiosa e demorada”, afirma Menegon.
Através da tecnologia, é possível monitorar a qualidade da água, medindo os parâmetros e os elementos químicos presentes, como nitrato, amônia, fósforo, nitrogênio, etc – explica Mauro Banderali, especialista em instrumentação ambiental. “Por meio deles, é possível avaliar qual tratamento deve ser aplicado para que a água tenha a potabilidade necessária para preservar a saúde da população.”
Conforme explica Ney Maranhão, superintendente de Planejamento de Recursos Hídricos da ANA, “em termos técnicos é possível recuperar a qualidade de uma água poluída visando sua utilização para um uso específico, tal como o abastecimento doméstico. Existem tecnologias que permitem transformar o esgoto em água potável, mas a questão principal é o custo do tratamento, pois, dependendo do nível de poluição, os recursos necessários para a purificação das águas podem ser bastante elevados”.
Para Banderali, “o risco de contaminação decorrente das atividades humanas gera a necessidade de um controle mais rígido da qualidade dos recursos hídricos”. Segundo o especialista, questões que comprometem a biologia aquática e a disponibilidade de água para o abastecimento público devem ser eliminadas através de políticas públicas eficientes, aplicação de tecnologias, monitoramento e remediação das contaminações dos recursos hídricos. “Iniciativas para recuperar a qualidade das águas dos rios, mares e lagos são essenciais para o futuro da água no planeta”, afirma ele.
A recuperação da qualidade da água, de acordo com Maranhão, envolve um conjunto de ações de órgãos governamentais, setores usuários da água e a sociedade. “Entre as ações incluem-se as obras para coleta e tratamento de esgotos, o controle da poluição industrial e da mineração, a implantação ou melhoria da coleta e destinação do lixo, a recomposição das matas ciliares e de nascentes, o manejo adequado do solo para controle da erosão, o manejo do uso de agrotóxicos e fertilizantes. Um aspecto importante é a conscientização da sociedade sobre a importância de se recuperar e manter a qualidade das águas”.
Segundo Menegon, “o maior desafio, atualmente, está associado à carga difusa, isto é, aqueles poluentes presentes no ar e no solo e que atingem o corpo hídrico por meio dos eventos de precipitação. Estes, embora sejam possíveis de minimizar, são mais complicados para equacionar, pois as fontes estão distribuídas em uma área grande”.
A principal fonte de poluição dos corpos hídricos superficiais é, segundo Nelson Menegon da CETESB, o esgoto doméstico não tratado. “Quanto aos aquíferos, além dos resíduos aplicados no solo, temos os esgotos domésticos que são infiltrados e atividade agropecuária que também pode contaminar a água subterrânea por meio da aplicação de produtos orgânicos e inorgânicos diretamente no solo”.
“As ações humanas geram vários poluentes, que podem ser divididos em grandes grupos de acordo com sua composição e seus impactos sobre os corpos d’água”, explica Ney Maranhão da ANA:
-Matéria orgânica biodegradável: (esgoto doméstico) no seu processo de decomposição ocasiona o con¬sumo de oxigênio dissolvido da água, podendo causar mortandades de peixes;
-Nutrientes: (fósforo e nitrogênio presentes nos esgotos e fertilizantes), quando em altas concentrações podem causar a proliferação excessiva de algas;
-Organismos patogênicos: (vírus e bactérias presentes nos esgotos domésticos) causam doenças de veiculação hídrica;
-Poluentes químicos orgânicos e inorgânicos: (agrotóxicos e metais) provo¬cam efeito tóxico nos organismos aquáticos e po¬dem se acumular em seus tecidos;
-Sólidos em suspensão: (sedimentos gerados pela erosão) aumentam a turbidez da água afetando os organismos aquáticos e causando assorea¬mento do corpo d’água;
-Poluição Térmica: (lançamento de águas utilizadas em sistemas de refrigeração) causa o aumento da temperatura da água do rio, o que afeta a solubilidade do oxigênio, diminui sua concentração e impacta os organismos aquáticos.
Segundo Maranhão, “as alterações na qualidade das águas tem reflexos econômicos que se traduzem no aumento de custos hospitalares com internações relacionadas às doenças de veiculação hídrica, o aumento nos custos de tratamento das águas destinadas ao abastecimento doméstico e ao uso industrial, a perda de produtividade na agricultura e na pecuária, a redução da pesca e da biodiversidade e a perda de valores turísticos, culturais e paisagísticos relacionados às aguas”, explica.
www.agsolve.com.br; www.unipacvaledoaco.com.br; agenciabrasil.ebc.com.br;
www.pensamentoverde.com.br; Leonardo Morelli – Coordenador geral da Defensoria da Água Fonte: Revista Eco 21, ano XV, Nº 98, janeiro/2005.