Inúmeras são as previsões relativas à escassez de água, em conseqüência da desconsideração da sua esgotabilidade. A água é um dos recursos naturais fundamentais para as diferentes atividades humanas e para a vida, de uma forma geral. Apesar de muitos entenderem que o ciclo natural da água promove a sua recuperação, na prática não é o que se observa, tendo em vista os inúmeros fatores que interferem neste ciclo hidrológico. A falta de água traz como efeito a seca, que possui diversas faces dependendo da ótica da observação. A mais comum é a seca climatológica, que desencadeia o processo, seguida da seca das terras e a conseqüente seca social, com os respectivos danos e mazelas causados. A seca hidrológica representa a falta de água nos reservatórios e mananciais.
O Brasil detém 13% das reservas de água doce do Planeta, que são de apenas 3%. Esta visão de abundância, aliada à grande dimensão continental do País, favoreceu o desenvolvimento de uma consciência de inesgotabilidade, isto é, um consumo distante dos princípios de sustentabilidade1 e sem preocupação com a escassez. A elevada taxa de desperdício de água no Brasil, 70%, comprova essa despreocupação. A oferta gratuita de recursos naturais pela natureza e a crença de sua capacidade ilimitada de recuperação frente às ações exploratórias, contribuiu para essa postura descomprometida com a proteção e o equilíbrio ecológico. Cotidianamente, diversos são os exemplos de desperdício e despreocupação, como escovar os dentes com a permanência da torneira aberta; lavagem de ruas e calçadas com jatos d’água (“vassoura hidráulica”), lavagem de veículos com água tratada, o uso de válvulas sob pressão nas descargas dos vasos sanitários; o despejo das águas servidas de banho e lavagens em geral, sem a preocupação com a racionalização de consumo e/ou reuso. Por outro lado, a indústria tem percebido, cada vez mais, a indissociabilidade entre a conservação dos recursos naturais e a ecoeficiência ambiental. É preciso que esta inter-relação seja, assimilada e internalizada na prática diária de cada cidadão. Mesmo em regiões brasileiras, onde as reservas hídricas geralmente atendem as necessidades de uso, em algumas épocas do ano são relativamente comuns os períodos de escassez, em atividades produtivas, devido às condições climáticas adversas e/ou aumento de demanda em atividades produtivas, como o caso da cultura do arroz, no verão, no Sul do Brasil. Buscando equilibrar as necessidades para o abastecimento das populações e para a atividade produtiva e, ainda, minimizar as conseqüências sociais da seca, estratégias de racionalização e de racionamento são estabelecidas. Esta situação gera um nítido conflito entre os usuários e os usos da água. A solução para este tipo de conflito está na gestão deste recurso, que inicia-se pela racionalização de consumo, acrescida do estabelecimento de estratégias de reuso, tanto nas práticas agrícolas quanto nas atividades cotidianas residenciais, comerciais e industriais.
Estima-se que atualmente, no mundo, 1,7 milhão de pessoas sofrem com a escassez de água. Esta dificuldade também pode estar associada a fatores qualitativos, ocasionados, por exemplo, pela disposição inadequada de resíduos sólidos, comumente chamado lixo. O comprometimento da qualidade da água pode inviabilizar o uso ou tornar impraticável o tratamento, tanto em termos técnicos quanto financeiros. Diversas são as substâncias tóxicas geradas nas diferentes atividades humanas. Nas práticas agrícolas, por exemplo, o uso sem controle de defensivos químicos pode representar um grande perigo ao meio ambiente, aos ecossistemas e à saúde humana.
No nosso dia–a-dia também geramos toneladas de resíduos tóxicos, a partir de diversos produtos comprados livremente e descartados sem controle, como lâmpadas, pilhas, medicamentos, inseticidas, tintas, produtos de limpeza, combustíveis, equipamentos eletrônicos, dentre outros, que muitas vezes vão parar em lixões nos arredores das grandes cidades, sem a menor preocupação com os efeitos dessa poluição nos mananciais de água, solo e atmosfera.
O meio ambiente é formado, dentro de uma visão simplificada, pelo solo, água e ar. Estes meios interagem sinergicamente entre si, significando que o resíduo descartado no solo, por exemplo, mais dia menos dia irá contaminar as reservas de água e o ar. Assim como, a decomposição dos resíduos descartados nos rios, originando substâncias tóxicas, pode atingir outros locais distantes da fonte poluidora, ampliando assim os danos da contaminação para o meio ambiente.
A relação do homem com o meio ambiente, baseada no indesejável tripé do descomprometimento, inesgotabilidade e irresponsabilidade, poderá consumar as previsões mais catastróficas quanto a escassez dos recursos naturais, sobretudo da água, inviabilizando dentro de poucos anos, a vida na Terra. Portanto, é fundamental a substituição por uma visão fundamentada nos princípios da sustentabilidade, racionalização e responsabilidade, dentro da qual, somos parte integrante do meio ambiente e, responsáveis pela proteção e pela elevação da qualidade de vida no Planeta.
1 Consumo Sustentável quer dizer saber usar os recursos naturais para satisfazer as nossas necessidades, sem comprometer as necessidades e aspirações das gerações futuras.
Fonte: Marta Regina Lopes Tocchetto – Dra. em Engenharia – UFRGS , marta@tocchetto.com
Lauro Charlet Pereira – Dr. em Planejamento Ambiental – UNICAMP, lauro@cnpma.embrapa.br