Impacto do Uso de Fertilizantes Fosfatados sobre o Teor de Cádmio em Solos

Rita Carla Boeira

Engenheira Agrônoma – Pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente

A demanda crescente em relação à produção de alimentos tem levado o homem à busca incessante de produtos orgânicos e inorgânicos que possam, de alguma  forma, aumentar a produtividade agrícola. A esses produtos, que influenciam diretamente no balanço de nutrientes do solo, convencionou-se chamar fertilizantes.

Por outro lado, os fertilizantes podem ser considerados contaminantes, por causarem desvios na composição normal do meio ambiente, quando fornecem quantidades variáveis de elementos traços (Malavolta, 1994), muitos deles reconhecidos como metais pesados e outros como micronutrientes para plantas e animais.

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Dentre os macronutrientes agrícolas, o fósforo é freqüentemente limitante à produtividade nos mais diversos ambientes. Além disso, em agroecossistemas há perda constante de fósforo pela exportação de alimentos e fibras, sendo necessária a reposição do elemento via adubação. Atualmente, as principais fontes de fósforo são os superfosfatos, os quais são obtidos após o tratamento ácido de rochas fosfatadas, como a apatita por exemplo. Mas nas rochas fosfatadas ocorre a presença de cádmio, metal pesado prejudicial à saúde, o qual pode estar presente como contaminante – indesejável do ponto de vista ambiental – em variadas proporções. Além do cádmio, tais fertilizantes contituem-se, ainda, em fontes potenciais de urânio, segundo Santos e outros (1995), e de outros elementos radioativos aos quais os agricultores ficam expostos, normalmente por inalação ou por contato direto com a pele, quando há aplicação manual. Em seu estudo em Santa Catarina, ao comparar grupos de pessoas expostas a estes fertilizantes, esses autores observaram contaminação em relação aos agricultores não expostos.

Visando verificar a relação entre adubação fosfatada e acúmulo de cádmio em solos agrícolas ao longo do tempo, Dynia e outros (2000) avaliaram quase quatro centenas de amostras de solo da camada arável (0-20cm de profundidade) coletadas em 1998 em áreas produtoras de frutas de pólos irrigados da Região Nordeste, no vale do Rio São Franciso, na região de Petrolina/Juazeiro. Foram encontrados teores muito altos de fósforo em muitas dessas amostras (41%) indicando que as áreas onde elas foram coletadas vêm recebendo adubação fosfatada em excesso, o que pode resultar em desequilíbrios nutricionais como, por exemplo, a indução de deficiência de zinco nas plantas. Os autores constataram que quanto maior o teor de fósforo disponível observado no solo, maior o teor de cádmio extraível obtido. O acúmulo detectado no solo, no entanto, não fornece indicação direta de sua biodisponibilidade[1]. Tais informações dependem de pesquisas em que seja avaliado também qual o grau de absorção e translocação do metal nas plantas. Mesmo em solos com altos teores totais de elementos tóxicos, sua absorção pelas plantas é, muitas vezes, pouco afetada, devido ao poder tamponante do solo, formando quelatos com vários metais. Essa propriedade do solo, porém, é variável nos inúmeros tipos de solo, sendo maior em solos mais ricos em oxi-hidróxidos de  ferro e de alumínio e em matéria orgânica, e menor em solos arenosos, os quais liberam mais facilmente o que lhes é adicionado.

A avaliação da poluição de um solo, curso d`água ou contaminação de plantas é dificultada nas condições tropicais devido às poucas referências/pesquisas científicas de teores toleráveis de metais contaminantes que tenham sido obtidas nesses ambientes. A adaptação de normas estabelecidas para outros ecossistemas (por exemplo de outros países) não são de inteira confiabilidade frente à variedade de combinações possíveis dos fatores ambientais como chuva, temperatura, umidade, tipo de solo, manejo da cultura, espécie e variedade cultivada, dentre outros. Por outro lado, uma determinada espécie química contaminante pode não ser detectada com as técnicas analíticas atuais, mesmo estando presente em qualquer dos compartimentos do agroecossistema. Assim, vêm sendo desenvolvidos equipamentos que detectam baixíssimas concentrações desses metais, na faixa de partes por bilhão (ppb) ou mesmo partes por trilhão (ppt), com o intuito de precisar, da melhor forma possível, a presença dos elementos ou compostos indesejáveis. Também acompanhando o desenvolvimento tecnológico, a área de toxicologia humana tem obtido avanços consideráveis, conseguindo relacionar um sem número de sintomas orgânicos à presença de diversas substâncias tóxicas no organismo, dentre elas muitos metais pesados.

Referências bibliográficas:

Dynia, J. F.; Boeira, R.C.; Souza, M.D.; Silva, A.S.;  Raij, B. van. Relação entre fósforo disponível e cádmio extraível em amostras de solos cultivados com fruteiras no nordeste. Pesquisa em Andamento. 2p. Embrapa Meio Ambiente. Jaguariúna.  2000.

Malavolta, E. Fertilizantes e seu impacto ambiental: micronutrientes e metais pesados, mitos, mistificações e fatos. São Paulo, ProduQuímica, 1994.

Santos, P.l.; Gouvea, R.C.; Dutra, I.R. Human occupational radioactive contamination from the use of phosphated fertilizers. Sci. Tot. Env., 162: 19-22. 1995.

[1] Um elemento é biodisponível quando encontra-se numa forma química que as plantas são capazes de absorver, afetando o ciclo de vida das mesmas.

Fonte: Rita Carla Boeira (rcboeira@cnpma.embrapa.br). Engenheira Agrônoma – Pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente