Após a COP-9 da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em Dezembro, em Milão, imagina-se, de início, que não trouxe avanços ao regime do Protocolo de Kyoto, a julgar pelas contradições de membros do governo russo acerca de sua recusa em aceder ao Protocolo e, enfim, pô-lo em força legal. A prestidigitação russa deu lugar a interpretações pessimistas, extrapoladas ao trato da mudança climática em geral.
O objetivo da Conferência, contudo, não estava na ratificação do Protocolo, porquanto se centrava nas definições e regras para os projetos de Uso e Mudança do Uso do Solo e Florestas (LULUCF).
Isto foi realizado com sucesso. A Conferência de Milão fechou com êxito o cumprimento das metas estabelecidas nos Acordos de Marraqueche, firmados na sétima COP-7 (Marrocos, 2001) e que previam a instituição do Conselho Executivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (mecanismo que interessa ao Brasil) e a fixação de regras e definições para LULUCF. Dado que as regras e definições relativas aos projetos energéticos estavam estabelecidas, Milão teve o mérito de completar o conjunto.
Com efeito, muitos projetos estão em desenvolvimento consoante o conjunto dessas regras e definições, ainda que possam visar simultaneamente a outros esquemas de comercialização de reduções.
Esses esquemas são formados por fundos, corretoras, investidores (que nisto vêem uma oportunidade cujo prêmio será alto na medida de seu pioneirismo e assunção de risco) e governos de países com compromissos de redução. Formam o chamado mercado cinza e negociam créditos antecipados.
Uma leitura de Milão mais realista sugere não haver razão para sentimentos extremados, considerando-se o objetivo maior de construir regimes para a estabilização da concentração de gases de Efeito Estufa na atmosfera em níveis antrópicos não-ameaçadores à vida na Terra, por meio de políticas e empreendimentos economicamente viáveis. O mercado mundial indica que mecanismos econômicos aliados à sustentabilidade ambiental consolidam-se.
Mesmo na hipótese indesejada da não-ratificação russa, Kyoto terá produzido mudanças significativas em termos de legislação e políticas destinadas a limitar emissões. Tal processo já se iniciou e acredita-se que tenha quantidade de movimento suficiente para prosseguir, tanto mais intensamente quanto maior o engajamento dos responsáveis pelas emissões e dos governos – o que, afinal, pode ajudar na vigência do Protocolo.
Desta forma, o indicador de resultado em matéria de trato da mudança climática não é unicamente a ratificação de um construto de alcance planetário; mas a mudança que provocará no sentido de pôr o Mundo no caminho da resolução de um problema de longo prazo com medidas imediatas baseadas em regras e definições aceitas (oportuno recordar que a consolidação do regime da OMC, desde o lançamento do “Tripé de Bretton Woods”, soma quase 50 anos).
Tendo em vista os condicionantes do processo negociador multilateral, o saldo de Milão é positivo. As condições objetivas para a consolidação de Kyoto e dos mercados de carbono estão sendo construídas. A sua negociação criou um movimento de longo prazo rumo à aplicação de instrumentos econômicos conjugados à sustentabilidade do desenvolvimento. Há motivos para preocupações, mas não para pessimismos.
Silneiton Fávero – Responsável técnico pelo Núcleo de Apoio a Projetos de Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Limpo da Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Humanos – BA