A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e o Protocolo de Kyoto estabelecem bases para que projetos, iniciativas e ações privadas e/ou públicas, que resultem em reduções de emissões dos Gases de Efeito Estufa – seqüestro de carbono em áreas florestais ou em processos industriais – possam participar do Mercado de Carbono. Esse mercado deverá ser oficializado com a ratificação do Protocolo de Kyoto pelos seus países signatários.
Espera-se que cada país signatário da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e do Protocolo de Kyoto identifique e proponha suas atividades. Todas as iniciativas deverão passar por um processo de credenciamento junto aos órgãos oficiais do governo hospedeiro dos projetos, iniciativas e ações.
No Brasil essas ações vêm sendo coordenadas através dos Ministérios de Ciência e Tecnologia (MCT) e do Meio Ambiente (MMA), dentro dos auspícios da Comissão Interministerial sobre Mudanças Climáticas. Tomando como base os critérios internacionais estabelecidos pelo Protocolo de Kyoto e os Acordos de Bonn e Marraqueche, estão sendo identificados projetos, iniciativas e ações que contemplem o critério de Reflorestamento, Florestamento e outros que venham a cumprir com as definições estabelecidas pelo mesmo documento. A base de orientação técnica neste aspecto da análise é o documento FCCC/CP/2001/L.11/Rev.1 e seus anexos. As atividades prioritárias identificadas são as de reflorestamento e florestamento em áreas desflorestadas anteriormente a 31 de Dezembro de 1989 e que cumpram com os critérios e definições previstas no documento supramencionado.
Outras atividades também estão sendo identificadas: alternativas de produção de energia a partir de biomassa florestal, quando esta for associada a um empreendimento florestal ou madeireiro; produção de energia com resíduos de serrarias e outras atividades florestais madeireiras ou não (extrativismo sustentável); e, criação de parques e jardins em áreas urbanas.
Com o objetivo de identificar projetos que possam ser elegíveis a participar do Mercado de Carbono, foi firmado um convênio “Projeto de Estudos Fast-track para Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – Fase II: Identificação, análise e adaptação de projetos, iniciativa e ações para o seqüestro de carbono em áreas florestais da Amazônia e do Cerrado Brasileiro”. O convênio, fechado entre o CEPEA/ESALQ/USP e a Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos/Ministério do Meio Ambiente, envolve a participação de professores, pesquisadores e alunos de graduação em Engenharia Agronômica, Engenharia Florestal, Gestão Ambiental e Economia Agroindustrial.
Os projetos a serem contemplados pelo convênio para o mercado de carbono, além de contribuírem para as reduções dos gases de efeito estufa, terão um favorável impacto local nas comunidades. Esses benefícios podem se consolidar por meio da geração de energia elétrica a partir de biomassa, da recuperação de áreas degradadas, acompanhada por programas de educação e conscientização ambiental, da tecnificação da exploração madeireira com o plantio comercial de espécies madeiráveis e pela implantação de sistemas agroflorestais, entre outros.
Na primeira etapa do Projeto Fast-Track foram identificados projetos, iniciativas e ações particularmente na região Norte, atendendo às prioridades da SQA na Região Amazônica e em áreas de Cerrado no território nacional. Para tanto, foram efetuados levantamentos de informações técnicas e estratégicas que indiquem quais são os projetos, iniciativas e ações que mais se integram aos interesses nacionais e regionais, visando ao Desenvolvimento Sustentável previsto no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.
É importante salientar que as atividades identificadas atenderão ao aspecto de sustentabilidade numa concepção coerente com o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.
Projetos que procuram maneiras de compensar o desmatamento descontrolado poderão estar participando do mercado de carbono. Tanto os desmatamentos quanto as queimadas, em grande parte, são resultados da pobreza social e da falta de planejamento florestal. Grandes centros madeireiros são hoje obrigados a buscar matéria-prima a centenas de quilômetros. Além do gasto do diesel no transporte, há também o abandono das áreas já exploradas, deixadas à mercê da degradação e da miséria de quem fica. A indústria madeireira é a terceira em geração de empregos na Amazônia, depois da agricultura e da pesca. Em toda a região Norte, mais de 600.000 pessoas vivem da madeira.
A taxa anual de desflorestamento bruto da Amazônia brasileira no período de 1999/2000 totalizou 18.226 km², enquanto para o ano de 2001 o INPE fez uma estimativa de 19.836 km². É interessante também notar que em alguns centros mais organizados – como o de Paragominas no Pará –, já são realizados plantios bem-sucedidos de espécies madeiráveis, uma vez que já possuem uma infra-estrutura consolidada e a mudança periódica para o acompanhamento das novas fronteiras de exploração florestal já se mostrou inviável e insustentável.
A Amazônia tem necessidade de expandir seu parque energético, porém os impactos ambientais causados pela construção de grandes usinas hidrelétricas são uma preocupação, sendo os mais conhecidos a inundação de florestas e o deslocamento de populações. Além disso, muitas comunidades não são beneficiadas com a energia hidrelétrica produzida na região, devido à inexistência de subestações. É comum observar redes de transmissão cortar cidades amazônicas que são totalmente dependentes de geradores movidos a diesel.
A pobreza representa um importante fator de deterioração do ambiente e para reduzi-la o acesso à energia é fundamental. Outra questão discutível sobre a construção de novas hidrelétricas para atender à demanda da população é o seu elevado custo, aliado ao tempo necessário para a sua execução. Portanto, essa expansão na produção energética deve atender pequenos e médios projetos, de baixo impacto ambiental e que tragam benefícios diretos para as comunidades envolvidas. Uma alternativa possível é a utilização de geradores termelétricos alimentados com biomassa (resíduos florestais e óleos vegetais), em substituição às turbinas e motores a óleo diesel de baixo rendimento energético, alto custo e grandes impactos ambientais. Adicionalmente, há a possibilidade de essas alternativas serem contempladas para o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.
Durante a realização dessa etapa prevista no convênio, procurou-se identificar o maior número possível de projetos, iniciativas e ações que possam se enquadrar nos critérios de elegibilidade internacionais e nacionais. Uma pré-seleção foi realizada com o objetivo de compor uma lista de projetos promissores e de interesse do MMA. Dessa lista foram selecionados os projetos, iniciativas e ações que possuíam informações concretas para a elaboração de um estudo de viabilidade que norteará a configuração de um projeto de implantação.
Na etapa de pré-estudo de viabilidade, buscou-se agregar as informações disponíveis de cada projeto, iniciativa e/ou ação, constituindo um estágio inicial, preparatório para embasar a elaboração posterior de um parecer.
O Pré-Estudo de Viabilidade constitui um documento conciso, agregando as informações disponíveis, discutindo os aspectos relevantes sobre a participação do projeto, iniciativa ou ação selecionada. Serão entregues ao MMA as informações brutas, mas discutidas, na forma de relatórios que identifiquem substancialmente projetos, iniciativas e ações que poderão vir a ser transformados, no futuro, em Projetos Carbono (documento de apresentação ao mercado investidor) numa fase subseqüente a este convênio. A Amazônia compreende todos os Estados da Região Norte mais parte do Mato Grosso, Goiás e Maranhão, que também possuem grandes áreas compostas por cerrados, cada qual com suas realidades, políticas próprias de desenvolvimento e seu histórico de ocupação humana variado. É natural que cada um apresente questões sociais e ambientais distintas.
No Estado do Acre, onde o problema dos desmatamentos ainda é pequeno, a grande necessidade da população é de energia elétrica, existindo uma demanda reprimida. Iniciativas do governo bem como da iniciativa privada poderiam estimular investimentos nessa área.
No entanto, o Acre é um estado aonde a exploração florestal ainda não vem causando impactos significativos, uma vez que está mais voltada para o extrativismo e para o manejo sustentável da floresta, esta última expandindo-se com o apoio do Estado. É uma oportunidade de antecipar com técnicas conservacionistas futuros modelos sustentáveis de exploração.
A principal atividade florestal do estado está concentrada na extração do látex da seringueira e da coleta de castanha da Amazônia, mais recentemente a fabricação de móveis com madeiras certificadas provenientes de um manejo de baixo impacto.
No Estado do Amazonas e principalmente no Pará, diferentemente do Acre, embora exista também uma grande carência de energia elétrica, esta questão divide, com os impactos provenientes dos vários anos de exploração florestal indiscriminada, o foco de possíveis projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Porém, hoje já existe uma organização entre os setores envolvidos, principalmente o madeireiro, que juntos com instituições públicas, de pesquisa e organizações não-governamentais buscam maneiras mais sustentáveis de desenvolvimento.
No total, na primeira fase deste trabalho desenvolvido dentro do convênio, foram identificados 35 projetos potenciais.
Mesmo cada Estado apresentando problemas próprios de sua realidade, em todos eles se encontram pessoas interessadas em saber como poderiam estar se beneficiando com os projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.
As necessidades das comunidades visitadas são diversas e projetos de MDL poderão viabilizar recursos tanto financeiros quanto técnicos, já que, atualmente, a disponibilidade de financiamentos é muito pequena.
Projetos de MDL terão impactos sociais e ambientais significativos, capazes de melhorar a qualidade de vida da população, pois estarão sempre acompanhados por outras iniciativas como a educação ambiental, a capacitação profissional e programas de conservação dos recursos naturais. Contudo, verifica-se também um interesse e motivação muito grande por parte dos agentes mais informados, havendo relatos de que, além da informação, outra limitação para a implantação de projetos é a escassez de recursos.
A relevância do trabalho, além de identificar projetos potenciais, refere-se ao registro de necessidades das comunidades visitadas e como podem participar do MDL.
As perspectivas de realizar projetos de MDL na Amazônia e no Cerrado são grandes. Poderão cumprir com o objetivo principal de contenção das emissões de gases de Efeito Estufa através do desenvolvimento sustentável, como também melhorar a relação do homem com a floresta e com os demais recursos naturais.
Pedro Carvalho de Mello
Coordenador-Geral do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada – CEPEA
Fonte: Revista Eco 21, Ano XIV, Edição 95, Outubro 2004. (www.eco21.com.br)