Quando Aldous Huxley escreveu “Admirável Mundo Novo”, talvez não imaginasse que algum dia a ciência poderia aproximar-se tanto da ficção de sua obra. Ainda que com possibilidades remotas de tornar-se realidade, a produção de indivíduos em laboratório, tal como prega a obra de Huxley, já ultrapassou a linha divisória entre a ficção e a realidade. De fato, com o avanço da ciência, o termo “clonagem” há muito deixou de ser usado somente no meio científico para tornar-se uma palavra comum no cotidiano.
Clonar significa produzir indivíduos idênticos a um outro, por meio de técnicas que excluem a fertilização. Na área vegetal, a clonagem deixou de ser novidade faz tempo e a Embrapa Acre também já se prepara para desenvolver esta tecnologia em laboratório. A técnica vem sendo usada para propagar inúmeras espécies de plantas, como batata, bananeira e abacaxizeiro. Partindo-se de “pedacinhos” de uma planta, é possível originar, em questão de meses, dezenas ou centenas de outras plantas iguais. A importância disso é que podemos escolher os melhores indivíduos para serem produzidos, qualquer que seja o aspecto desejado (produção, sanidade, etc.).
Enquanto a clonagem vegetal vinha sendo continuamente otimizada, a clonagem animal e, sobretudo, a humana eram consideradas apenas uma visão futurista da ciência. No entanto, como resultado do avanço no conhecimento científico, tanto a clonagem humana como a animal já estão batendo a nossa porta. Isto ficou mais evidente em fevereiro de 1997 com o nascimento da ovelha Dolly, o primeiro mamífero a ser clonado a partir de uma célula adulta, na Escócia.
O objetivo deste artigo não é descrever o método empregado, mas sim levantar uma discussão e conscientizar o leitor sobre esta nova tecnologia. Na teoria, produzir um clone animal é relativamente simples: basta que um óvulo não fertilizado de uma fêmea seja obtido e enucleado (remoção do núcleo que contém a informação genética); a seguir, o núcleo de uma célula do organismo o qual se quer clonar (doador do núcleo) é introduzido no óvulo sem núcleo. A partir daí, processos químicos ou elétricos são usados para estimular a fusão das partes (citoplasma e núcleo) e formar uma nova célula que dividida sob condições artificiais formará um embrião, o qual será finalmente transplantado para um útero a fim de se desenvolver e formar uma cópia do doador, com a ressalva de alguma herança citoplasmática.
Embora a teoria seja simples, a prática é complexa. Nos animais os resultados da clonagem têm freqüentemente apontado para nascimentos com algum tipo de anomalia e alta ineficiência quando os resultados são expressos em nascimentos vivos por transferência de embrião. Mesmo assim, as pesquisas na área não param e depois do anúncio do nascimento da ovelha Dolly, proles vivas de camundongos, ratos, coelhos, porcos e vacas já foram registradas. O Brasil também já apresenta resultados na área. Em março de 2001, pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia anunciaram o nascimento do primeiro clone bovino batizado de “Vitória”.
Embora a técnica de clonagem animal seja bem mais complexa do que a vegetal e ainda esteja longe de ser totalmente dominada, os objetivos finais são bastante semelhantes àqueles da clonagem vegetal e incluem, entre outros, a possibilidade de multiplicação de animais com boas características genéticas e a recuperação de populações de espécies silvestres ameaçadas de extinção.
Com os avanços obtidos na área animal, abriram-se perspectivas para que a técnica também fosse estudada em seres humanos com fins terapêuticos. No entanto, a manipulação de células humanas gerou polêmica que culminou quando foi levada para o plano reprodutivo. Em 2002, equipes de pesquisadores fizeram anúncios sobre possíveis trabalhos visando à produção de clones humanos. O mais recente foi no último 26 de dezembro pela Companhia Clonaid, uma organização religiosa internacional fundada há pouco mais de 6 anos que acredita na existência de extraterrestres e se denomina como a primeira companhia do mundo a oferecer serviços de clonagem humana, a qual anunciou, sem nenhuma comprovação científica, o nascimento do primeiro clone humano. Não bastasse isso, alguns dias mais tarde a mesma empresa anunciou o nascimento de um segundo clone, mais uma vez sem apresentar nenhuma prova sobre a bagagem genética destes recém-nascidos, causando desconfiança na comunidade científica internacional sobre a veracidade de tais nascimentos. Atualmente, o número de clones recém-nascidos já seria cinco, o último nascido em 4 de fevereiro.
Sob o ponto de vista técnico e para os defensores da clonagem humana, a tecnologia poderia beneficiar, por exemplo, casais inférteis que deixariam de se utilizar das técnicas atuais de fertilização in vitro para reproduzir indivíduos relacionados a si mesmos. No plano da ficção, acredita-se que por meio dela seria possível clonar novos Hitlers, Einsteins, Vivaldis, etc.
Baseando-se nas experiências com os animais nas quais a eficiência em se produzir proles vivas e normais é bastante baixa, atualmente, a clonagem humana para fins reprodutivos é injustificável. Em razão destes riscos e em nome de princípios éticos, instituições como a Organização Mundial da Saúde e Unesco são contra os estudos de clonagem para estes fins.
Ficção ou não, a ciência avança a passos largos e as técnicas de clonagem, sejam elas para vegetais ou animais, deverão ser cada vez mais estudadas e aperfeiçoadas. A questão central é saber de que forma e para que fins essa tecnologia será manipulada. Mesmo que as pesquisas avancem no plano terapêutico, a possibilidade ou não de se manipular células humanas deve ser tratada com extrema prudência e regulada por comissões disciplinares para que empresas oportunistas não venham a se utilizar da técnica para outros fins que não o avanço da ciência e benefício da humanidade.
Autor: Jonny Everson Scherwinski Pereira, Dr. Biologia Celular e Cultura de Células e Tecidos Vegetais, pesquisador da Embrapa Acre. Jonny@cpafac.embrapa.br