Mais eficiência e menos desperdício

A duras penas, a sociedade está chegando à conclusão de que, embora tenha trazido o maior desenvolvimento tecnológico que a humanidade já experimentou, o século 20 também registrou a gênese daquele que vem sendo considerado o maior desastre ecológico do planeta. O dilema do homem no século atual, como já se alardeia mundialmente, será conciliar desenvolvimento com preservação dos recursos naturais. A construção civil começa a acordar para a questão. O meio ambiente deve ser visto como parceiro e nunca como entrave – esse foi o principal recado deixado pelo 2º Congresso Ibero-Americano sobre Desenvolvimento Sustentável (Sustentável 2007), realizado em São Paulo, no mês de abril, evento que incluiu em suas atividades a oficina Sustentabilidade na Construção Civil.   

Participante do encontro, o professor Vanderley Moacir John, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP), chama a atenção para o fato de que são as cidades e seus moradores que causam o maior impacto ambiental no planeta. Às vezes a distância, pois os seus habitantes consomem produtos e matérias-primas vindos de lugares longínquos, como a madeira da Amazônia. “Quando a classe média de São Paulo exige objetos feitos com madeira, ela está incentivando o crime ambiental no Pará”, exemplifica.   

Segundo o professor, não é possível discutir sustentabilidade sem observar que tipo de cidade se está erguendo. E cada cidade tem suas características e seus problemas. Cerca de 75% dos recursos naturais extraídos da terra vão acabar em obras da construção civil, ele alerta, revelando que cada metro quadrado construído pesa, em média, 1,2 tonelada. Assim, alguém que resida num apartamento de cem metros quadrados terá consumido 120 toneladas de materiais apenas no local onde mora.

John acrescenta que já começa a faltar areia em Passo Fundo, RS, e em Teresina, PI, assim como há escassez de argila em Londrina, PR. A areia para obras em São Paulo viaja cerca de 200 quilômetros. “São provas de que os recursos naturais não são infinitos”, observa. Estima-se que a taxa anual de resíduos da construção esteja em 500 quilos por habitante, uma quantidade superior à do lixo doméstico urbano. Outro dado: metade do consumo de energia elétrica em grandes cidades vem dos edifícios, e o ar-condicionado já gasta 20% da energia elétrica residencial, enquanto o chuveiro elétrico tem altos picos de consumo nos períodos das 7 às 8 h e das 19 às 21 h.

Ainda de acordo com o professor da Poli/USP, essas e outras reflexões são importantes neste momento em que a construção civil responde por 15% do PIB e tende a crescer percentual idêntico ao ano, sem contar as obras públicas e o incremento que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) deve trazer, ao disponibilizar investimentos da ordem de 500 bilhões de reais nos próximos quatro anos. “O Brasil se prepara para reativar a construção civil, e surge a oportunidade de fazer as coisas de forma diferente”, destaca, sem esconder sua preocupação com o silêncio do governo federal. “O Ministério do Meio Ambiente está obcecado com a questão da Amazônia, enquanto os problemas ambientais brasileiros têm foco extremamente urbano”, reafirma John. Para ele, este é um período bastante crítico para todos os envolvidos, pois o país se prepara para investir pesadamente em construção civil.

Saber comprar

Participante da mesma oficina no congresso, Laura Valente de Macedo, diretora regional da associação Governos Locais pela Sustentabilidade (Iclei), informou que os consumidores institucionais, agindo de forma responsável em suas compras, podem influenciar os mercados produtor e consumidor, estimulando soluções criativas. “Comprar é um ato político – faça uma reflexão antes e não se deixe influenciar por propagandas, como se a sua vida fosse mudar caso não adquirisse determinado produto”, enfatiza. No Japão, revela a diretora da Iclei, existe uma rede de compras verde, assim como nos Estados Unidos e na Europa há processos licitatórios que adotam critérios ambientais, com vários tipos de selos e rotulagens.

Edifício da Swiss Re, em Londres: fachadas duplas e grandes átrios permitem a redução do consumo energético em cerca de 50%
Edifício da Swiss Re, em Londres: fachadas duplas e grandes átrios permitem a redução do consumo energético em cerca de 50%

Desde a faculdade, frisa Laura, os projetistas precisam despertar para a consciência ambiental, projetar de maneira mais sustentável em termos de iluminação e ventilação, levar em conta as condições e os recursos locais, o clima, preocupar-se com a escolha dos materiais e dos fornecedores, e ver quem tem certificações de produtos e produções mais amigáveis. Gerenciar os resíduos, reutilizar a água servida, aproveitar as águas da chuva, criar cisternas e melhorar a permeabilidade do solo, em vez de cobri-lo com cimento, são outras possibilidades sustentáveis.

Agência verde
Na mesma oficina, foi mostrado o projeto da agência de Cotia do Banco Real/ABN Amro, onde foi implantado projeto de sustentabilidade pela empresa Sustentax. A agência é o primeiro prédio, na América do Sul, a receber o selo Leed (Leadership in Energy and Environmental Design), que faz parte do Green Building Council (US GBC), conselho americano de construção sustentável. Para receber esse selo, o empreendimento deve se enquadrar em critérios que envolvem tipo de terreno, economia de água, eficiência energética, qualidade do ar interno, reciclagem e inovação do projeto. O diferencial da agência está nos recursos empregados. Tijolos reciclados e assoalho e móveis de madeira certificada são alguns dos insumos usados pela equipe de arquitetos e engenheiros. O cimento contém resíduos de altos-fornos siderúrgicos e as britas são recicladas. Painéis divisórios são em fibrocimento, sem amianto. As tintas e a massa corrida não têm solventes. A tubulação de água pluvial é fabricada com a reciclagem de garrafas PET. O entulho gerado foi reaproveitado ou reciclado. Maria Inês Caliari, coordenadora de projetos do banco, disse que a instituição já vinha trabalhando o conceito de sustentabilidade em algumas áreas e que a experiência em Cotia serviu para testar novas técnicas e materiais.

Em vez de impermeabilização, a cobertura do edifício, projetado pelo escritório Pierre & Perrone, ganhou vegetação sobre a laje. A estação de tratamento de esgotos permite reutilização da água na irrigação dos jardins; água coletada das chuvas é reutilizadas nas descargas dos banheiros. Na área de atendimento gerencial, cujas atividades envolvem mais diálogo do que digitação e leitura, a arquitetura promoveu algumas aberturas, inclusive zenitais, possibilitando que se trabalhe com luz natural.

Novas propostas
Em países europeus há excelentes exemplos de projetos que resultaram em megaedifícios com soluções direcionadas para a redução do impacto ambiental das construções. A sede da Telenor em Oslo, Noruega (leia Finestra 39), é um conjunto de edificações com 158 mil metros quadrados que utiliza fachadas e coberturas de vidro – para tirar proveito de iluminação e ventilação naturais – e água do mar nos sistemas de calefação e refrigeração. Entre seus sofisticados dispositivos está um sistema de movimentação de brises que calcula a posição do sol, enviando informações para uma unidade de controle, que fornece diagrama anual de sombreamento. Em Londres, o edifício da Swiss Re, projeto do escritório Norman Foster (leia Finestra 40), tem sofisticado sistema de fachada dupla ventilada e átrios que percorrem em espiral o interior da torre. Exemplar da arquitetura do século 21, o prédio resulta da qualidade projetual apoiada em informações tecnológicas e pesquisa ambiental, para criar uma torre compatível com os tempos de crise energética.
Há exemplos recentes no Brasil, ainda em implantação, como a obra do centro de pesquisas da Petrobrás no Rio de Janeiro (leia Finestra 47). As condicionantes do concurso, que escolheu o projeto de Siegbert Zanettini e José Wagner Garcia (co-autor), exigiam propostas que resultassem em eficiência energética, implantação ecologicamente correta e métodos construtivos que reduzissem o desperdício de materiais. É o que está sendo feito.

Sede da Telenor, na Noruega: água do mar nos sistemas de calefação e refrigeração
Sede da Telenor, na Noruega: água do mar nos sistemas de calefação e refrigeração.

Condomínios ecológicos
Assim como vem acontecendo na Europa e nos Estados Unidos, começam a surgir no Brasil os condomínios ecológicos, concebidos, construídos e mantidos de forma a gerar o menor impacto possível sobre os recursos naturais. Criado em 2004, o Grupo Esfera afirma ser pioneiro em construções sustentáveis residenciais no país e anuncia cinco lançamentos a partir de outubro deste ano – três na cidade de São Paulo, um em Campinas, interior paulista, e outro no Rio de Janeiro. Projetados pelo arquiteto Manoel Rubio, do escritório Rubio & Monteiro Arquitetura, os prédios, batizados de Ecolife, têm como público-alvo a classe média. Sistematicamente, as obras são iniciadas 12 meses após o lançamento e entregues 12 meses após o início da construção. Feitas em série, com a mesma planta, as unidades só mudam em relação à metragem: os apartamentos com três dormitórios possuem cerca de 77 metros quadrados, enquanto os de quatro chegam a cem metros quadrados de área. Os modelos mais baixos de edifício têm oito andares, e as torres mais altas contam com 17 pavimentos.

Uso racional
Nessas construções, informa Luiz Fernando Lucho do Valle, presidente do Grupo Esfera, os diferenciais vão desde a concepção do projeto, que analisa cuidadosamente as faces do terreno, evitando, assim, interferências climáticas que aumentem o uso de energia e de recursos naturais. São utilizados vasos sanitários equipados com dois acionadores, um com dois litros e outro com seis, para descarga, respectivamente, de líquidos e sólidos. Segundo Valle, as torneiras com temporizador e chuveiros com redutor também diminuem a quantidade de água sem prejudicar a qualidade do banho.

O empreendimento conta, ainda, com uma caixa para coleta de água pluvial, armazenando-a para posterior uso nos vasos sanitários e para irrigação do pomar e jardim. Da mesma forma, as construtoras parceiras do Ecolife são incentivadas a utilizar a água racionalmente, assim como os idealizadores do empreendimento procuram conscientizar os operários da construção, os fornecedores de materiais e os futuros moradores. Todos os chuveiros e até as churrasqueiras são a gás. Nas áreas comuns do condomínio existem sensores de presença e lâmpadas econômicas PL, que proporcionam 35% menos gasto e maior vida útil. Há, também, placas de captação de energia solar, armazenada em baterias para utilização nas áreas comuns. “A economia de água e energia elétrica se reflete na redução de até 30% da taxa de condomínio”, assegura Valle. O Ecolife também destina espaço para a separação do lixo, permitindo a geração de receita adicional para o condomínio.

As janelas possuem persianas que permitem 100% do vão-luz e são amplas – nos dormitórios, têm abertura de 1,20 metro. Na sala de estar são usadas portas-balcão integradas com a varanda, sempre com o objetivo de melhor uso da luz natural. A alvenaria estrutural, que substitui os tijolos de cerâmica pelos de cimento, dispensa o uso de ferros em vigas e lajes. Além disso, o empreendimento é modulado para evitar cortes em tijolos e cerâmicas.

Selo verde
O Ecolife só utiliza madeira nos acabamentos se ela for oriunda de reflorestamento. Em vez de andaimes de madeira, são usadas gruas para levantar lajes e outros itens mais pesados. Todos os terrenos adquiridos para a construção dos condomínios têm as árvores reflorestadas dentro do próprio empreendimento, informa o presidente do Grupo Esfera. O conceito procura construir coberturas verdes nos prédios, além de jardins em algumas áreas, para melhor isolamento térmico. “O Ecolife será o primeiro empreendimento residencial com diferenciais ecológicos a serem certificados com o selo Green Building”, conclui Valle.

Congresso
Idealizado e organizado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), o 2º Congresso Ibero-Americano sobre Desenvolvimento Sustentável atraiu 3,3 mil participantes e aproximadamente 20 mil visitantes para a exposição montada na marquise do Ibirapuera. Participaram 70 palestrantes do Brasil e de países como Estados Unidos, Inglaterra, França, África do Sul, Portugal, Holanda, Costa Rica e Bolívia.

Revista Finestra – Edição 50