Mal da Vaca Louca

O “Mal da Vaca Louca”, reconhecida no meio científico como Encelofalopatia Espongiforme Bovina – EEB (nomenclatura em português), é uma moléstia crônica degenerativa que afeta o sistema nervoso dos bovinos. É causada por um novo tipo de agente infeccioso denominado prion, derivado de uma proteína da membrana de células nervosas que quando modificada, provoca um quadro degenerativo crônico e transmissível do sistema nervoso central (SNC) de bovinos.

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Recentemente foi descrito que a versão normal da proteína celular é abundante na superfície dos neurônios, desde os répteis aos mamíferos, que tem por função o bom funcionamento do cérebro enquanto que a versão modificada, o prion, causa a “doença da vaca louca”, devido a sua acumulação no tecido cerebral de bovinos, provocando uma gradual deterioração. Observado ao microscópio, o cérebro do animal doente apresenta lesões características que lhe dão o aspecto de esponja, o que explica seu nome. Não está totalmente esclarecido o mecanismo pelo qual a proteína anormal produz as alterações patológicas no cérebro dos indivíduos ou animais afetados.

Ao contrário de outros agentes infecciosos como vírus e bactérias, o Prion é o único agente que não estimula uma resposta imune detectável ou reação inflamatória no hospedeiro, como também é altamente resistente aos procedimentos convencionais de inativação.

Uma das principais características da EEB é o período de incubação muito longo, entre 4 – 5 anos, durante o qual os animais mostram-se perfeitamente saudáveis. Após o aparecimento dos sinais clínicos, a doença evolui para a morte em cerca de 1 a 6 meses. Bovinos afetados por EEB apresentam nervosismo, reação exagerada a estímulos externos e dificuldade de locomoção, principalmente nos membros pélvicos. A EEB ainda não possui tratamento curativo ou preventivo, portanto é fundamental prevenir sua ocorrência.

A doença já foi relatada em bovinos de cerca de 20 países, embora acima de 90% dos casos tenha ocorrido na Grã-Bretanha, onde foram detectados os primeiros casos em 1986, somando até 2003 o total de 183.616 casos, principalmente em vacas leiteiras com mais de 3 anos. Contudo, dados epidemiológicos e revisões de arquivos de preparações histológicas mostram a ocorrência de casos já em 1985 e alguns estudos sugerem que os primeiros casos possam ter ocorrido já na década de 70. Em outros Países a doença foi confirmada em um número relativamente pequeno de bovinos nativos e importados, cerca de 4.620 (Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Grécia, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Liechtenstein, Luxemburgo, Países Baixos, Polônia, Portugal, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Finlândia, República Tcheca e Suíça). Foram detectados apenas casos em bovinos importados nas Ilhas Malvinas, Oman e EUA.

A disseminação da EEB foi claramente ligada ao fornecimento de ração para bovinos contendo farinha de carne e ossos de carcaças de bovinos e ovinos. Na década de 70 e início da década de 80 ocorreram alterações nos processos de fabricação dessas rações de farinha de carne e osso, cujas temperaturas utilizadas durante o processo de reciclagem de proteína animal não eram suficientemente altas para inativar totalmente o Prion, o que pode ter contribuído para o aparecimento da doença. A ingestão de menos que um grama de cérebro de um animal contaminado é suficiente para produzir a doença.

Várias medidas foram adotadas pelos países que tiveram casos da doença em seus rebanhos, principalmente pelo Reino Unido. Dentre elas destacam-se a proibição do uso de farinhas protéicas de origem animal nas rações dos ruminantes; a proibição da utilização de miúdos (cérebro, medula espinhal, intestino e cabeça) oriundos de abates de bovinos, caprinos e ovinos, para fins alimentícios; incineração de animais doentes e suspeitos; fechamento de fronteiras e rastreamento de animais ou carne. Mesmo assim o controle pleno da doença não foi alcançado.

As implicações econômicas causadas pela doença, sobretudo a compulsória mudança de hábito alimentar pelos consumidores, chegou a uma diminuição do consumo do produto em até 50% em algumas regiões.

Os prejuízos comerciais em países onde estão confirmados casos do mal da vaca louca envolvem não somente a queda no consumo interno da carne bovina, mas também o comércio exterior devido às barreiras sanitárias impostas pela OIE. Exemplificamos os problemas mais recentes ocorridos no Canadá e Estados Unidos, servindo de alerta aos nossos produtores, que devem realizar programa de prevenção da EEB que contemple obrigatoriamente a qualidade e origem dos alimentos fornecidos aos bovinos. Tendo em vista o risco que representa a EEB à saúde humana, os países produtores e exportadores de proteína animal devem priorizar as questões sanitárias, uma vez que o consumidor em qualquer parte do planeta está cada vez mais conscientizado e exige informações sobre o controle de qualidade, procedência e segurança dos alimentos de origem animal que consome. Para tanto pesquisas devem buscar alternativas que promovam o bem-estar animal, respeitem o ambiente, proporcionem aumento da produtividade e garantam a segurança alimentar.

Desde o aparecimento da EEB no Reino Unido, as autoridades sanitárias brasileiras preocuparam-se em evitar a sua introdução, visando preservar o patrimônio pecuário do nosso País. Tal preocupação expressou-se na forma de rigorosas medidas sanitárias que envolveram, entre outras, a restrição à importação de animais susceptíveis e seus produtos originários de países onde a doença foi registrada, o rastreamento dos bovinos importados dos países de risco, a proibição do uso de farinha de carne e ossos de ruminantes na formulação de rações destinadas aos ruminantes, incluindo a proibição do uso de cama de frango para alimentação de ruminantes. Ressalta-se que o governo brasileiro não importou farinha de carne e osso dos países considerados de risco para a EEB.

A Instrução Normativa Ministerial nº 8, de 13 de fevereiro de 2001 tornou obrigatório o rastreamento de bovinos importados e proibiu o abate e consumo da carne de bovinos importados. Caso ocorra a morte desses animais, o proprietário deverá comunicar o serviço oficial de defesa sanitária animal, que realizará os procedimentos técnicos recomendados e autorizará a destruição da carcaça. Preceitua ainda a referida Instrução Normativa, que todo bovino procedente de países considerados de risco da EEB deverá, quando não mais destinado à finalidade reprodutiva, ser sacrificado e destruído, cabendo neste caso, “indenização pelo Governo Federal ao proprietário do animal sacrificado”, a ser paga de acordo com a avaliação prévia realizada por uma Comissão Oficial. Como ainda não existem testes que detectem a EEB nos animais vivos antes de apresentarem os primeiros sintomas, o diagnóstico é baseado no exame de tecido encefálico após a morte, por este motivo, deverá ser colhido material e encaminhado para análise laboratorial.

O sistema de vigilância sanitária da EEB passou a ser realizado conjuntamente ao sistema de vigilância sanitária da raiva animal, que foi estabelecido desde 1976. Desta forma, todos os animais com sintomatologia nervosa de caráter progressivo deverão ser submetidos ao diagnóstico diferencial para raiva, EEB e outras encefalites e encefalopatias confundíveis.

A partir de 2002 foi incrementada a vigilância ativa em frigoríficos, tendo como população alvo dessa investigação os bovinos leiteiros acima de 30 meses de idade e todos os bovinos destinados ao abate de emergência.

Em 2003, uma missão Européia de especialistas em EEB avaliou o Risco Geográfico da EEB (GRUPO GBR) dos rebanhos brasileiros. Com base nas medidas tomadas, considerou satisfatórias as garantias fornecidas pelo Governo Brasileiro sobre os bovinos importados, classificando o Brasil como risco 1, ou seja, “altamente improvável” de apresentar a ocorrência da EEB.

Um ponto que favoreceu esta classificação foi o fato de que os sistemas de produção de leite e de carne bovina utilizados no Brasil são quase que exclusivamente a pasto e a suplementação alimentar, quando ocorre, utiliza principalmente fontes de proteína de origem vegetal, tornando o país naturalmente refratário ao surgimento e à manutenção da EEB em seu território.

Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ)

A doença pode ocorrer em humanos e existem fortes evidências de que a nova variante da doença “Creutzfeldt-Jakob” (vCJD) resulta do consumo de produtos de bovinos infectados com EEB que, em contraste com as formas tradicionais de CJD afeta pacientes jovens.

É uma doença fatal do sistema nervoso central que se manifesta de várias formas clínicas. Os sinais e sintomas mais frequentes são demência rapidamente progressiva associada a tremores musculares de extremidades. A DCJ é uma doença muito rara, com incidência mundial de aproximadamente 1 caso para cada 1.000.000 de pessoas.

Os cientistas reconhecem que existe um agente transmissível que causa a DCJ. Todavia, a sua identificação tem sido muito debatida e gerado polêmicas. Inicialmente acreditou-se que tratava-se de um vírus, entretanto, pesquisas mais recentes indicam que este agente é muito diferente dos vírus e de outros agentes conhecidos. Uma teoria de grande aceitação na comunidade científica é que o agente causador da DCJ não é um vírus ou qualquer organismo conhecido, e sim um novo agente, recentemente descoberto, que foi chamado de “príon”, abreviação para partícula proteinácea infecciosa.

Existem três formas de se contrair a doença: esporadicamente, se refere a todos os casos em que não existe uma fonte infecciosa conhecida e não existe evidência da doença na história familiar do paciente; através de herança genética e através de infecção, por meio de transmissão iatrogência, ou seja, como consequência de um procedimento médico em que foram usados tecidos humanos ou instrumentos neuro-cirúrgicos contaminados.

Em 1996, o governo Inglês declarou que existiria uma possível conexão entre a Encefalopatia Bovina Espongiforme – EBE, popularmente conhecida como doença da “vaca louca”, e o desenvolvimento de uma nova doença, assemelhada a DCJ. A ingestão de carne de gado com a doença da vaca louca poderia ser um fator de risco para o desenvolvimento dessa nova doença, que está sendo chamada de variante da DCJ (v-DCJ).

Infelizmente, não existe um teste laboratorial específico para detectar precocemente a infecção pelo príon causador da DCJ. O diagnóstico só é realizado quando a doença já exibe sintomas, como a demência. Nesse momento, exames do líquido céfalo-raquidiano (LCR), de ressonância magnética e de tomografia computadorizada detectam alterações no sistema nervoso, mas que podem ser encontradas também em outras doenças neurológicas.

O eletroencefalograma pode mostrar alterações observadas em estágios avançados da doença auxiliando na confirmação diagnóstica. O diagnóstico definitivo é alcançado por meio da detecção de alterações características da doença em tecido cerebral obtido por autópsia.

Uma outra opção seria obter esse tecido por biópsia cerebral. No entanto, por se tratar de um procedimento invasivo (abertura do crânio) e muito arriscado, a biópsia cerebral para diagnóstico de DCJ não é indicada.

Infelizmente até o momento não existe nenhum tratamento efetivo para DCJ. A doença ainda é fatal em todos os casos diagnosticados. Uma revisão dos dados consolidados pelo Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, indica que, no período de 1980 a 1999, ocorreram 105 óbitos atribuídos a DCJ. Por outro lado, não existem relatos sobre a ocorrência de casos ou óbitos da forma variante da DCJ no Brasil. A inexistência de animais com manifestação da encefalopatia bovina espongiforme (doença da “vaca louca”) no país, confirma as informações sobre a não ocorrência de casos ou óbitos dessa forma variante na população.

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