Aspectos Epidemiológicos – a Leishmaniose Visceral é, primariamente, uma zoonose que afeta outros animais além do homem. Sua transmissão, inicialmente silvestre ou concentrada em pequenas localidades rurais, já está ocorrendo em centros urbanos de médio porte, em área domiciliar ou peri-domiciliar. É um crescente problema de saúde pública no país e em outras áreas do continente americano, sendo uma endemia em franca expansão geográfica. É também conhecida como Calazar, Esplenomegalia Tropical, Febre Dundun, dentre outras denominações menos conhecidas. É uma doença crônica sistêmica, caracterizada por febre de longa duração e outras manifestações, e, quando não tratada, evolui para óbito, em 1 ou 2 anos após o aparecimento da sintomatologia.
Agente Etiológico: no Brasil, é causada por um protozoário da família tripanosomatidae, gênero Leishmania, espécie chagasi. Seu ciclo evolutivo é caracterizado por apresentar duas formas:
a amastigota, que é obrigatoriamente parasita intracelular em vertebrados, e
a forma promastígota, que se desenvolve no tubo digestivo dos vetores invertebrados e em meios de culturas artificiais.
Reservatórios: no Brasil, os mais importantes reservatórios são o cão (Canis familiaris), e a raposa (Dusycion vetulus), que agem como mantenedores do ciclo da doença. O homem também pode ser fonte de infecção, principalmente quando o Calazar incide sob a forma de epidemia. Os cães infectados podem ou não desenvolver quadro clínico da doença, cujos sinais são: emagrecimento, eriçamento e queda de pêlos, nódulos ou ulcerações (mais freqüentes nos bordos das orelhas), hemorragias intestinais, paralisia de membros posteriores, ceratite com cegueira e caquexia. Pode evoluir para morte, nos casos mais graves. O reconhecimento das manifestações clínicas destes reservatórios é importante para adoção de medidas de controle da doença. Os canídeos apresentam intenso parasitismo cutâneo, o que permite uma fácil infecção do mosquito, e, por este fato, são os mais importantes elos na manutenção da cadeia epidemiológica.
Modo de Transmissão: a Leishmaniose Visceral é uma antropozoonose transmitida pelo inseto hematófago flebótomo Lutzomia longipalpis, mosquito de pequeno tamanho, cor de palha, grandes asas pilosas dirigidas para trás e para cima, cabeça fletida para baixo, aspecto giboso do corpo e longos palpos maxilares. Seu habitat é o domicílio e o peridomicílio humano onde se alimenta de sangue do cão, do homem, de outros mamíferos e aves. As fêmeas têm hábitos antropofílicos, pois necessitam de sangue para desenvolvimento dos ovos. Durante a alimentação, introduzem no hóspede, através da saliva, um peptídeo que se considera um dos mais potentes vasodilatadores conhecidos. Após 8 a 20 dias do repasto, as leishmanias evoluem no tubo digestivo destes mosquitos, que estarão aptos a infectar outros indivíduos.
Período de Incubação: varia de 10 dias a 24 meses, sendo em média 2 a 4 meses.
Período de Transmissibilidade: não ocorre transmissão direta de pessoa a pessoa. O homem pode transmitir a doença através dos insetos transmissores, na condição conhecida como Leishmaniose dérmica pós-calazar. A principal transmissão se faz a partir dos reservatórios animais enquanto persistir o parasitismo na pele ou no sangue circulante.
Suscetibilidade e Imunidade: a suscetibilidade é universal, atingindo pessoas de todas as idades e sexo. Entretanto, a incidência é maior em crianças. Existe resposta humoral detectada através de anticorpos circulantes. O Calazar é uma infecção intracelular, cujo parasitismo se faz presente nas células do sistema fagocitário mononuclear, com supressão específica da imunidade mediada por células, que permite a difusão e a multiplicação incontrolada do parasitismo. Só uma pequena parcela de indivíduos infectados desenvolve sintomatologia da doença. A infecção, que regride espontaneamente, é seguida de uma imunidade duradoura que requer a presença de antígenos, de onde se conclui que as leishmanias ou alguns de seus antígenos estão presentes no organismo infectado durante longo tempo de sua vida, depois da infecção inicial. Esta hipótese está apoiada no fato de que indivíduos imunossuprimidos (AIDS ou uso de drogas imunossupressoras) podem apresentar quadro de Calazar muito além do período habitual de incubação.
Distribuição, Morbidade, Mortalidade e Letalidade: nas Américas, a Leishmania chagasi é encontrada desde os Estados Unidos da América do Norte (só um foco canino) até o norte da Argentina. Casos humanos ocorrem desde o México até a Argentina. No Brasil, é uma doença endêmica, mas ocorrem surtos com alguma freqüência. Está distribuída em 17 dos 27 estados da federação, atingindo quatro das 5 regiões brasileiras. Sua maior incidência encontra-se no Nordeste com 92% do total de casos, seguido pela região Sudeste (4%), a região Norte (3%), e, finalmente, a região Centro-Oeste (1%). Doença, inicialmente de distribuição rural e em pequenos centros urbanos, encontra-se em franca expansão para focos urbanos no Brasil. Assim, observou-se no início da década de 80 surto epidêmico em Teresina e, de lá para cá, já se diagnosticou casos autóctones em São Luís do Maranhão, Fortaleza, Natal, Aracaju, Belo Horizonte, Santarém e Corumbá. Tem-se registrado em média cerca de 1.980 casos por ano. O coeficiente de incidência da doença tem alcançado 20,4 casos/100.000 habitantes em algumas localidades de estados nordestinos, como Piauí, Maranhão e Bahia. As taxas de letalidade, que vêm sendo anotadas, chegam a 10% em alguns locais.
Fonte: www.funasa.gov.br