Rita Carla Boeira
Engenheira Agrônoma – Pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente
A utilização de lodo de esgoto na agricultura traz o benefício da reciclagem da sua matéria orgânica e de seus nutrientes, em especial o nitrogênio, pelo seu valor econômico.
Por outro lado, há vários problemas técnicos e sanitários quando se trata de re-uso agrícola de lodo de esgoto, trazendo como riscos a possibilidade de contaminação ambiental com nitrato, metais pesados, produtos orgânicos tóxicos e persistentes, e patógenos animais e humanos.
Em solos com pH próximos à neutralidade a solubilidade de elementos químicos tóxicos às plantas ou aos animais é baixa, e ocorrem condições biológicas favoráveis à decomposição do lodo de esgoto, o que resulta na liberação de nutrientes e na transformação do lodo em húmus, ao qual estão associadas várias melhorias nas propriedades físico-químicas dos solos. Por estas razões a acidez deve ser monitorada, com o objetivo de verificar quando é necessária a calagem, em solos onde se aplica lodo de esgoto.
No Estado de São Paulo a norma CETESB 4.230/99 determina que o pH do solo (determinado em CaCl2) na área de aplicação desse resíduo deve ser mantido entre 5,5 e 7,0. Esta faixa é bastante ampla, permitindo que o grau desejado de neutralização da acidez dos solos varie em função do cultivo e da produtividade desejada, entre outros fatores.
Em experimento conduzido em campo na Embrapa Meio Ambiente, em área de Latossolo Vermelho-Escuro, foram avaliados lodos provenientes das estações de tratamento de esgotos (ETE) das cidades de Franca (de origem doméstica) e de Barueri (águas residuárias urbano-industriais), no Estado de São Paulo. Os dois lodos foram aplicados em várias doses (desde 3 até 64 t/ha, em base seca), a partir da dose recomendada para a cultura, a cada cultivo de milho, durante três anos.
O pH (relação solo:água 1:2,5) da camada 0-20 cm de profundidade do solo foi medido periodicamente, determinando-se também a necessidade de calagem do solo.
A aplicação dos dois tipos de lodo de esgoto causou acidificação do solo em todos os tratamentos a partir do primeiro cultivo, e também nos cultivos seguintes. O lodo de esgoto de Franca causou maior redução no pH do que o de Barueri.
O decréscimo acentuado no pH determinou a necessidade de duas correções do solo, o que foi feito com calcário dolomítico. Após a primeira e segunda safras, a necessidade de calcário foi calculada visando elevar o pH a 5,7 e 6,0, respectivamente.
Ao adicionar-se lodo de esgoto ao solo ocorrem processos de decomposição da matéria orgânica que afetam duas propriedades relativas à acidez do solo: pH e poder tampão do solo, que é a sua resistência à variação de pH. A acidificação decorre da formação de ácidos orgânicos e reações de nitrificação de nitrogênio amoniacal já presente no lodo ou gerado na mineralização de nitrogênio orgânico. Simultaneamente, o acúmulo de matéria orgânica pode alterar a capacidade de troca de cátions, afetando o poder tampão. As mudanças no poder tampão poderão refletir-se na medida do pH, sem que haja, porém, quaisquer relações proporcionais entre essas duas propriedades, em solos com diferentes manejos.
Exemplificando: para elevar o pH de 4,3 a 5,7 em um dos tratamentos com o lodo de Franca no final da primeira safra, foram necessárias 4 toneladas de calcário por hectare. Já no final da segunda safra, para elevar o pH de 5,2 a 6,0 nesse tratamento, foram necessárias mais 4 toneladas por hectare de calcário.
A influência da origem do lodo de esgoto no poder tampão do solo pôde ser verificada comparando-se a necessidade de calagem no solo tratado com a dose recomendada para uso agrícola do lodo de Barueri com a mesma dose do lodo de Franca. Ao final da segunda safra, os dois tratamentos tiveram queda de 0,3 unidades de pH. Porém, as parcelas onde foi aplicado lodo de Franca necessitaram cerca de 3 toneladas de calcário a mais do que as parcelas tratadas com o lodo de Barueri.
Fonte: Rita Carla Boeira (rcboeira@cnpma.embrapa.br). Engenheira Agrônoma – Pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente.