O Sofrimento do Solo

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Estamos em meio de mais um período de safra sucroalcooleira. Apesar da crise que vive o setor, quer por ausência de uma política séria que o envolva como matriz energética, gerador de divisas ou, redutor do efeito estufa devido ao seu estoque de carbono e produtor de um combustível ecologicamente correto, a cana-de-açúcar aí está quase como monocultura em nosso estado. Aí está também a queimada que a todo instante é reconhecida pela quantidade de fumos observados na atmosfera, o mal estar causado pela fuligem e a degradação que é produzida.

A queima em si, não importa se de cana-de-açúcar ou qualquer outro tipo de vegetação que envolva grandes extensões territoriais é em primeiro lugar uma agressão a todo o ecossistema. Normalmente, as discussões contemplam o ar atmosférico, que visualmente é o mais afetado. No entanto, o solo, responsável primeiro pela fixação, crescimento e nutrição da cana-de-açúcar, é costumeiramente esquecido.

É importante ser salientado que o solo não é constituído apenas de minerais; ele é vivo, há uma grande variedade de microorganismos que, por meio de diversos processos químicos e bioquímicos, possibilitam a transformação de substâncias muitas vezes consideradas como carga e/ou suporte, em nutrientes de elevada qualidade. Na queima, esses microorganismos são simplesmente eliminados.

A matéria orgânica, tão importante para o fornecimento de nitrogênio, fósforo e potássio, sob a forma de sais solúveis e assimiláveis, imprescindíveis ao desenvolvimento, não apenas da cana-de-açúcar, como de qualquer vegetal, também é total ou parcialmente destruída, transformando-se em carvão finamente dividido que irá, ano após ano, queimada após queimada, se fixando ao solo, reduzindo conseqüentemente a produção, obrigando cada vez mais, ser o local adubado e tratado artificialmente, sem se comentar os malefícios que faz às vias respiratórias dos seres vivos.

Um aspecto pouco comentado e difundido, mais um prejuízo causado ao solo pela queimada é a redução de umidade natural dele até uma profundidade de aproximadamente 10 centímetros, quando não apenas microorganismos, porém outros tipos de animais e vegetais que lá convivem em equilíbrio, aerando, umidificando, estabilizando o pH do solo, são simplesmente eliminados, seja pelo calor ou por desidratação, quando da queimada, obrigando mais uma vez o agricultor a oneroso tratamento artificial da área a ser replantada. Estes são alguns problemas acarretados ao solo pelas queimadas. É importante lembrar também os prejuízos causados à flora e fauna que habitam os canaviais e locais próximos, a impossibilidade de fuga de pequenos animais e insetos que mantêm o sistema em equilíbrio, devido à velocidade de propagação das chamas e a elevada poluição e aumento de temperatura causados ao ar atmosférico. Isto posto, ficam minhas dúvidas: os problemas sócio-econômicos, sempre levantados quando se colocam outras alternativas técnicas que não as queimadas para a colheita da cana-de-açúcar não teriam solução com um melhor desempenho do processo do plantio ao corte, do corte à industrialização, da industrialização ao transporte e do transporte ao consumo, principalmente quando a região tem condições para tal?

Os problemas sócio-econômicos que nossos filhos irão sentir quando as terras ficarem exauridas e o ar poluído não serão suficientes para nos fazer repensar?

Por falar em problemas sócio-econômicos, o que está acontecendo com o Pró-alcool? Acredito haver respostas…

Por Paulo Finotti*
ontes: Paulo Finotti é Professor Universitário e, membro da Ordem dos Velhos Jornalistas de Ribeirão Preto e Presidente da Sociedade de Defesa Regional do Meio Ambiente – SODERMA