Água de Lastro e as Espécies Exóticas

A água de lastro é utilizada pelos navios para compensar a perda de peso decorrente sobretudo do desembarque de cargas. Dessa forma, sua captação e descarte ocorrem principalmente em áreas portuárias, permitindo a realização das operações de desembarque e embarque de cargas nos navios. Os navios que transportam os maiores volumes de água de lastro são os navios tanques e os graneleiros.

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Durante a operação de lastreamento do navio, junto com a água também são capturados pequenos organismos que podem acabar sendo transportados e introduzidos em um outro porto previsto na rota de navegação. Teoricamente, qualquer organismo pequeno o suficiente para passar através do sistema de água de lastro pode ser transferido entre diferentes áreas portuárias no mundo. Isso inclui bactérias e outros micróbios, vírus, pequenos invertebrados, algas, plantas, cistos, esporos, além de ovos e larvas de vários animais. Devido à grande intensidade e abrangência do tráfego marítimo internacional, a água de lastro é considerada como um dos principais vetores responsáveis pela movimentação transoceânica e interoceânica de organismos costeiros.

As principais consequências negativas da introdução de espécies exóticas e nocivas incluem: o desequilíbrio ecológico das áreas invadidas, com a possível perda de biodiversidade; prejuízos em atividades econômicas utilizadoras de recursos naturais afetados e consequente desestabilização social de comunidades tradicionais; e a disseminação de enfermidades em populações costeiras, causadas pela introdução de organismos patogênicos.

As áreas portuárias são particularmente vulneráveis às bioinvasões, uma vez que concentram atividades que podem transportar, introduzir e dispersar novas espécies, como as operações com água de lastro, limpeza de cascos de navios e tráfego de embarcações de diversos tipos e origens. Além disso, as seguintes condições observadas nos portos também podem favorecer a introdução, estabelecimento e dispersão de espécies invasoras:

·         Similaridade ambiental entre portos de origem e destino;

·         Disponibilidade de nichos ecológicos;

·         Ausência de organismos competidores, predadores ou parasitas;

·         Forte influência antropogênica;

·         Disponibilidade de substratos duros artificiais; e

·         Ambientes protegidos (baías, estuários, enseadas).

Algumas das espécies exóticas se tornaram pragas em países distantes de seus hábitats naturais, podendo alterar o equilíbrio ecológico local, e causar impactos negativos na pesca, na aquicultura e em outras atividades econômicas. Isto ocorre porque em novos ambientes, alguns organismos ficam livres dos predadores naturais, e em condições favoráveis acabam dominando a fauna local.

A International Maritime Organization da ONU estima que em 1939, 497 espécies exóticas haviam sido introduzidas em ecossistemas de todo o mundo. Entre 1980 e 1998, esse número subiu para 2.214 espécies. Um bom exemplo de organismo exótico que foi transportado pelos ambientes costeiros de todo mundo é o vibrião colérico, que foi um grande problema nas décadas de 70 e 80, que ainda afeta a Índia. Outro invasor conhecido é o mexilhão zebra (Dreissena polymopha) introduzido nos Grandes Lagos nos Estados Unidos. Hoje, esta espécie infesta mais de 40% das águas continentais americanas e causa impactos econômicos severos, principalmente para os setores elétrico e industrial, pois este molusco coloniza massivamente os encanamentos e as passagens de água.

Para se ter idéia da gravidade dos problemas com espécies exóticas, estima-se que somente os Estados Unidos tem o prejuízo de 138 milhões de dólares por ano, incluindo-se os prejuízos e gastos com controles de espécies exóticas aquáticas e terrestres.

A maré vermelha que ocorreu em Guaraqueçaba, litoral do Paraná, causando mortandade de peixes e causando sérios problemas para a população local, foi causada por algumas espécies de microalgas exóticas. Embora não existam evidências, é provável que estas espécies tenham alcançado nossos ambientes através da água de lastro.

Evolução das Diretrizes Internacionais

Em 1990, a Organização Marítima Internacional (IMO) instituiu, junto ao Comitê de Proteção do Meio Ambiente Marinho (MEPC), um Grupo de Trabalho para tratar especificamente da água de lastro. Em 1991, através da Resolução MEPC 50(31), foram publicadas as primeiras diretrizes internacionais para o gerenciamento da água de lastro pelos navios, cujo cumprimento tinha caráter voluntário. Nos anos seguintes a MEPC aprimorou essas diretrizes e adotou outras duas resoluções sobre o assunto, a Resolução A.774(18) de 1993 e a Resolução A.868 (20) de 1997.

Dentre as diretrizes definidas pela IMO até então, a de maior destaque correspondeu à realização da troca oceânica da água de lastro. Em termos gerais, os navios foram recomendados a trocar a água contida nos seus tanques de lastro antes de alcançarem a distância de 200 milhas náuticas até a linha de costa do porto de destino. Além disso, os locais de troca deveriam possuir pelo menos 200 metros de profundidade e a troca volumétrica da água de lastro deveria atingir uma eficiência de 95%.

Quando corretamente aplicada, a troca oceânica poderia reduzir significativamente o risco da ocorrência das bioinvasões, uma vez que ela promoveria a substituição da água de lastro captada em regiões costeiras por água oceânica, cujos parâmetros físico-químicos e biológicos permitiriam o seu descarte em um novo porto sem que houvesse risco significativo de acontecerem bioinvasões. Em outras palavras, as espécies costeiras não conseguiriam sobreviver em ambientes oceânicos e vice-versa. A tabela abaixo apresenta um resumo dos procedimentos para realização da troca oceânica.

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Em 13 de fevereiro de 2004, a IMO adotou a Convenção Internacional para Controle e Gerenciamento da Água de Lastro e Sedimentos de Navios. A Convenção entrará em vigor 12 meses após ser ratificada por pelo menos 30 países que juntos representem no mínimo 35% da arqueação bruta da frota mercante mundial. O número atualizado de ratificações pode ser conferido na página da IMO “Status das Convenções.” O texto da Convenção foi aprovado pelo Brasil através do Decreto Legislativo no 148/2010 de 15 de março de 2010. Em 14 de abril de 2010 o Brasil depositou o instrumento de ratificação junto à IMO.

Prevenção e Tratamento

Um sistema de gerenciamento e controle pode reduzir a propabilidade de introdução de espécies indesejáveis. A troca de água de lastro em alto-mar (profundidade superior a 500 metros) é um dos mais efetivos métodos preventivos, já que, o meio ambiente oceânico não serve de hábitat a organismos de águas costeiras.

Legislação Nacional

No Brasil, o gerenciamento da água de lastro é tratado pela NORMAM-20/2005 da Diretoria de Portos e Costas, pela Resolução ANVISA-RDC no 72/2009 e na Lei no 9.966/2000. De acordo com a legislação nacional, além de possuírem o Plano de Gerenciamento da Água de Lastro e de realizarem a troca oceânica caso haja intenção de deslastrar, os navios devem fornecer à Autoridade Marítima e à ANVISA o Formulário sobre Água de Lastro devidamente preenchido.

Curiosidades:

Navios mercantes transportam mais que 80% das commodities mundiais e são essenciais para a economia mundial;

Um cargueiro com capacidade de 200.000 toneladas pode carregar mais de 60.000 toneladas de água de lastro;

Todos os navios cargueiros necessitam da água de lastro e não existem produtos substitutos para o lastreamento;

A IMO estima que 12 bilhões de toneladas de água de lastro são transportadas anualmente ao redor do mundo;

A IMO estima que cerca de 4.500 espécies são transportadas pela água de lastro pela frota mundial a qualquer momento;

A cada 9 semanas uma espécie marinha invade um novo ambiente em algum lugar do globo;

O transporte de bens por navios tem aumentado constantemente, e novos destinos tem sido alcançados;

As espécies marinhas exóticas são consideradas uma das quatro ameaças aos nossos oceanos.

Fontes: www.antaq.gov.br; www.mma.gov,br; /www.portodesantos.com.br; Ariel Scheffer da Silva – Biólogo – Instituto Ecoplan