Parque Nacional do Itatiaia

Penhasco de muitas pontas. Assim os primeiros habitantes da região, índios Puri e Puris, da família Tupi-Guarani, chamavam Itatiaia. E quem conhece a parte baixa e, principalmente, a parte alta do Parque Nacional reverencia de imediato o nome de batismo do local. Ainda na Via Dutra (BR 116), principal estrada de acesso ao Parque, é possível avistar inúmeros picos da cadeia de montanhas que forma a região do Itatiaia. A paisagem fica mais bela ao saber que tal formação rochosa além de ser da era glacial e ter cerca de 18 milhões de anos, abriga o Pico das Agulhas Negras, o quarto maior do Brasil.

Situado na fronteira entre os Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e quase no limite com São Paulo, o Planalto do Itatiaia fica no meio da Serra da Mantiqueira. Nos séculos XIX e XX, devido às particularidades incomuns, recebeu visita de diversos naturalistas brasileiros e estrangeiros, motivo o qual foi importante fator na transformação da região no primeiro Parque Nacional do Brasil.

As terras da reserva, que um dia pertenceram a Visconde de Mauá, foram adquiridas, em 1908, pela Fazenda Federal para implementação de dois núcleos coloniais. Mais tarde, em 1929, a reserva passou a ser de responsabilidade do Ministério da Agricultura transformando Itatiaia numa Estação Biológica subordinada ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Em 1913, o botânico Alberto Lofgren sugeriu que tais terras virassem Parque Nacional. Mesmo ano em que o naturalista José Hubmay declarou apoio a causa após definir a região como sem igual no mundo, na Conferência da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.

“Preservar para fins científicos, educacionais, paisagísticos e recreativos o seu patrimônio natural cultural”. Afirma o Decreto de Criação do Parque Nacional do Itatiaia. Assinado, anos mais tarde, em 14 de junho de 1937, pelo Presidente Getúlio Vargas, definindo uma área de 12 mil hectares da região de Itatiaia como Parque Nacional. Sendo ampliada em 1982, passando a somar 30 mil hectares hoje preservados dentro da reserva.

Uma vez que os Estados Unidos criaram o primeiro Parque Nacional do mundo – Yellowstone – em 1872, podemos concluir que o Brasil seguiu tardiamente a tendência internacional de fazer política voltada ao meio ambiente com a criação de áreas de preservação.

Esse atraso no início da gestão ambiental brasileira seja, acredito, maior reflexo das dificuldades encontradas em quase todas as 212 Unidades de Conservação do país. A constante falta de verbas, equipamentos adequados, pessoal, invasão territorial, combate ao extrativismo ilegal e caça clandestina a animais silvestres são problemas enfrentados com extrema criatividade na busca de parcerias empresariais e até universitárias no tocante as pesquisas científicas. Se não fosse dessa forma, muitos dos nossos Parques Nacionais teriam sucumbido ao insucesso.

Guerras no Iraque, Iugoslávia, Afeganistão, Israel, Palestina, ataques terroristas nos EUA, Colômbia, pneumonia asiática na China e demais questões nevrálgicas observadas no plano mundial, são indicadores de que as riquezas naturais ao longo da nossa extensão geográfica podem tornar-se grandes geradoras de recursos e representatividade no exterior. Eco-turismo, esportes radicais, expedições para observação da fauna e outras questões apontam o Brasil como capital do desenvolvimento sustentável. Tema de destaque na política internacional.

O Parque Nacional do Itatiaia junto aos municípios do entorno é um importante pólo turístico que podemos citar como exemplo. Canoagem, vôo livre, cavalgada, hotéis, montanhismo e sítio histórico são partes de um leque de opções de lazer das outras áreas de proteção ambiental que a Reserva engloba nessas cidades ( Reserva Ecológica do Papagaio, Parque Municipal da Cachoeira da Fumaça e outros). O maior desafio é conciliar visitação pública com preservação.

A própria história de colonização da região relata indícios de problemas nesse desafio. No século XVII, Itatiaia serviu de passagem e pouso de viajantes provenientes do sul de Minas Gerais, o famoso caminho do ouro. Com o esgotamento das jazidas a área foi utilizada para atividades agrícolas e pecuárias. No período de 1908 a 1918 D. Pedro II implementou núcleos coloniais para o desenvolvimento do cultivo de frutas, café, soja e outros produtos agrícolas. Embora tais atividades tenham fracassado, o chamado ciclo do café foi um fator econômico que auxiliou a criação de diversos povoados, que são as cidades do entorno do Parque.

Por outro lado, houve grande desmatamento da floresta nativa da região – Mata Atlântica – e os colonos trazidos por D. Pedro II nunca foram desapropriados de suas terras, nem mesmo quando o local foi transformado em Parque Nacional. Ainda hoje existem sítios, hotéis e fazendas particulares dentro da Reserva, dificultando controle do lixo, esgoto e da qualidade da água dos rios da região.

Com fim dos ciclos do ouro e café, Itatiaia passou a atrair atenção de aventureiros, expedicionários e amantes da natureza. Até a Princesa Isabel escalou o Pico das Agulhas Negras acompanhada de pesquisadores da fauna e flora.

Anos se passaram e a beleza natural do local atraiu artistas do porte de Vinícius de Moraes, que residiu na Reserva inspirando-o a escrever diversos poemas. Um dos expoentes da nossa pintura, Guignard, fez do Itatiaia cenário para algumas de suas obras mais famosas. Além deles, as letras de Tom Jobim parecem descrever detalhadamente o Parque, motivo que incentivou a homenagem de intitular o Maestro como padrinho espiritual da região. Essa herança artística é notada nos inúmeros ateliês instalados dentro do Parque Nacional. Suas obras temáticas contribuem para a educação ambiental.

Aliás, educação ambiental é levada a sério pelo Chefe do Parque Nacional do Itatiaia, Léo Nascimento. Só em 2002, o Núcleo de Educação Ambiental do Parque registrou a participação de 2789 alunos de 28 municípios dos Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Dinâmicas de grupo, teatro, fantoche e outras atividades vêem sendo implementadas na conscientização dos alunos.

Ao lembrar que da vasta extensão do Brasil apenas 5% do território nacional são áreas de conservação, investimentos em educação ambiental serão sempre bem vindos. Para se ter uma idéia, só no Parque Nacional do Itatiaia a média de visitantes nos últimos oito anos ultrapassou a casa dos 70 mil. No triênio de 2000/2001 e 2002 a fiscalização do Parque, com apenas nove agentes, autuou 239 casos. As multas, que atingiram valor superior a três milhões de Reais, foram em decorrência dos seguintes delitos: incêndio florestal, corte e distribuição ilegal de palmito, desmatamento, construção ilegal em área de conservação, desvio de cursos de rio, tráfico de animais silvestres etc.

Com todos os cuidados e informações de uso devido dentro de uma Unidade de Conservação, a maior multa aplicada de 900 mil Reais, foi para o estudante de Engenharia da USP, Rodrigo Flório Mozer, que, em julho de 2001, colocou fogo no Maciço das Prateleiras, parte alta do Parque, queimando 600 hectares de biodiversidade da Reserva.

Outro tópico que requer total cuidado no Parque Nacional do Itatiaia é o extrativismo ilegal do Palmito Juçara, uma espécie nativa da Mata Atlântica que representa 40% das árvores da Reserva. Léo Nascimento escreveu vários boletins alertando a situação. Em seus informativos pede, inclusive, que visitantes do Parque deixem de comer qualquer iguaria a base de palmito, oferecida pelos restaurantes da região. Seria um exagero se os números a favor dos extrativistas clandestinos não fosse tão alarmantes. Em dezembro do ano passado, com auxílio do Batalhão Florestal da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, foram apreendidas três toneladas do Palmito Juçara e fechadas duas indústrias clandestinas do mesmo produto, na cidade de Volta Redonda.

 
Biodiversidade

Rios de águas cristalinas, cachoeiras em diferentes formações rochosas, penhascos, montanhas, flores exuberantes abrigadas num dos últimos redutos preservados de Mata Atlântica. A beleza desse cenário natural impressiona qualquer visitante.

A desmedida importância da biodiversidade do Itatiaia o torna um patrimônio cultural natural. Ao saber que a Mata Atlântica ocupa apenas 7% do seu território original, é classificada entre os cinco ecossistemas mais ricos do mundo e ainda abriga 70% da população brasileira, aumenta a necessidade de cuidados extremos com a preservação.

A Mata Atlântica ainda protege e regula os mananciais, garante a fertilidade do solo e controla o clima em mais de 3500 municípios distribuídos em 17 estados. Daí o porque mais da metade da nossa população residir nas proximidades.

No Parque Nacional do Itatiaia, a Mata Atlântica domina a paisagem da parte baixa e vai cedendo espaço para a formação dos Campos de Altitude, conforme o próprio nome diz são campos situados na parte mais elevada da Reserva. A atuação climática de ambos os ecossistemas faz com os ventos úmidos, provenientes do mar, resfriem-se ao subir as encostas da Serra da Mantiqueira, saturando o ar em vapor d´água que condensa e se precipita como neblina ou chuva, comuns na parte elevada. Sendo que, no inverno, atingi temperatura de 15 graus negativos, provocando freqüentes geadas e até neve.

A Mata atlântica é uma floresta tropical úmida com plantas de folhas largas e perenes. Da flora foram catalogados 163 casos de espécies endêmicas, ou seja, que só ocorrem no Parque. Jequitibás, quaresmeiras, cedros e samambaias são abundantes na região. A vegetação conta com um teto interligado pela junção das copas das árvores maiores. Há ainda extratos intermediários com árvores de médio porte e plantas rasteiras. Outra característica de fácil observação é que os troncos das árvores são revestidos por grande quantidade de plantas que sobem ou apóiam-se neles, em busca da luz solar.

Conforme fazemos a transição da parte baixa para parte alta do Parque, árvores e arbustos cedem espaço à vegetação aberta e rasteira denominada Campos de Altitude, que embora pertença à Mata Atlântica, desenvolve-se em cadeias de montanha acima dos 1500/2000 metros de altitude no sul e sudeste do país. No Parque do Itatiaia, os Campos de Altitude surgem em meio ao imenso vale rochoso a partir de dois mil metros. São verdadeiras ilhas de vegetação com a flora de gramíneas, pequenas árvores tortuosas, bromélias, orquídeas e musgos.

Agulhas Negras, com 2787 metros, é o culminante do local e quarto maior pico do Brasil. O Maciço das Prateleiras (2548 m), com a Pedra do Altar (2530) e o Vale do Aiuruoca compõem o a extensa área da parte alta do Parque.

A fauna do Itatiaia também não fica para trás: 50 mil espécies de insetos, mais de 64 espécies de sapos, 294 aves (saíras, beija-flores, jacus, guachos, tucanos etc) e 67 mamíferos distribuídos entre primatas, roedores, marsupiais, carnívoros etc. Com presença de animais em extinção como o Bugio, Tamanduá-Bandeira, Tatu-Canastra e outros.

 
Aventura

Aventurar-se nas trilhas do Parque Nacional do Itatiaia requer boa dose de disposição. Ainda que na parte baixa se consiga chegar de carro no início da maioria delas, as trilhas são sempre íngremes e normalmente você começa o caminho descendo para depois subir tudo outra vez.

Das opções de atração, o Mirante do Último Adeus é o mais fácil. Com dois quilômetros de distância da portaria do Parque, o carro estaciona ao lado e é só subir uns pequenos degraus e logo vê-se o Rio Campo Belo, principal da Bacia Hidrográfica da região, cortando a vegetação local num vale cercado pela cadeia de montanhas do Itatiaia.

Com 40 metros de altura, a maior cachoeira do Parque é a Véu de Noiva. Com trilha de 1,5 km é um dos principais cartões de visita. Fica localizada no final da estrada da parte baixa do Parque junto com a Cachoeira do Itaporani, que tem um lindo lago de águas verdes cristalinas convidativas ao banho. Do lado oposto às duas cachoeiras fica a praia do Itatiaia, ou seja, a Piscina do Maromba. Como o nome diz, é o local mais apropriado para banho. Sua formação rochosa amortece as águas em quedas até uma imensa piscina de fácil acesso ao visitante. Vale lembrar que as águas do Itatiaia são gélidas em qualquer estação do ano, por tanto, mesmo que você esteja de carro hospedado em algum hotel dentro do Parque, uma boa caminhada para esquentar é indicada.

O Lago Azul é um recanto maravilhoso. De uma antiga ponte observa-se o constante lavar das águas do Campo Belo por cima das rochas. O eterno som das águas é ideal para fazer reflexões da vida, namorar e observar o balé dos pássaros da região. Mas vale lembrar que a subida de volta arde às pernas de tanto esforço. Perto dali fica o Museu do Parque, com informações sobre a Reserva e uma significativa coleção científica da fauna regional. São 400 exemplares de vertebrados divididos entre mamíferos, aves e répteis; 2259 insetos e aracnídeos e 1328 espécies de plantas herborizadas.

Os jardins de Museu da Fauna, nome do Museu do Parque, encontram-se esquilos caxinguelê aos montes comendo frutos. Ver animais no Itatiaia não é tarefa das mais difíceis. Basta estar atento que eles logo aparecem. Macaco-prego, quati, pica-pau, tucano, aranha, besouro, beija-flor, jacu e outras espécies dão um show à parte no Parque. O melhor horário para vê-los é bem cedinho, ao raiar do dia ou no fim da tarde.

Ainda descrevendo a parte baixa temos a Cachoeira do Poronga, que fica numa trilha escorregadia, úmida e de difícil acesso. Mas o visual é deslumbrante. Entre plantas e árvores surge um paredão negro quase liso, contrastando com águas brancas da cachoeira. Após sua queda forma-se um poço verde cristalino. A paisagem é bem selvagem.

Para chegar ao final da trilha dos Três Picos há que se vencer três longos quilômetros de subida. Só a quantidade de orquídeas e bromélias ao logo do percurso vale o esforço, que é compensado com a vista do cume. Para baixo os vales das cidades do entorno do Parque e para cima os Campos de Altitude. Para quem vai encarar a parte alta é um ótimo teste.

Da portaria do Parque até o posto do Ibama na parte alta são 50 km divididos entre a Dutra e a Rio/Caxambu. Avistar os exóticos Campos de Altitude pela primeira vez é divino. Um desmedido vale de imensas rochas espalhadas em grupos, solitárias e picos. Junto com a vegetação rasteira com flores de diferentes formas e cores e os riachos e lagos em tonalidade azul escuros impressionantes.

Com o quarto maior pico do Brasil, não é preciso explicar muito das dificuldades em vencer as trilhas do Parque. Primeiro caminha-se pelos vales até o sopé das montanhas em que escolheu para escalar. Endossando mais a causa, foi em Itatiaia que iniciou o alpinismo no Brasil. Em 1856, Frank Massena conquistou o Pico das Agulhas Negras. A região atrai praticantes de alpinismo até hoje. E como a atividade exige perícia técnica, é aconselhável escalar acompanhado de um guia do Ibama ou de profissionais do ramo.

Agulhas Negras é um pico enorme com várias fendas e escarpas que assemelha-se com grandes agulhas feitas de rocha. O esforço físico ao cume exige bom preparo físico. O Maciço das Prateleiras não fica muito atrás com os seus 2548 metros. São mais lisas e há um verdadeiro labirinto de fendas e pequenas grutas pelo caminho a ser percorrido.

Água, sanduíches, biscoitos, frutas, protetor solar e chapéu para encarar o forte sol da montanha são imprescindíveis. Como as trilhas são úmidas, encharcadas e escorregadias, calçados confortáveis e resistentes também não podem faltar. Não esqueça a sunga, biquíni e principalmente agasalhos para agüentar o frio da serra.

Além das trilhas, mirantes e cachoeiras, no Parque Nacional do Itatiaia existe boa infraestrutura em hospedagem. Hotéis com lareira, piscina aquecida, sauna e excelentes restaurantes. Geléias, pingas com ervas, pimentas, mel, chocolate, doces caseiros, camisetas e bonés do Itatiaia são produtos facilmente encontrados no Parque.

Concluindo, podemos afirmar que, com 66 anos de existência, sendo o primeiro Parque Nacional do Brasil, Itatiaia continua firme em seus propósitos de preservação e conservação da riqueza ecológica brasileira.

Texto e fotos: Marcelo de Paula
E-mail: mdepaulafoto@globo.com