Aqui jaz uma rodovia ecológica

Há um oásis verde de 34 mil hectares no coração de Minas Gerais. É o Parque Nacional da Serra do Cipó, Patrimônio Natural da Humanidade que concentra o maior número de flores por metro quadrado do país. Em 1995, toda essa riqueza ambiental seria valorizada com a inauguração da MG-10, primeira “rodovia ecológica” do Brasil. Ela só tem um defeito: nunca saiu do papel.

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O trecho corresponde a uma boa parte da antiga Estrada Real, principal rota do ouro e dos diamantes das Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX. O traçado original passava pela Serra do Cipó, chegando até a cidade histórica de Diamantina. A região é dotada de grande diversidade biológica. O relevo acidentado, formado por encostas rochosas, serve de refúgio para o tamanduá-mirim, o veado campeiro, o lobo guará, a paca, o quati, o tatu, a capivara e a onça pintada. Vários rios e quedas d’água serpenteiam aquele pedaço de cerrado. A cachoeira do Tabuleiro, terceira maior do Brasil com 273 metros de altura, é o cartão postal da região. No alto das montanhas, o campo rupestre, bioma raro e delicado, desenvolve-se com facilidade.

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Um paraíso que parece ameaçado pelo descaso. Na altura do km 3, 800 metros da rodovia abandonada foram um dia canteiro de obras. Galões de óleo cheios ficaram para trás – abertos, com seu conteúdo vazando no solo, o que ameaça o verde e as águas. A fina camada de asfalto esfarelou-se. Pelo menos 15 quilômetros da estrada ainda são de terra. Outros 15 têm buracos que assustam até os motoristas acostumados a dirigir no Norte e Nordeste do país. Nos 30 quilômetros restantes o asfalto ainda é razoável. Mas o trecho está longe de cumprir as 25 exigências que autorizaram sua pavimentação e regulamentam uma obra ecológica. Nada de quatro pistas, acostamentos, ciclovias, bueiros para escoamento das águas das chuvas, passarelas ou proteções para os carros em desfiladeiros, como dizia o projeto.

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Em quase dez anos de obra incompleta, ora reiniciada, ora paralisada, três governos estaduais revezaram-se na inapetência em consolidar a rodovia ecológica. As fontes oficiais não revelam o valor original do projeto, mas o chefe da Divisão de Meio Ambiente do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER/MG), Murilo Fonte Boa, dá um exemplo da desimportância política da MG-10. Segundo ele, a Rodominas, construtora responsável pela pavimentação em 2001, abandonou o trabalho por causa de um atraso no pagamento. O então governador de Minas Gerais, Itamar Franco, que tinha anunciado a destinação de R$22 milhões para a obra, preparava-se para deixar o governo do Estado e o fantasma da Lei de Responsabilidade Fiscal rondava o Palácio da Liberdade. Resultado: o dinheiro não foi liberado. Sobre a atuação dos governos anterior (Eduardo Azeredo) e posterior (Aécio Neves), Fonte Boa nada soube informar.

Em julho, o enredo ganhou novo capítulo. O governador Aécio Neves mandou abrir nova licitação para concluir a rodovia ecológica. Dos 15 quilômetros de terra restantes, três serão de calçamento, para diminuir o impacto ambiental na Serra do Cipó. As obras farão parte do Pró-Acesso, programa de asfaltamento das rodovias mineiras. Mas ainda falta muito para a estrada sair da rota do desperdício de tempo, da malversação de recursos públicos e do desastre ambiental.

Por Matheus Leitão e Raquel Coutinho
Fonte: www.oeco.com.br
Fotos: Matheus Leitão