IBGE: do papel aos Kilobytes

A Cartografia, palavra de origem portuguesa, contempla e materializa ciência, tecnologia e arte na representação do espaço geográfico, sendo o insumo básico para qualquer fase de desenvolvimento sócio- econômico de um país.

Historicamente, se constata que intensidade das atividades cartográficas encontra-se correlacionada às fases de crescimento das atividades econômicas de um país ou região, observando-se, em contrapartida, que fases de estagnação econômica determinam quase que uma paralisação da produção cartográfica. Por exemplo, a ciência cartográfica – estudada pelos gregos dois séculos antes de Cristo – ficou estagnada na Idade Média, época em que as ciências foram, em muitos casos, consideradas como bruxarias. Porém, o conhecimento da cartografia, guardado pelos árabes, floresceu na Europa no Século XV, tornando-se um dos requisitos primordiais para a navegação e expansão das fronteiras econômicas da Europa em direção ao Novo Mundo.

Em termos de Brasil, a expansão da fronteira econômica do litoral em direção ao interior do Brasil, na primeira fase do governo Vargas – a chamada “Marcha para o Oeste” – foi em grande parte alavancada pelo projeto de identificação das fronteiras internacionais implementado pelo Marechal Cândido Rondon e pela obrigação, determinada em decreto presidencial, que cada um dos 1540 municípios brasileiros elaborasse seu mapa municipal, sob pena de ter sua área anexada ao município vizinho se tal tarefa não fosse cumprida. Esta obrigação foi motivada pela necessidade de se produzir uma base territorial de referência para o Recenseamento de 1940. Os dados referentes a todos os municípios, juntamente com os mapas e as informações estatísticas, municiaram o Governo na composição de seus planos de ocupação e expansão econômica na direção do interior do Brasil.

A Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão integrante do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, possui, dentre outras atribuições legais, a de realizar o mapeamento sistemático do território brasileiro, gerando mapas e cartas a serem utilizados no processo de desenvolvimento do País. Estes produtos, fortemente demandados por setores usuários – públicos, privados, federais, estaduais e municipais – específicos, são normalmente desconhecidos por outros setores da sociedade que aprenderam a associar o nome do IBGE apenas às pesquisas estatísticas, incluindo os censos demográficos. No entanto, estes mesmos produtos revestem-se de uma extrema importância para o conhecimento da realidade física, territorial, social e econômica do país, com vistas a subsidiar as atividades de planejamento governamental.

Neste contexto, o IBGE é uma instituição integrante dos Sistemas Cartográfico e Estatístico Nacionais, o que o torna uma das principais fontes provedoras de informações referenciadas geograficamente. As informações disponibilizadas pelo IBGE à sociedade retratam a nação segundo as vertentes estatística e territorial. As estatísticas não ocorrem aleatoriamente no espaço. Encontram-se necessariamente, e de forma inequívoca, inseridas num contexto territorial e referenciadas geograficamente.

O georreferenciamento dos diversos fenômenos sócio-econômicos, em termos da localização de suas ocorrências, contribui seguramente para entendimento das razões que motivaram estas ocorrências, otimizando a tomada de decisão e canalizando de forma mais correta e consistente a aplicação de recursos necessários ao estabelecimento e modernização da infra-estrutura que suportará o desenvolvimento do País.

Hoje as atividades cartográficas no IBGE subdividem-se em três principais linhas de ação:

Cartografia básica – retrata o País em cartas topográficas nas escalas de 1:25.000, 1:50.000, 1:100.000, 1:250.000 e 1:1.000.000. O insumo básico destas cartas são as fotografias aéreas e imagens de satélite de alta resolução. Este mapeamento é conhecido como “Mapeamento Sistemático”, estando a tarefa de executá-lo dividida entre o IBGE e o Exército Brasileiro. Obras de infra-estrutura, tais como construção de estradas e barragens, implantação de linhas de transmissão de energia – apenas para citar alguns – se apoiam obrigatoriamente nestas cartas.

Cartografia municipal – retrata o País em mapas municipais dos atuais 5560 municípios brasileiros. Utiliza, como insumo básico em sua produção, a cartografia básica, ou seja, o mapeamento sistemático em escala topográfica.

A malha da divisão dos municípios brasileiros (malha dos polígonos municipais) é um sub-produto deste mapeamento, constituindo-se a base de referência territorial político-administrativa, subsidiando a representação e análise dos padrões territoriais formados a partir de diversas informações estatísticas. Estes mapas servem de base para a realização das operações censitárias e os levantamentos estatísticos no país, além de subsidiarem as atividades de planejamento em nível municipal.

Cartografia em escalas geográficas – retratam o País em mapas gerais, em escalas menores que 1:2.500.000, onde o espaço territorial brasileiro é visualizado num contexto nacional e com menos detalhes em relação àqueles verificados na cartografia básica e municipal. Entre eles, se situam o mapa político oficial da federação, os mapas estaduais, bem como os Atlas nacional e escolar . Estes produtos, incluindo o mapa na escala de 1:5.000.000, são valiosos instrumentos para o ensino fundamental e médio da geografia do Brasil.

No contexto do mapeamento em escalas geográficas o IBGE, ao estabelecer em 1997 parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica e a CPRM, iniciou a conversão para ambiente digital dos originais da CIM (Carta Internacional ao Milionésimo). Esta conversão foi feita em seis meses.

A partir de então se iniciou um processo de integração das 46 folhas da Carta CIM, até então divididas em folhas parcelares. Este processo de conversão e posterior integração das bases com controle de qualidade associada a Banco de Dados, durou dois anos, vindo a gerar, a posteriori, uma consistente base de dados do território nacional, integrada na escala 1:1.000.000 a chamada Base Cartográfica Integrada Digital do Brasil ao Milionésimo (bCIMd).

Tendo sido a Carta Internacional do Mundo ao Milionésimo, em meio convencional, elaborada pelo processo de compilação, a existência de documentação abundante permitiu ser alcançado elevado padrão técnico.

Todavia, a heterogeneidade na distribuição geográfica dos elementos básicos, concentrados nas regiões de maior desenvolvimento socioeconômico e praticamente inexistentes em outras, bem como a diversidade de escalas e padrões, torna sobremaneira complexo o processo de mapeamento, tendo sido exigido planejamento e decisões específicas para cada uma das folhas.

É importante, mencionar a importância do papel da Base Cartográfica Integrada do Brasil ao Milionésimo Digital – bCIMd, como mapeamento sistemático de referência, em nível nacional, na elaboração de documentos cartográficos em escalas menores como os mapas da Série Brasil, Atlas e outros mapeamentos, além de reconhecer a sua relevância como insumo à discussão voltada aos problemas ambientais e à elaboração do Mapeamento Global, coordenado pela Organização das Nações Unidas, na escala 1:1 000 000, a ser também divulgado em formato digital e via Internet no site www.iscgm.org.

A bCIMd serve como base de referência para atender a várias áreas de aplicação. A ligação de cada elemento a atributos armazenados em um Banco de Dados Relacional permite a execução de consultas e de outros tipos de mapeamentos temáticos, embasados na seleção desses atributos (ex: rodovias sem pavimentação e de tráfego temporário; áreas de preservação permanente por Unidade da Federação – UF).

O lançamento desta Primeira Versão da Base Cartográfica Integrada do Brasil ao Milionésimo Digital – bCIMd, no presente momento, representa não só um avanço tecnológico, mas o coroamento do esforço e dedicação da equipe técnica da Coordenação de Cartografia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sem dúvida ainda há muito por fazer, mas o desafio de vencer essa empreitada pioneira, trouxe à equipe não só o conhecimento essencial para encarar os novos desafios que deverão se seguir, mas o orgulho de poder disponibilizar aos usuários um produto de qualidade e com inúmeras aplicações.

Importante ressaltar que esta base de dados necessita da colaboração em processo de parceria de contar com informações geradas de instituições setoriais, sem as quais o produto não se encontrará pleno em sua função primordial que é a de fornecer informações georreferenciadas de máxima qualidade, precisão e atualizadas ao máximo possível. Neste contexto o IBGE objetiva estabelecer parcerias no sentido de agregar valor a bCIMd.

As seguintes instituições serão contactadas para cerrarem fileiras em conjunto com o IBGE na tarefa de constituir uma base integrada onde todos alimentarão informações e serão em concomitância usuários destas informações: ANNEL, Ministério do Meio Ambiente, IBAMA, ANA, Ministério da Defesa, Instituto de Cartografia da Aeronáutica, Diretoria de Aviação Civil, Diretoria de Hidrografia e Navegação, Ministério dos Transportes, DNIT, Ministério da Minas e Energia, CPRM, FUNAI, INCRA, PETROBRAS, ANATEL, Ministério da Saúde, Ministério da Educação.

Nos últimos anos, iniciou-se no IBGE um empreendimento no sentido de converter todo o mapeamento do País para o ambiente digital, por conta do espantoso crescimento das geotecnologias e dos Sistemas de Informação Geográfica.

Estes sistemas são fundamentais, principalmente para as atividades nacionais de planejamento que envolvam padrões territoriais e ambientais. Estes sistemas contemplam diversificadas áreas de interesse, ajudando aos tomadores de decisão no desempenho de suas tarefas.

Dentre as áreas atendidas, podem ser citadas: estudos de potabilidade das águas, poluição de baías, lagos, rios e lagoas, atividades de mineração, controle da devastação florestal, garantia da manutenção de áreas de proteção ambiental e terras indígenas, ações relacionadas à segurança institucional do País, planos de expansão da telefonia e energia elétrica, monitoramento das rodovias e ferrovias, planejamento para expansão das fontes de geração de energia, disponibilização de imagens de satélite, etc.

Apesar deste empreendimento ser um enorme passo para a modernidade, o nível de desatualização dos mapas existentes aliado à falta de investimentos no setor, comprometem as ações de crescimento econômico que se buscam.

Desta forma, as prioridades sinalizadas para o Plano Plurianual, traduzidas em investimentos na área de cartografia, serão fundamentais para gerar a infra-estrutura necessária às próximas ações do Governo no sentido do desenvolvimento do País.

Cláudio João Barreto dos Santos – Engenheiro Cartógrafo, Msc – Coordenação de Cartografia – Diretoria de Geociências – IBGE
Colaboraram no texto: Teresa Cristina Veiga, Analista de Geoprocessamento da Coordenação de Cartografia – Diretoria de Geociências