Estratégias para definição de períodos de defeso no Pantanal

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O objetivo básico de definição de períodos de defeso de reprodução é possibilitar que os peixes possam se reproduzir e repor / renovar os estoques pescáveis para os anos seguintes. Nesse sentido, é necessário entender a biologia e ecologia das espécies consideradas, para que se tenha um uso sustentável, conciliando os interesses econômicos, sociais e ambientais.

O defeso de reprodução no Pantanal é definido em função das espécies de valor econômico, geralmente migradoras que, todo ano realizam migrações rio acima, onde se reproduzem, ao encontrarem condições adequadas, principalmente para ovos e larvas. A este grupo pertencem o pacu, a piraputanga, o dourado, o pintado, o ximboré, a cachara e a jiripoca, dentre outras. A desova geralmente ocorre nas cabeceiras, após grandes chuvas, quando o nível dos rios sobe, as águas estão turvas e oxigenadas, atendendo às necessidades de oxigenação mais elevada nessa fase inicial de desenvolvimento, bem como de proteção contra a predação nas águas turvas que impedem a visualização dos ovos e larvas pelos predadores.

Os peixes migradores possuem alta fecundidade e, dependendo da espécie e do tamanho alcançado, uma fêmea pode apresentar em seus ovários mais de um milhão de ovos. A cada ano, machos e fêmeas alimentam-se no Baixo Pantanal onde o alimento é abundante no período da enchente/cheia e quando alcançam acúmulo de reservas suficientes para o desenvolvimento das gônadas e para a longa migração até as cabeceiras, iniciam essa longa viagem, que é conhecida popularmente como piracema. Quando não conseguem acumular reservas suficientes, principalmente por insuficiência de inundação, não migram, ou mesmo quando iniciam a migração, não chegam a completá-la. Em alguns anos é possível observar fêmeas ovadas de peixes migradores no baixo Pantanal, nas proximidades de Corumbá e Baía do Castelo, no período de defeso da reprodução que se apresentam nessas condições. Quando não conseguem completar a migração ascendente, os ovários entram em regressão e os ovócitos são reabsorvidos. A ocorrência de exemplares ovados de peixes migradores no baixo Pantanal, misturados com exemplares desovados e em regressão, são indicativos dos fatos expostos acima.

Observações de campo vem mostrando que o ideal para uma alimentação suficiente e acúmulo de reservas, principalmente na forma de gordura, é que a inundação alcance pelo menos cinco metros de altura no rio Paraguai, medida na régua de Ladário, próximo a Corumbá e mais de quatro metros de altura na régua de Porto Cercado, no rio Cuiabá. 

É preciso ainda considerar que, se um dado estoque de peixes está sendo utilizado, o manejo deve considerar a proteção do pico da reprodução que, para a maior parte dos peixes de valor econômico, ocorre na cabeceira dos tributários, entre Novembro e Fevereiro, começando com os peixes de escama e terminando com os peixes de couro. Essa seqüência tem lógica, na medida em que as larvas de peixes de couro são predadoras e necessitam encontrar larvas de outros peixes para se alimentarem assim que esgotam os recursos energéticos do vitelo, abrem a boca e iniciam a alimentação externa.

A frase, “nem tudo que reluz é ouro” é muito elucidativa para entender que “nem todo ronco de peixe” significa que esteja havendo reprodução, particularmente verdadeiro no caso do ximboré, Schizodon borellii. Roncos dessa espécie foram ouvidos no rio Cuiabá, na região de Porto Cercado, no início de Fevereiro de 2004, onde a primeira dedução foi “ está ocorrendo a reprodução dessa espécie nessa região!” Entretanto, ao se capturar esses peixes, foi constatado que todos os machos estavam com os testículos em regressão e igualmente as fêmeas apresentavam ovários esvaziados. Esses roncos constituem, dessa forma, uma última tentativa dos machos de tentarem encontrar fêmeas para acasalamento. Possivelmente o mesmo é verdadeiro para outras espécies que apresentam esse tipo de comportamento como curimbatás e pacus.

A reprodução dos peixes migradores é altamente dependente das chuvas nas cabeceiras. Em anos onde se observam chuvas abundantes em Novembro e Dezembro, o pico de reprodução ocorre nesses meses. Quando as chuvas forem abundantes em Janeiro, certamente o pico da reprodução será nesse mês. Dessa forma, o monitoramento do defeso deve considerar o ritmo das chuvas bem como o encontro dos peixes em estádios finais de maturação nas cabeceiras. Poucos exemplares de peixes migradores capturados nas cabeceiras não significam amostras pouco representativas, quando o esforço de captura for significativo. Mostra, ao contrario, muita significância, na medida em que reflete a ausência desses peixes nesses ambientes, pelo fato de terem completado o processo reprodutivo e terem retornado ao baixo Pantanal para se alimentarem e se recuperarem do desgaste reprodutivo.

É importante lembrar ainda que o defeso de reprodução é apenas um dos instrumentos utilizados para normatização da pesca. Outros instrumentos envolvem tamanho mínimo de captura, cotas de captura, petrechos de captura, etc. Acima de tudo, o mais importante é a manutenção da integridade do ambiente, sem o que, nenhum desses controles terá qualquer validade.

Isto posto, considerando os aspectos sociais, ambientais e econômicos da atividade pesqueira na bacia do Alto Paraguai, recomenda-se que o período de Defeso de Reprodução:

1 – Tenha início no começo de Novembro e termine no final de Janeiro para os trechos do rio Paraguai e seus afluentes na planície pantaneira;

2 – Tenha início no começo de Novembro e termine no final de Fevereiro para os trechos do rio Paraguai e seus afluentes fora da planície pantaneira, ou seja, nos planaltos onde se encontram as nascentes desses rios.

Caso isto seja adotado, estaremos sem dúvida, conseguindo efetuar uma administração sustentável dos recursos pesqueiros da Bacia do Alto Paraguai, conciliando os interesses econômicos, sociais e ambientais, aliando a conservação dos recursos pesqueiros e o planejamento das atividades necessárias aos setores que usufruem desses recursos, evitando desgastes e promovendo a tranqüilidade entre os diferentes usuários.

Emiko Kawakami de Resende (emiko@cpap.embrapa.br), biologa, doutora em ciências. Chefe Geral da Embrapa Pantanal, Corumbá, MS.