TÍTULO III – Dos bens, garantias, negócios e proteção

 TÍTULO III

Dos bens, garantias, negócios e proteção

CAPÍTULO I

Dos bens, garantias e negócios

Art. 24.  São nulos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nela existentes.

§ 1º.   São nulos, na forma da legislação civil, os demais atos e negócios realizados entre índios e terceiros, praticados com violação de direitos da comunidade indígena.

§ 2º.  Podem os índios, suas comunidades e suas organizações, ingressar em juízo para anular os atos e negócios a que se refere o caput e o § 1º deste artigo e para obter a indenização devida.

Art. 25.  São respeitados os usos, costumes e tradições das comunidades indígenas nos atos ou negócios realizados entre índios ou comunidades indígenas, salvo se optarem pela aplicação do direito comum.

§ 1º.  No regime de sucessão, pertencerão à comunidade a qual fazia parte o índio falecido os bens do inventariado que tenham sido adquiridos com a exploração do patrimônio indígena, respeitados seus usos, costumes e tradições.

§ 2º.  Em todo processo de inventário que envolva bens indígenas inscritos ou registrados em órgãos públicos, deverá o juiz dar ciência do mesmo ao órgão federal indigenista.

Art. 26.  Toda autoridade e servidor público que tiver conhecimento de ato, negócio ou fato lesivos à ocupação, ao domínio e à posse das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios é obrigada a dar conhecimento deles ao Ministério Público Federal e ao Órgão Federal Indigenista, sob pena de responsabilidade.

Art. 27.  O ingresso de terceiros em terras indígenas depende de autorização das comunidades indígenas e de prévia comunicação ao órgão federal indigenista, ressalvada a atuação dos agentes públicos no exercício de suas funções.

CAPÍTULO II

Da proteção

Art. 28.  São partes legítimas para a defesa dos direitos e interesses dos índios e das comunidades indígenas:

I – os índios, suas comunidades e suas organizações;

II – o órgão federal indigenista.

III – o Ministério Público Federal;

§ 1º. Quando da defesa dos direitos assegurados pelo art. 231 da Constituição Federal, as comunidades indígenas serão dispensadas do adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, podendo gozar dos benefícios da assistência judiciária na forma do art. 5º, inciso LXXIV da Constituição Federal e da Lei nº 1.060, de 05 de fevereiro de 1950.

§ 2º. Nas causas em que for obrigatória a presença do Ministério Público Federal, a comunidade indígena contará com prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer.

§ 3º. Nenhuma medida judicial será concedida liminarmente nas causas em que as comunidades indígenas figurem no pólo passivo da relação processual, e que envolvam os direitos assegurados pelo art. 231 da Constituição Federal, sem a prévia audiência da comunidade e a do Ministério Público Federal.

Art. 29. As comunidades indígenas são parte legítima para propor ação civil pública, nos termos da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, para a defesa dos bens a que se refere o inciso II do artigo 5º da referida Lei.

Art. 30.   No caso de índios e comunidades indígenas que não mantenham relações de contato regulares com os demais membros da comunidade nacional, cabe ao órgão federal indigenista, obrigatoriamente, figurar como interveniente para a prática dos atos da vida civil.

§ 1º.  A interveniência obrigatória do órgão federal indigenista cessará quando o índio ou a comunidade indígena estabelecer relações de contato regulares com os demais membros da comunidade nacional.

§ 2º.  Cabe ao órgão federal indigenista autorizar o ingresso de terceiros nas terras ocupadas por índios que não mantenham relações de contato regulares com os demais membros da comunidade nacional.

Art. 31.  Compete ao órgão federal indigenista exercer o poder de polícia dentro dos limites das terras indígenas, na defesa e proteção dos índios e comunidades indígenas, de suas terras e patrimônio, podendo:

I – interditar, por prazo determinado, prorrogável uma vez, as terras indígenas para resguardo do território e das comunidades ali ocupantes;

II – proibir a entrada de terceiros e estranhos nas terras indígenas, se houver evidência de prejuízo ou risco para as comunidades indígenas ali ocupantes, às quais se dará ciência;

III – apreender veículos, bens e objetos de pessoas que estejam explorando o patrimônio indígena sem a devida autorização legal;

IV – aplicar multas e penalidades.

Parágrafo único.  Os veículos, bens e objetos apreendidos dentro de terra indígena na forma do inciso III deste artigo ficam sujeitos à pena de perdimento.

Art. 32.  Considera-se infração administrativa passível de punição pelo órgão federal indigenista, toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de proteção e promoção dos direitos dos índios, de suas comunidades e de seu patrimônio, especialmente quando implique:

I – ameaça à saúde e à vida das comunidades indígenas;

II – prática de qualquer ato ou atividade que viole ou ameace violar a posse permanente ou o usufruto exclusivo das comunidades indígenas sobre as riquezas naturais existentes em suas terras;

III – destruição, dano ou alteração dos recursos naturais ou bens dos índios;

IV – exploração e comercialização sem a competente autorização, dos recursos naturais ou bens existentes em terras indígenas;

V – receptação e comercialização de produtos ou bens extraídos ilegalmente das terras indígenas;

VI – realização de quaisquer construções e plantações em terras indígenas, sem autorização da comunidade respectiva ou do órgão federal indigenista, quando cabível;

VII – práticas que atentem contra a cultura e os costumes indígenas;

VIII – usurpação do patrimônio cultural;

IX – porte de armas em terras indígenas por terceiros, excetuados os agentes públicos no exercício de suas atribuições legais;

X – recrutamento, incentivo ou permissão de contratação ou exploração de índios sob regime de escravidão ou que os submetam a formas degradantes ou ilegais de subsistência;

XI – incentivo ao uso ou o fornecimento aos índios de produtos que causem dependência química ou psicológica;

XII – remoção de grupos indígenas de suas terras sem permissão da autoridade competente, conforme o § 5º do art. 231 da Constituição Federal;

XIII – ingresso ou permanência ilegal em terras indígenas;

XIV – aliciamento do índio ou de suas comunidades para a exploração de recursos naturais das terras indígenas;

XV – utilização da imagem do índio ou de suas comunidades, sem consentimento expresso, para fins promocionais ou lucrativos;

XVI – ato de escarnecer de cerimônia, rito, uso, costume ou tradições culturais indígenas, vilipendiá-las ou perturbar, de qualquer modo, a sua prática.

Art. 33.  Respondem solidariamente pela infração:

I – o autor material;

II – o mandante;

III – quem, de qualquer modo, concorra para a sua prática;

IV – a autoridade do órgão federal indigenista que tendo tomado conhecimento da infração, não determinou a sua apuração imediata.

Art. 34.  O processo administrativo para apuração de infração garantirá a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, e terá o seu procedimento definido em regulamento.

Art. 35.  As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções:

I – advertência;

II – multa simples;

III – multa diária

IV – apreensão de animais, produtos e subprodutos da fauna e flora indígena, instrumentos, apetrechos, equipamentos e veículos de qualquer natureza utilizados na infração;

V – destruição ou inutilização de produto

VI – suspensão da venda e fabricação de produto;

VII – embargo de obra ou atividade;

VIII – demolição de obra;

IX – suspensão parcial ou total das atividades;

X – restritiva de direitos.

§ 1º.  Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a elas cominadas.

§ 2º.  A advertência será aplicada pela inobservância das disposições desta Lei e da legislação em vigor, ou de preceitos regulamentares, sem prejuízo às demais sanções previstas neste artigo.

§ 3º.  A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:

I – violar, por ação ou omissão, as regras jurídicas de proteção dos direitos dos índios, de suas comunidades e de seu patrimônio;

II – advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado pelo órgão federal indigenista;

III – opuser embaraço à fiscalização do órgão competente.

§ 4º.  A multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade de vida das comunidades indígenas em cujas terras ocorreu a infração.

§ 5º.  A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo.

§ 6º.  As sanções restritivas de direitos são:

I – suspensão de registro, licença ou autorização;

II – cancelamento de registro, licença ou autorização;

III – perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais;

IV – perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;

V – proibição de contratar com a Administração Pública pelo período de até três anos.

§ 7º.  Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:

I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e o dano causado ao índio e às suas comunidades;

II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de proteção ao índio;

III – a situação econômica do infrator, no caso de multa;

IV – a situação de contato do índio ou de sua comunidade.

Art. 36.  Os valores arrecadados em pagamento de multas por infração serão revertidos ao órgão federal indigenista, que os aplicará no custeio dos serviços de fiscalização, preservação e melhoria da qualidade de vida das comunidades indígenas em cujas terras ocorreu a infração.

Art. 37.  A multa terá por base a unidade, o hectare, o metro cúbico, o quilograma ou outra medida pertinente, de acordo com o objeto jurídico lesado.

Art. 38.  São autoridades competentes para lavrar o auto de infração e instaurar processo administrativo, os funcionários do órgão federal indigenista designados para as atividades de fiscalização.

Art. 39.  O valor da multa de que trata este Capítulo será fixado no regulamento desta Lei e atualizado periodicamente, com base nos índices estabelecidos na legislação pertinente, sendo o mínimo de R$ 50,00 (cinqüenta reais) e o máximo de 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais).

Art. 40.  As relações internas a uma comunidade indígena serão reguladas por seus usos, costumes e tradições.

Art. 41.  Constatada a existência de comunidades indígenas que não mantenham relações de contato regulares com os demais membros da comunidade nacional, o órgão federal indigenista promoverá a interdição das terras onde se encontrem para garantir-lhes a integridade física e cultural, se necessário.

Art. 42.  A Polícia Federal prestará ao órgão federal indigenista, ao Ministério Público Federal e às comunidades indígenas, o apoio necessário à proteção dos bens do patrimônio indígena e à integridade física e moral das comunidades indígenas e de seus membros.

Art. 43.  Aos Juizes Federais compete processar e julgar as disputas sobre direitos indígenas.

Art. 44.  Nos crimes praticados por índios ou contra índios, a Polícia Federal exercerá a função de Polícia Judiciária.

Estatuto do Índio