Introdução
A lei 9.790/99 divide-se em dois temas: a criação do título de OSCIP e a criação do Termo de Parceria.
O Termo de Parceria é uma metodologia nova de relacionamento entre o poder público e a sociedade civil, criada pela lei das OSCIPs e que, tecnicamente, em meu ponto de vista, é um híbrido entre o ‘contrato administrativo’ e o ‘convênio’.
A intenção da criação do termo de parceria é claramente identificada como um ajuste de contas entre o terceiro setor e o setor público, resgatando a transparência nas relações entre os dois e, também, a adequação instrumental que permita um relacionamento mais razoável, mais baseado em resultados embora não se olvide da ‘forma’, tão cara para o direito público.
Contexto histórico
Falar de terceiro setor é também falar da forma como o poder público e a sociedade interagem. Nesta interação, há formas mútuas de repasse de bens, tecnologias, etc. Já faz algum tempo o poder público notou que em muitos campos, embora seja de sua obrigação constitucional, sua atuação não é satisfatória ou, ao menos, é menos eficaz do que a de outros personagens. As ONGs têm atuado com desenvoltura e extrema competência nos campos da educação, saúde, defesa da infância, ambientalismo, etc. Assim, tornou-se praxe o repasse de verbas públicas para aplicação em programas de natureza pública a serem desenvolvidos por entidades de direito privado.
Neste sentido a Lei 9.790/99 criou uma forma de repasse, o Termo de Parceria, que pretende ser um veículo legítimo e adequado ao repasse de verbas públicas para entidades de direito privado.
As principais características do Termo de Parceria são a preocupação com a eficácia, ou resultado, em contrapartida à eficiência, ou método, sendo essa última a regra dos convênios. Outra característica importante é a possibilidade de se recuperar a norma de transparência administrativa, por via do concurso de projetos antes da celebração do Termo de Parceria.
Deve-se destacar outra razão de grande importância para a consolidação de novas formas de relacionamento entre o Estado e a sociedade civil (o Termo de Parceria, inclusive): a continuidade das políticas públicas. Nos últimos tempos percebemos que o desgaste da “democracia praticada em períodos”, como é o caso da democracia representativa com rotatividade por eleições, atinge as expectativas mais legítimas da sociedade civil, em ver implementados os planos e políticas das gestões anteriores. Um dos fatores que mais incentivam o grande aparecimento de ONGs no mundo é exatamente a necessidade de se manter as políticas públicas iniciadas, apesar das tempestades inevitáveis nas trocas de governos, comuns até quando o governante é reeleito.
Assim, toda sorte de relacionamento entre o poder público e a sociedade civil é, também, em última análise, uma certa garantia de que as políticas públicas anteriores poderão ter alguma continuidade, acima das mazelas próprias da política partidária e da vaidade infinita de nossos políticos.
Termos de Parceria, a rigor do texto da lei, podem ser celebrados em períodos de mais de um ano, maiores do que o exercício fiscal e até do que o período de troca de governos.
Diferença entre o Termo de Parceria e os outros métodos de repasse de verbas públicas
Antes da Lei 9.790/99 a forma mais popular de interação financeira do setor público com o privado era o convênio. Dotado de regulamentação experimentada na prática, o convênio não era, contudo, inteiramente adequado para o que se pretendia.
A princípio, convênio é a forma de pacto entre pessoas de direito público. Portanto, todo convênio, a princípio, tem que respeitar as regras adequadas ao poder público, todas elas. Ao aplicar a metodologia de convênios ao setor privado, a lei não fez grandes concessões, e exigiu do setor privado a mesma natureza de prestação de contas que vale para o setor público. Desnecessário dizer o quão penoso se tornou manter um convênio. A pena era especialmente prolongada por conta da aplicação de conceitos legais inadequados ao caso, por conta da regulamentação própria dos convênios, em destaque a lei 8.666/93 e a IN 1/97 da SRF.
Ao Termo de Parceria não se aplicam as regras da Instrução Normativa n° 1 da Secretaria da Receita Federal (de 1997), que costuma ser responsabilizada pela burocratização excessiva dos convênios. Aplica-se a lei 8666/93, contudo, naquilo que a lei 9790/99 não regular de forma distinta.
Também, a prestação de contas em si era somente uma prestação formal de contas, um infindável gasto de papéis que deixaria qualquer ambientalista apavorado. Tornou-se consenso entre as ONGs que o tempo que se gasta com prestação de contas em convênio é contra-producente no que diz respeito à atividade conveniada. Depois, e principalmente, o convênio não prevê o concurso de projetos e, ademais, sua prestação de contas não leva em consideração os resultados obtidos.
Já o Termo de Parceria tenta evitar tudo isso com uma prestação de contas que privilegie os resultados efetivamente obtidos, menos burocratizada, possibilitando o concurso de projetos com a escolha da entidade mais capaz.
Mais de um Termo de Parceria e o concurso de projetos.
O Decreto 3.100/99 trouxe como novidade a possibilidade de uma mesma entidade ter mais de um Termo de Parceria em vigor, concomitantemente. Vale a pena ler sobre esse particular e sobre o concurso de projetos no texto de setembro de 99, publicado aqui mesmo, no site da Rits. Outra novidade legal que esse texto aponta é a possibilidade de concurso de projetos, mas isso tem causado um certo desconforto.
Convênios não podem ser razoavelmente objeto de concurso ou licitação. O teste do convênio é a atividade conjunta e unânime de interesse entre as partes, digo, partícipes. É como se fosse um acordo celebrado com todos do ‘mesmo lado da mesa’. Contratos teriam, a rigor da tese administrativista, partes, pessoas em ‘lados opostos da mesa’.
Termos de Parceria, contudo, podem ser objeto de concurso e edital, uma forma específica de ‘licitação’. Logo que foi lançada a lei e o decreto, contudo, uma consulta ao TCU revelou o entendimento técnico de quem avaliou os termos legais de forma que apontava-se, nesse parecer, a conveniência de sempre se fazer concursos, ante a possibilidade deles. Não considero que seja assim.
A rigor do dispositivo legal, o concurso de projetos não é obrigatório para a celebração de Termos de Parceria. Esse é o espírito e letra da regulamentação específica (Dec. 3.100/99) quando diz:
“Art. 23 – A escolha da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, para a celebração do Termo de Parceria, poderáser feita por meio de publicação de edital de concursos de projetos pelo órgão estatal parceiro para obtenção de bens e serviços e para a realização de atividades, eventos, consultorias, cooperação técnica e assessoria.”
Não poderia ser de outra forma. O Termo de Parceria tecnicamente comporta-se como um híbrido entre o contrato e o convênio, distinguindo-se de ambos, e o procedimento licitatório, a princípio, é previsto para casos nos quais o relacionamento jurídico implica em posturas e interesses conflitantes, a dizer, tecnicamente, contratação. Não há no caso do Termo de Parceria, qualquer confusão entre este método e aquele outro, logo a regra de uma não se lhe aplica senão analogicamente. Parcerias são resultado de interesses comuns e não conflitantes, sendo esse o espírito da letra legal, confira:
Lei 9.790/99, “Art. 9o. – Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomentoe a execução das atividades de interesse públicoprevistas no art. 3o. desta lei.”
Cláusulas essenciais
No convênio as cláusulas essenciais são vinte. No Termo de Parceria são seis:
- A do objeto, contendo a especificação do programa de trabalho;
- A de estipulação das metas e dos resultados a serem atingidos e os respectivos prazos de execução ou cronograma;
- A de previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de resultado;
- A de previsão de receitas e despesas a serem realizadas em seu cumprimento;
- A que estabelece as obrigações da OSCIP, entre as quais a de apresentar ao Poder Público, ao término de cada exercício, relatório sobre a execução do objeto do Termo de Parceria, contendo comparativo específico das metas propostas com os resultados alcançados, acompanhado de prestação de contas dos gastos e receitas efetivamente realizados;
- A de publicação, na imprensa oficial, conforme o alcance das atividades celebradas entre os parceiros, de extrato do Termo de Parceria e de demonstrativo da sua execução física e financeira, conforme modelo simplificado.
Prestação de contas
Para prestar contas do Termo de Parceria a organização parceira precisa apresentar somente:
- Relatório anual de execução de atividades;
- Demonstração de resultados do exercício;
- Balanço patrimonial;
- Demonstração das origens e aplicações de recursos;
- Demonstração das mutações do patrimônio social;
- Notas explicativas das demonstrações contábeis, caso necessário; e
- Parecer e relatório de auditoria nos termos do art. 20 do Decreto 3100/99, se for o caso previsto em lei.
Conclusão
Uma breve comparação entre o Termo de Parceria e o convênio. Já fizemos isso em outro texto. Muito poucos Termos de Parceria já foram celebrados Brasil afora. Parece-nos, contudo, que uma ventania de mudanças está atingindo o Brasil e um dos resultados dessa ‘ventania’ é o crescente interesse do poder público em celebrar Termos de Parceria.
Tendo à disposição uma forma de relacionamento que promove maior transparência e adequação técnica para grande parte dos casos de relacionamento entre o setor público e o privado, é de chamar atenção que ainda sejam poucos os casos de Termos de Parceria celebrados.
No Brasil de hoje em que a mudança é a palavra (e o sentimento) de ordem, é de se dar parabéns ao administrador público que teve a hombridade de fazê-lo.
Fonte: Rede de Informações para o Terceiro Setor – www.rits.org.br